Testemunhos da História – O Plano B da Escola Prática de Cavalaria
Em finais de 1973 o Movimento dos Capitães toma abertamente a decisão de efectuar uma acção militar visando o derrube do Governo e pela voz do Vasco Lourenço, em reunião de 14 de Novembro em Aveiras de Cima, encarrega a EPC de assumir a liderança do esforço que viesse a ser exercido sobre Lisboa.
Interiorizada esta responsabilidade, três tarefas se nos deparavam de imediato: conquistar a adesão dos militares da Escola, sobretudo dos graduados milicianos que até então tinham estado à margem do problema que vinha envolvendo os Capitães; conceber um plano que nos permitisse, sem levantar suspeitas, ter acesso às munições que estavam em Santa Margarida desde o rebentamento do paiol da EPC em 1971; e recuperar os blindados que, sujeitos ao permanente esforço da instrução, se encontravam em precárias condições de utilização.
Se a primeira tarefa se nos apresentou fácil devido à entusiástica aceitação dos jovens militares e se o plano estudado para a recolha das munições, depois de testado, parecia garantir o efeito desejado, já a recuperação das viaturas se afigurava mais difícil dada a vetustez de algumas, a carência de peças sobresselentes e o cuidado a ter na execução dos trabalhos de oficina para não levantar suspeitas ao comando da EPC o que poderia gorar todo o nosso esforço.
Foi já nos alvores de 1974, e devido à dificuldade em recuperar eficazmente as viaturas, que começámos a esboçar um plano abrangendo a recuperação da coluna militar da Escola, que poderia ser barrada no trajecto ou em dificuldades em Lisboa, e a constituição de uma resistência armada em Santarém.
Tínhamos os meios no quartel, em homens e em material, e a cidade implantada num planalto com bom domínio sobre os seus acessos e zonas circundantes era rodeada de povoações que, acreditávamos, nos seriam favoráveis. A própria população urbana inspirava-nos a confiança necessária pois já demonstrara em outras ocasiões o seu posicionamento em relação à política do governo. E foi neste contexto que elaborámos um mapa com os pontos que iríamos ocupar na periferia do planalto e com alguma facilidade fizemos uma lista de cidadãos com os quais contávamos quando se concretizasse a ocupação militar da cidade.
Nos primeiros dias de Março a saudável reacção popular ao livro do Gen. Spínola e o sequente braço de ferro entre o Governo e o Movimento, que originou à extemporânea saída dos militares do RI 5 das Caldas da Rainha, mais contribuíram para reforçar o nosso Plano B que considerava Santarém como o último reduto de resistência caso falhasse o golpe sobre Lisboa.
Na madrugada de 25 de Abril, assim que a coluna comandada por Salgueiro Maia transpôs o portão da Escola, começámos a pôr em marcha o Plano preparando a 2ª coluna, constituída por carros de combate. Pelas 07.30 foram posicionar-se na periferia da cidade pois Interessava-nos que chegasse a Lisboa a informação da eventual saída de uma segunda coluna.
Simultaneamente fizemos sair para os principais pontos de concentração de populares na cidade vários blindados com militares que iam distribuindo cópias da proclamação que seria lida pelo Gen. Spínola, à noite na televisão. A população passou, assim, a estar informada e correspondeu como esperávamos, pois a meio da manhã já um mar de gente enchia o largo fronteiro ao quartel vitoriando o Movimento e dando vivas a Portugal e à Liberdade. Houve lágrimas de alegria, abraços que queriam dizer muita coisa e também o oferecimento de voluntários para vir defender o quartel. Constatámos, com muita satisfação, a presença de um número muito significativo de cidadãos que constavam da nossa lista de apoio ao Plano B.
Às primeiras horas da manhã entrámos em contacto com o Presidente da Câmara e com os Comandantes do Presídio Militar, da GNR e da PSP locais dando-lhes conhecimento da nossa posição e aguardando a sua colaboração o que foi correspondido. Evidentemente que nos casos da GNR e da PSP já tinham havido ligeiras abordagens à situação e à eventual tomada de posição da EPC. Também a emissora local, a Rádio Ribatejo, passou a ser controlada por nós, transmitindo os comunicados do MFA e as informações que íamos achando oportunas e úteis. Deixámos para a tarde o pessoal da polícia política – uma chamada para o chefe da brigada da PIDE e demos-lhe ordem de recolher à sede todos os seus agentes. Uma pequena força militar deslocou-se ao local e levou-os sob prisão para o destacamento da EPC, ficando as instalações da PIDE sob vigilância militar.
Com o evoluir da situação em Lisboa e o abraço de gratidão que a população da cidade fazia questão em envolver os militares da Escola não arredando pé da Porta das Armas do quartel não foi sentida a necessidade de ocupar os pontos fortes previamente estabelecidos na periferia do planalto.
E assim o mapa do Plano B ficou irremediavelmente esquecido num qualquer bolso da farda militar.