Factos & Documentos
Papa estranho
“Este Papa é um pouco estranho. Parece não acreditar que as viagens de uma imagem peregrina de Nossa Senhora possam substituir uma Igreja de saída. Para ele tem de ser um hospital de campanha, pronto a socorrer os que a indiferença deixou abandonados nas valetas da vida. E para nós?”
Frei Bento Domingues
Público, 8 de Outubro de 2017
Ninguém sabe fazer nada
“Antigamente havia mais agricultura, as pessoas, o aldeão comum combatia o fogo, e isso era-lhe permitido. (…), havia sempre alguém que sabia fazer um contrafogo. As pessoas defendiam o que era seu. (…) Mas esse saber fazer as coisas, estar preparado, nem era um direito que as pessoas tinham, aquilo eram as suas propriedades e as pessoas defendiam-se. Com o tempo, (…) o Estado assumiu tudo (…) Foi retirada às pessoas não só a perceção do direito como do dever de se defenderem. Aquilo que era um saber e costume que passava de pai para filho perdeu-se, já ninguém sabe fazer nada. E ficamos reféns, a palavra é essa, das entidades públicas ou associativas. (…) Tiraram os postos de vigia a 1 de outubro! Aconteceu o mesmo em junho. Esta tragédia podia ter sido evitada ou minimizada se a fase Charlie tivesse começado mais cedo. Se se esquecessem os quadros legais e os calendários e se olhasse para a realidade: se as condições atmosféricas vão ser adversas, as coisas têm todas de ser definidas em função disso.”
Nádia Piazza, Marta F. Reis
i, 12 de Outubro de 2017
Meios aéreos
“Acho que os meios de combate aos incêndios devem passar para o Estado. Os meios aéreos para a Força Aérea Portuguesa. E é óbvio que se torna urgente a criação de um corpo nacional de bombeiros profissionais organizado segundo normas e regras de tipo militar, como de certo modo já acontece em Espanha”.
Manuel Alegre
Diário de Notícias,
18 de Outubro de 2017
Floresta viva
“Estes fogos apenas descarnaram o país esquelético que fomos criando. Mataram os mais indefesos. É preciso agir.(…) É de ação pública que temos de falar. Escrever na legislação recente a expressão «exploração florestal» onde só está «gestão florestal». Esquadrinhar o território onde crescem árvores e arbustos com a mesma força com que se esquadrinhou o campo para os loteamentos urbanos. Mostrar que só há Estado quando ele palmilha montes e vales. Não quando a corte vai à aldeia. É de ação pública direta que eu falo. Usem-se os municípios. Mas não nos limitemos a descentralizar, usando o velho tique de entregar a outros o que é preciso fazer «quando elas mordem». Acarinhem-se os produtores, os individuais e as empresas, que fazem da floresta vida.”
José Reis
Público, 20 de Outubro de 2017
Problema transversal
“Xavier Viegas recorda o trabalho de campo para o relatório sobre os incêndios de Pedrógão e conta que o que viu apenas serviu para reforçar uma convicção, a de que estamos perante uma longa acumulação de erros e omissões do poder político. «É uma questão sistémica há dezenas de anos. Fui a todos os lugares onde houve perda de vidas. E o que encontrámos? Um país que está à margem do país que é imaginado em Lisboa. Estamos a uma pequena distância do mar e de vias principais e encontramos aldeias que não têm saneamento, casas que não têm água corrente. Como é que pessoas com rendimentos tão baixos e que vivem do que cultivam, como é que é possível esperar que estas pessoas façam o trabalho de limpar as florestas?»(…)«Há aqui uma falha na governação do país, na distribuição relativa da riqueza. Nós queremos o nosso espaço rural e florestal cuidado. Queremos que tenha pessoas para não ser um matagal, mas temos de lhes dar condições. É um problema transversal a muitos governos”.
Paulo Tavares
Diário de Notícias,
21 de Outubro de 2017
Acudir à floresta
“Opte-se por não derreter uma parcela do saldo orçamental primário – estimado para 2018 em mais de cinco mil milhões de euros – em juros da dívida e encontrar-se-ão recursos para acudir à floresta e para financiar serviços públicos e funções sociais como a saúde”.
Jorge Cordeiro
Diário de Notícias,
27 de Outubro de 2017
Anacronismos
“Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte.”
Relação do Porto, 2017
i, 27 de Outubro de 2017
Sistema desumano
“É importante pensar na economia do consentimento», defende a actriz e autora Brit Marling na revista The Atlantic. «Não são ‘estes homens maus’. Ou ‘aquela indústria suja’. É ‘este sistema económico desumano’ de que todos fazemos parte. Como produtores e consumidores. Como contadores de histórias e ouvintes. Como seres humanos.”
Joana Amaral Cardoso
Público, 3 de Novembro de 2017
Legitimação ideológica
“O património ideológico e cultural da revolução de Outubro não pertence aos russos mas à humanidade que aquela quis emancipar. Há uma continuidade estratégica entre Estaline e Putin. Só a legitimação ideológica varia. A Crimeia é a grande vitória de Putin”.
Fernando Rosas
Expresso, 4 de Novembro de 2017
Primeira vez
“O que aconteceu há 100 anos foi que na primeira vez na história da humanidade se deu uma revolução, não apenas política mas social profunda em que, ao contrário de revoluções anteriores, incluindo revoluções profundas como a revolução francesa de 1879, pela primeira vez uma classe exploradora não é substituída por outra classe exploradora. Pela primeira vez foram os trabalhadores que acederam ao poder com um objetivo que concretizaram de criar uma nova sociedade sem exploradores nem explorados. Foi a primeira vez na história que isto aconteceu.”.
Albano Nunes
Diário de Notícias,
5 de Novembro de 2017
Motor da história
“O que lhes tira o sono é o que a Revolução de Outubro projecta para o futuro e encerra de motor da história. O que os inquieta é o que Outubro significou de um novo passo no inexorável processo de libertação humana. O que os leva a esbracejar horrorizados é o que ela representa de evolução da sociedade humana, das leis materiais e objectivas que lhe estão associadas.”
Jorge CordeiroDiário de Notícias,
10 de Novembro de 2017
Tabu do sexo
“O voto de celibato dos padres não é dogma nenhum. Quem fez essa norma do direito canónico também a pode – e deve – desfazer. Ao fim e ao cabo, qual é esse tabu do sexo? (…) A Igreja só está com estes problemas ridículos às costas porque se recusa a discutir o problema de fundo: o celibato e as supostas objecções teológicas que levam a que as pessoas casadas não possam ser ordenadas e a que os padres em exercício não se possam casar. Isto é um desastre. (…) O Papa não o pode fazer sozinho sem despertar o clamor dessa gente que está a fazer campanhas internacionais contra ele, tem que ser uma coisa a partir das conferências episcopais e dos bispos.”
Frei Bento Domingues
Público, 13 de Novembro de 2017
Necessidade de “justa causa”
“Não é por acaso que os governantes dos anos do «ajustamento» pensavam (como aliás a imprensa económica) que a economia eram as empresas, como se estas existissem sem trabalhadores, vistos apenas como um «custo» que era preciso diminuir. Nesses anos nunca se dirigiam aos trabalhadores a não ser para impor as célebres «reformas estruturais» no mundo do trabalho, todas no sentido de facilitar os despedimentos, pôr em causa a necessidade de haver uma «justa causa», diminuir salários e pensões, combater os direitos dos reformados, acabar com a negociação colectiva, enfraquecer os sindicatos, fragilizar o lado dos trabalhadores em relação aos patrões numa relação social que é já de si muito desigual. Tudo isto foi feito pelos mesmos que agora amam os trabalhadores do sector privado, face aos privilégios do sector público. Aliás, na verdade, o que muito os incomodava era não poderem fazer na função pública o mesmo que faziam no sector privado. (…) Discuto com um socialista a sua crença na infalibilidade do Estado e das soluções públicas, ou com um sindicalista a sua recusa de avaliação profissional, mas não começo a discussão aqui com esta direita cujo amor pelo trabalho e pelos trabalhadores privados se exerce em todos os sítios menos nas empresas e nas fábricas e muito menos na folha de salários e no respeito pelos direitos dos trabalhadores. Aí, esse amor propalado é muito mais desprezo e nalguns casos apenas medo.”
José Pacheco Pereira
Público, 20 de Novembro de 2017
Anomia cívica
“A inacreditável história da Associação Raríssimas perturba até os estômagos dos mais duros. Perturba até ao limiar do vómito. E não apenas porque revela uma confrangedora incapacidade do Estado para fiscalizar o dinheiro público: neste filme sórdido, também a sociedade civil mostrou o seu profundo deleite com a promiscuidade, a falta de exigência e a submissão a todo o tipo de abusos e prepotência. A história é um nojo porque valida a facilidade com que a corrupção e o nepotismo se instalam numa associação privada sem que ninguém fosse capaz de as travar a tempo. Sim, desta vez a culpa não é apenas do ministro, ou do secretário de Estado, ou dos políticos, ou do Governo: é também falha de uma sociedade civil tolerante aos dirigentes que exigem aos seus subordinados que se levantem à sua passagem, que ouve sem náusea nem protesto a presidente da Raríssimas dizer que o filho é o seu «herdeiro da parada», que perante todas as suspeitas não denuncia, não questiona, não critica, não dá um murro na mesa. A Raríssimas é o certificado da anomia cívica. Más notícias para os liberais.”
Manuel Carvalho
Público, 13 de Dezembro de 2017
Máquina de liberalização
“Mário Centeno seguirá as instruções de manuseamento da mais poderosa máquina de liberalização jamais criada.”
João Rodrigues
Público, 15 de Dezembro de 2017