Testemunhos da História – Nos 50 anos da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos

No dia 25 de Maio de 1974, num Coliseu dos Recreios repleto e vibrante de entusiasmo como jamais conhecera na sua longa história, a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos organizou, com o Coro da Academia dos Amadores de Música, sob a direção de Fernando Lopes-Graça, um concerto de homenagem a todos aqueles que, na prisão ou no exílio, na luta contra os tribunais plenários, a censura e a propaganda, contra todas as formas de pressão e opressão, resistiram ao regime derrubado pelo Movimento das Forças Armadas em 25 de Abril, exatamente um mês antes, com a imediata adesão do Povo nas ruas.

“Depois do medo e do silêncio. No Coliseu: As Canções da Resistência”, como titulava o Diário Popular, ou “Canções-Verdade, canções que refletiram, na época sombria do fascismo, os anseios sufocados pelo terror, pela repressão de um povo sedento de uma liberdade a que nunca renunciou” (O Século): assim eram apresentados e cantados pela primeira vez em público, e com o público, sem os constrangimentos que os forçavam à clandestinidade, os versos de poetas da Resistência Antifascista, musicados por Fernando Lopes-Graça, que saíam da sombra nesses dias de sonho e esperança.

Essa festiva celebração da liberdade foi o culminar na intensa atividade cívica e política da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos que se constituíra em finais de 1969 com o objetivo de chamar a atenção do Governo e do País para a situação dos presos políticos em Portugal e nas Colónias, proclamando a necessidade de se lhe pôr cobro, e auxiliar por todas as formas legais os presos e suas famílias.

Foi em 31 de Dezembro de 1969 que um grupo de cidadãos, integrados por dezenas de personalidades de setores sociais, profissionais e áreas geográficas diversos, entregou na Presidência do Conselho de Ministros um documento em que, aproveitando-se de uma desatenção do novo Código Civil, informava o poder instalado da sua constituição em comissão de socorro aos presos políticos. Tinha essa Comissão como objetivo responsabilizar o Governo e alertar a opinião pública perante a violação de liberdades e direitos fundamentais pela atuação de uma polícia política todo-poderosa, que dispunha de um sistema de justiça próprio, constituído por um aparelho repressivo, legislativo e judicial, que incluiu tribunais e cárceres ao seu serviço exclusivo: Plenários Criminais em Lisboa e no Porto, cadeia do Aljube, Forte de Peniche, PIDE na Rua do Heroísmo no Porto, Angra do Heroísmo, Campos de Concentração no Tarrafal em Cabo Verde, São Nicolau em Angola e Machava em Moçambique.

Se é certo que, no nosso país, os presos políticos sempre tiveram a solidariedade, moral e material, de quantos, em liberdade, se sentiam irmanados na mesma luta, não é menos verdade que só com a constituição da CNSPP – e das Comissões Regionais particularmente ativas no Porto e em Coimbra – foi possível sistematizar e organizar eficazmente essa solidariedade, nomeadamente através de advogados de defesa, de apoio financeiro aos familiares e, até, da organização de colónias de férias para filhos de presos políticos, em 1972 e 1973, nas Caldas da Rainha e na praia do Baleal. Além, obviamente, da divulgação, junto da opinião pública, nacional e internacional, da atividade repressiva do Estado, quer essa repressão ocorresse em Portugal ou nas Colónias, então agravada com a Guerra Colonial.

Essa denúncia pública da violação dos direitos e das liberdades dos cidadãos, especialmente no que respeita à sua forma extrema – a prisão, a tortura, a humilhante sujeição a leis iníquas, à polícia política e aos tribunais plenários –, denúncia feita com base numa informação isenta, factual, objetiva e indesmentível, bem como a angariação de meios materiais de auxílio aos presos e aos seus familiares, só foram possíveis com a vasta colaboração de mulheres e homens que, um pouco por todo o país e no estrangeiro, corresponderam ao apelo da CNSPP, sendo de sublinhar as significativas contribuições de fundos recolhidas nas comunidades de portugueses expatriados, pelo exílio político, pela recusa da Guerra Colonial ou pela emigração por razões económicas.

A atividade cívica, humanitária e política da CNSPP foi reconhecida pela Assembleia da República, com a atribuição do Prémio Direitos Humanos de 2010 a dois dos seus membros, em sua representação, numa cerimónia na sede do Parlamento e com a reedição das 23 circulares informativas, publicadas entre 1970 e 1974, memória fiel de um tempo de ignomínia de que nos libertámos em Abril de 1974.

Na passagem dos 50 anos sobre a data do arranque dessa singular aventura de resistência à Ditadura, é justo lembrar os que nela participaram, invocando, por todos, a figura exemplar do Professor Henrique de Barros, o egrégio cidadão que iria ser, “com total isenção, com imparcialidade sem falhas, sem nenhum espírito partidário”, o Presidente da Assembleia Constituinte que nos legou a Constituição da República de 1976.