Covid-19 e o Estado Social

A pandemia Covid-19 está a provocar um profundo impacto, cujas ondas de choque e as diversas consequências estamos longe de poder avaliar em toda a sua dimensão.

E, por muito complexas que sejam as implicações do fenómeno, de magnitude mundial, e profundas as suas marcas, o respeito por aqueles que perderam a vida e por todos aqueles que, em primeira linha, estão no combate à doença, obriga-nos a evidenciar algumas certezas que, por linhas travessas, esta experiência dolorosa se encarregou de mostrar com toda a evidência.

Por força da pandemia, caem por terra as teses neoliberais e a exacerbada ideologia do Estado Mínimo que, ao longo de décadas, tantos danos causaram, em especial, no nosso País, na ilusória pretensão de que o Mercado resolve todos os problemas de funcionamento da sociedade.

A resposta convincente a esta crise, como aliás a resposta a outras ameaças à humanidade, passa pelo reforço do “Estado Social” e pela intervenção dos poderes públicos na direção estratégica da economia. De facto, as dramáticas consequências económicas e sociais da pandemia teriam expressão ainda mais aguda não fora a resposta eficaz do Serviço Nacional de Saúde, apesar de debilitado por décadas de políticas neoliberais ou, noutro plano, a existência de um sistema de Segurança Social consistente, com matriz, natureza e funcionamento de serviço públicos.

O que seria de nós, os portugueses, se, nesta emergência colectiva, o Serviço Nacional de Saúde tivesse baqueado perante a avidez do lucro privado, ou se o País tivesse optado pela “privatização” total ou parcial da Segurança Social, como os apóstolos “menos Estado, melhor Estado”, avidamente desejam e insistentemente proclamam.

Veja-se, por exemplo, a tragédia que grassa nos EUA, onde o alastramento incontrolado do coronavírus é, sobretudo, devido ao facto de as pessoas contaminadas não poderem procurar cuidados médicos, em virtude da inexistência de um sistema de saúde público e aos elevados custos do sistema privado de saúde.

Conforme a própria imprensa norte-americana tem mencionado, mais de 18 milhões de americanos não detêm seguro de saúde, estando assim completamente desprotegidos de cuidados médicos e aqueles que têm seguro deixaram de poder mantê-lo, pelo seu elevado custo e pelo descalabro económico, que está a atirar milhares de norte-americanos para a indigência extrema.

Com esta pandemia, tornou-se mais claro o enorme prejuízo que os responsáveis políticos de grandes países (EUA e Brasil), causam às populações, em atitudes anti-democráticas, que, desprezando a saúde pública, valorizam os monopólios capitalistas sem escrúpulos.

E não deixa de ser irónico que os paladinos do Estado Mínimo, perante a depressão económica em que somos mergulhados, estejam a perfilar-se em vista a capturarem os meios financeiros que o Estado está a lançar na economia, e que deverão servir para o relançamento da actividade produtiva de que beneficie toda a sociedade.

Nada que surpreenda na nossa elite empresarial, que se encosta ao Estado nos momentos de aflição e vitupera o mesmo Estado, quando melhor lhe convém. Tudo isto representa, afinal, o propósito de levar a cabo uma monumental transferência directa e indirecta de dinheiros públicos para as empresas e os empresários, em detrimento do necessário reforço de investimento público, atirando para os ombros dos cidadãos, no próximo futuro, o peso dos encargos do sobre-endividamento do País.