Labirintos da segurança e defesa na União Europeia
As evoluções registadas na cooperação em matéria de segurança e defesa no quadro da União Europeia (UE) dotaram a Europa de capacidades em vários domínios, mas não foram suficientes nem determinantes para resolver as contradições de fundo que lhe estão subjacentes: dotá-la de autonomia estratégica, abarcar todos os domínios da defesa, nomeadamente a defesa contra uma agressão externa, ultrapassar a sua subalternização estratégica e ser um ator global, isto é, ter capacidade para participar na construção de uma ordem securitária, na qual se insere a manutenção da paz e a segurança global.
O emaranhado institucional em que a PCSD (Política Comum de Segurança e Defesa) se enredou após o Tratado de Lisboa não se traduziu no aumento da sua relevância internacional. Como os arranjos que a antecederam, a PCSD visa fundamentalmente dar respostas a crises civis e militares que ocorram fora do espaço europeu, nomeadamente na sua vizinhança, como por exemplo em África, mas sempre na condição da OTAN não se pretender envolver nessas mesmas crises.
A defesa do território europeu contra agressões externas continua a pertencer à OTAN. Falta músculo militar à PCSD para que a UE possa ser um ator global.
Os 60 mil militares à disposição da UE acordados em Helsínquia não permitem à PCSD realizar operações militares complexas, prolongadas no tempo e exigentes quanto ao uso da força militar.
Os EUA têm permitido – frequentemente constrangidos – o aprofundamento da cooperação europeia no âmbito da segurança e defesa, mas sempre dentro de certos limites, desde que essas iniciativas: contribuam para atenuar os seus encargos com a defesa da Europa; permitam gerar capacidades militares europeias para ajudarem os EUA na gestão de crises; não rivalizem com a OTAN e se desenvolvam no seu seio (sem criar estruturas paralelas); e não belisquem a supremacia norte-americana na defesa europeia.
Os EUA conseguiam conviver com um maior envolvimento da Europa em assuntos de defesa, desde que não perdessem o controlo político dos acontecimentos, e sem que isso pudesse alguma vez evoluir de modo a tornar a Europa um centro de poder geopolítico rival e competidor à escala global.
Os objetivos dos EUA relativamente à cooperação europeia em matéria de defesa não se alteraram desde que esta emergiu. Registaram-se flutuações táticas consoante as circunstâncias do momento, mas sem que os desenvolvimentos daí resultantes pudessem desafiar a sua supremacia.
Na prática, o aprofundamento da cooperação com vista ao objetivo último da integração europeia em matéria de segurança e defesa, insere-se no debate sobre a distribuição relativa de poder e influência entre os EUA e os seus parceiros europeus no seio da OTAN, um debate travado em ambos os lados do Atlântico. No relacionamento com a Europa, os EUA não prescindem de uma relação superior/inferior. A Europa, ou pelo menos alguns países membros, não se sentem confortáveis em continuarem a ser o deputy sheriff dos EUA.
A União será um ator estratégico autónomo quando a relação transatlântica funcionar como uma parceria entre iguais. Contudo, as condições para que isso possa acontecer estão longe de estarem reunidas.
Para além dos obstáculos colocados externamente pelos EUA ao aprofundamento da cooperação europeia, a União terá de ser capaz de superar os seus obstáculos internos. Para se emancipar, a Europa tem de se libertar do comportamento antinómico dos seus Estados-membros. Por um lado, pretenderem que a PCSD se torne estrategicamente autónoma, por outro não quererem assumir os encargos correspondentes. Não se pode pugnar por autonomia estratégica e simultaneamente querer continuar a viver debaixo do guarda-chuva securitário norte-americano. Sem resolver esta contradição será difícil avançar. Sempre que os Estados Unidos dão indicações de menor interesse ou empenho na defesa da Europa, os europeus tremem.
Só poderemos falar de defesa na UE, entenda-se plena integração europeia em matéria de defesa, em vez de quasi-defesa, quando se verificarem determinadas condições que alterem o presente status quo: a PCSD tiver autonomia (estratégica e de decisão); assumir responsabilidades de defesa coletiva e possuir uma estrutura militar permanente; possuir capacidades militares credíveis, em consonância com o nível de ambição estabelecido; existir consenso ao redor de uma política externa comum (aceite e praticada); e a UE e a OTAN forem estrategicamente falando pares inter pares.
Enquanto aquelas condições não se verificarem, a PCSD limitar-se-á, apesar dos desenvolvimentos que ainda irão certamente ocorrer, a funcionar num quadro de defesa europeia amputado e coxo, muito distante do conceito pleno de defesa de um Estado, incluindo os Estados Federais, em que a defesa e os assuntos exteriores são atividades de soberania do Estado. As condições para que isso acontecesse seriam mais facilmente atingidas se a UE fosse um Estado federal, em vez de ser um comprehensive state-like actor.
As iniciativas de cooperação a que temos assistido nos últimos anos envolvendo apenas alguns Estados europeus são movimentos centrífugos que não concorrem para o fortalecimento da política externa europeia, nem para os objetivos definidos nos documentos “programáticos” da União. Em vez de se organizarem para fazer face a uma ameaça global a todos os membros da União, muita dessa cooperação tem-se orientado para lidar com riscos regionais que apenas afetam um grupo de Estados.
Nos últimos anos, no intervalo das suspeitas e desconfianças mútuas, houve de facto algum apaziguamento das tensões e um aumento da cooperação entre a UE e a OTAN, que se tem vindo progressivamente a reforçar e a aprofundar. Contudo, essa cooperação desenrola-se num quadro de acomodação europeia aos interesses norte-americanos, nas condições impostas pelo ator dominante, sem colocar em causa os termos de uma relação consolidada na segunda metade da década de noventa e nos primeiros anos do século XXI.
Independentemente dos desenvolvimentos que possam vir a ocorrer e do aprofundamento da cooperação, a manterem-se as atuais premissas do funcionamento da PCSD será muito improvável que a UE consiga tornar-se um ator global. Por isso, a PCSD é a arte do possível face à relevância do empenho dos Estados Unidos na defesa europeia e à ausência de um interesse de segurança comum europeu.