Trigos antigos em Seara Nova
Os trigos de hoje não são os de há mil, quinhentos ou mesmo oitenta anos, porque foram modificados, ou seja, “nanificados”.
Os trigos de hoje consumidos massivamente, sob a forma de “PÃO” ou outros derivados, são todos anões, quer eles sejam moles ou rijos.
As características da planta foram alteradas (palha curta, sistema radicular de superfície, aumento de amido). Mesmo assim, há quem lhe chame “melhoramento”. Será isso do ponto de vista do produtivismo e intensificação, mas não o é do ponto de vista agronómico, ecológico ou nutricional.
A meu ver os inconvenientes da alteração não foram tidos em conta, se é que foram avaliados, porque tudo isto é uma questão de dinheiro a montante e a jusante da utilização do cereal, que foi avançando sob a forma de combate à fome, mas a fome continua.
A História
Estávamos no final da 1ª Guerra Mundial e início da chamada “Revolução Verde” e o nitrato, que era usado para fins militares (fabrico de bombas) passou a ser desviado para a agricultura.
No caso dos trigos a bioengenharia deparou-se com um obstáculo: os trigos antigos eram “naturalmente de palha alta” e, aplicando o nitrato cresciam ainda mais. Com a chuva e o vento acamavam e isso comprometia a produção. A solução encontrada foi a “nanificação”, para além de outras adaptações e modificações que duram até aos nossos dias, em função dos desejos da indústria agro-alimentar e não só.
Os trigos modernos, com base no aumento das adubações nítricas duplicaram o volume de produção por hectare, o que levou ao abandono dos trigos antigos.
Muitas variedades desapareceram, levando ao empobrecimento do património genético e da biodiversidade. Apareceram as primeiras doenças e pragas, porque as plantas se tornaram mais frágeis e os tratamentos passaram a ser de uso corrente, com prejuízo para os eco-sistemas, para além dos trigos modernos não se adaptarem às difíceis condições da maior parte dos solos portugueses, num país que precisa de produzir trigo.
Os Trigos Antigos Voltarão
Os trigos que escaparam à fúria da “revolução verde” vão ser reconhecidos, porque esses trigos ainda têm muito para nos dar e temos que aprender com eles as suas vantagens agronómicas, ecológicas, nutricionais e terapêuticas.
Vão voltar por um caminho próprio, ao encontro de pessoas que procuram um Pão que seja alimento e medicamento, na linha de pensamento de Hipócrates.
Trigos Modernos – Uma Questão Global
Quatro multinacionais controlam 90% do mercado mundial, denominadas A B C D. São elas: Archer Daniels Midland (americana), Bung (americana também), Cargill (americana ainda) e Dreyfuss (franco-suíça).
É fácil compreender que estes oligopólios detêm uma arma poderosa que pode ser utilizada contra os povos a todo o momento.
O trigo é neste quadro uma questão política da mais alta importância. Nas mãos de quem está pode nem sequer chegar aos portos, o que é uma razão suplementar para preservarmos os trigos antigos.
Não precisamos inventar nada. Basta revisitar a história. O trigo sempre foi uma questão política da mais alta importância desde a antiguidade. Está na origem de grandes civilizações mas também de revoluções, quando escasseava. Foi assim na Roma antiga quando ficou célebre a frase “Pão e Circo”. Mais perto de nós, em 1789, eclodiu a Revolução Francesa, sendo certo que, entre outros factores, foi o rastilho que levou à revolta o povo de Paris. Maria Antonieta respondeu inconscientemente: “se não têm pão que comam brioche”, o que lhe valeu a passagem pela guilhotina…
No nosso tempo ninguém imagina que possa faltar o pão. Até se deita fora às sacadas todos os dias, porque no 2º dia já é intragável.
Mas em caso de crise não está excluído um boicote. Essa possibilidade não parece preocupar os governos, pois não estimulam a produção desse cereal estratégico, sobretudo depois do desligamento à produção determinado pela U.E.
Que trigos andamos a comer
Aqui a questão política já não é a da dependência alimentar em que nos encontramos mas a que está ligada à saúde e bem estar.
Os cereais que comemos hoje em dia têm pouca semelhança com os cereais que fizeram parte da alimentação humana desde há cerca de 10.000 anos.
Está na altura de percebermos o significado da “intolerância ao glúten”. Os trigos modernos contêm glúten em excesso. Desde o século XVII, quando Gregor Mendel descrevia nos seus famosos estudos o cruzamento de plantas para conseguir novas espécies, tornámo-nos especialistas em misturas para criar progenituras loucas na área dos cereais.
Não estará na altura de se estudar a relação que existe entre excesso de glúten e intolerância ao mesmo?
Enquanto isso não acontece os trigos antigos têm uma nova oportunidade, por terem um baixo teor de glúten. É uma das razões da procura de espelta (triticum speltum), que é um cereal primitivo. Na falta de espelta temos o dinossauro dos trigos, que é o “nosso” barbela (triticum aestivum), que é muito próximo da espelta e pode, por isso, vir a fazer parte de uma alimentação consciente.