O trabalho, direito fundamental

Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Esta frase lapidar de Bertholt Brecht, cujo sentido último atravessa toda a História, ganha a sua maior força e expressividade, a partir da época moderna, mediante as diversas configurações do sistema capitalista à escala mundial e nas consequentes irrupções de violência e tensão social que, com maior ou menor intensidade, se verificam por todo o Mundo.

“A violência social, em particular a violência urbana, está estritamente correlacionada com a exclusão e a pobreza.”

Como a sociologia e a psicologia explicam, a violência social, em particular a violência urbana, está estritamente correlacionada com a exclusão e a pobreza. Os excluídos dos benefícios do desenvolvimento económico e social tendem, na sua conduta, a ignorar as fronteiras da sociabilidade e da civilidade, rejeitando os comportamentos padrão e as práticas sociais comuns, dadas como adquiridas.

“A mesma matriz de exploração que exclui biliões de pessoas em todo o Mundo dos benefícios da civilização, gera, por outro lado, uma escassa mão cheia de super-ricos, numa escala de concentração de riqueza inimaginável.”

Não se pode, pois, com objectividade, ignorar que a violência do Mundo actual, institucionalizada ou não, seja no Médio Oriente seja no Brasil, quer se exprima como violência de guerra quer se exprima como violência difusa nas grandes metrópoles, se inscreve no âmago das sociedades modernas e traz sempre no seu bojo a miséria e a pobreza, num ciclo infernal de auto-reprodução que multiplica os excluídos da sociedade. E, em contraponto, a mesma matriz de exploração que exclui biliões de pessoas em todo o Mundo dos benefícios da civilização, gera, por outro lado, uma escassa mão cheia de super-ricos, numa escala de concentração de riqueza inimaginável.

“As oito pessoas mais ricas do planeta possuem tanta riqueza, (o montante assombroso de 427 biliões de dólares) quanto a metade mais pobre da população mundial, numa proporção de 8 para 3,6 biliões de pessoas.”

De facto, conforme denunciou a ONG britânica Oxfam, por ocasião do último Fórum Económico Mundial, em Davos, as oito pessoas mais ricas do planeta possuem tanta riqueza, (o montante assombroso de 427 biliões de dólares) quanto a metade mais pobre da população mundial, numa proporção de 8 para 3,6 biliões de pessoas. Com a agravante de que esta situação “indecente” que “exacerba as desigualdades” tem tendência para aumentar de ano para ano.

Em Portugal, a situação económica e social tem vindo a melhorar, em consequência das políticas de reposição de rendimentos e direitos, preconizadas pelo acordo firmado entre a esquerda parlamentar que sustenta o actual Governo. Na realidade, em termos gerais, o rendimento dos portugueses passou novamente para os níveis fruídos à data anterior a intervenção da tróica e da vigência do governo PSD/CDS.

“Na realidade, em termos gerais, o rendimento dos portugueses passou novamente para os níveis fruídos à data anterior a intervenção da tróica e da vigência do governo PSD/CDS.”

Efectivamente, para além do aumento do salário mínimo nacional, verifica-se assinalável regressão do desemprego, pesem embora o trabalho precário e os preocupantes níveis de desemprego jovem e a deficiente valorização pelo mercado de trabalho das habilitações escolares de nível ensino superior.

Também em Portugal, estudos recentes do Banco Central Europeu (BCE) revelam que o peso da fortuna dos mais ricos no conjunto da economia, ou seja, a concentração da riqueza e aumento das desigualdades sociais, “é ainda maior do que se julgava”, assinalando que, no caso português, um quarto da riqueza está nas mãos de 1% da população.

“O trabalho não tira as pessoas da pobreza, importa então reconhecer que estamos perante uma sociedade não apenas injusta mas em risco de ver seriamente abalados os alicerces do sistema democrático.”

Acresce que dados da própria União Europeia revelam que a “pobreza no trabalho”, ou seja, a percentagem das pessoas que trabalham e cujo rendimento disponível fica abaixo do limiar de pobreza tem vindo a aumentar. Assim, se para além do desemprego e dos desníveis salariais entre homens e mulheres, por exemplo, o trabalho não tira as pessoas da pobreza, importa então reconhecer que estamos perante uma sociedade não apenas injusta mas em risco de ver seriamente abalados os alicerces do sistema democrático.

“Importa também pugnar pela valorização do trabalho, como factor decisivo de socialização e coesão social.”

Importa por isso, face ao aumento da produtividade e do rendimento nacional, pugnar por mais justa repartição da riqueza produzida, mediante o aumento dos salários, cuja urgência se impõe como razão de erradicação da pobreza e da exclusão social no País.

E, noutro plano, face aos desígnios de uma governação que se pretende de esquerda, importa também pugnar pela valorização do trabalho, como factor decisivo de socialização e coesão social, o que tem como pressuposto questionar a economia, a empresa, as relações mercantis e o mercado como regulador supremo da economia e da sociedade.