Defender a Saúde. Dignificar o Trabalho. Avançar na Igualdade.

Há lutas seculares. É o caso da igualdade entre mulheres e homens.

Esta não é uma luta só de mulheres; a existência de causas comuns a todas as mulheres não significa que todas as mulheres se identifiquem com as mesmas causas e muito menos, esta é uma luta que oponha mulheres e homens; as condições socioeconómicas definem o papel e o lugar de cada um e de cada uma na sociedade.

O acesso das mulheres a cargos de decisão – que não pode ser discriminatório – poderá alterar o estilo da gestão, mas não garante a alteração da natureza da exploração, que é como quem diz, não é pelo facto de Américo Amorim, o homem mais rico de Portugal ter deixado o lugar na administração para a sua filha, Paula Amorim, que as operárias corticeiras deixaram de ser discriminadas e exploradas.

As mulheres trabalhadoras confrontam-se com a igualdade conquistada e consagrada na Constituição e na lei, mas não efectivada no trabalho e na vida.

Estes tempos de luta contra a pandemia e pela defesa da saúde também têm de ser tempos de evolução e progresso e não de regressão social e laboral, num país com mortes a mais e nascimentos a menos.

Há factores sociológicos que explicam a redução da natalidade e da fecundidade – ou o seu adiamento – ao longo do tempo, entre as quais, as alterações nas expectativas de vida das mulheres e um maior controlo da fecundidade por via do planeamento familiar, que correspondem a ganhos civilizacionais.

Mas há também condições económicas e sociais que dificultam ou impedem mesmo a realização da maternidade e da paternidade desejada e que não podem deixar de ter resposta por parte do Governo e das entidades patronais.

O desemprego, a precariedade, os baixos salários, os longos horários de trabalho e a sua desregulação, a pobreza, os elevados custos da habitação, são factores que dificultam ou impedem os portugueses de terem filhos ou o número de filhos desejado.

A estes podemos juntar a dificuldade de exercer direitos de parentalidade, a falta de equipamentos sociais de apoio à infância, os custos com a educação, a saúde, os transportes, a cultura e os tempos livres.

Estas dificuldades colocam-se a todos os trabalhadores, e em particular aos jovens.

A solução para aumentar a natalidade e reverter o declínio demográfico não está, como alguns querem fazer crer, no alargamento dos horários de funcionamento das estruturas de acolhimento de crianças ou no aumento da imigração.

O que é necessário são políticas que combatam o desemprego e a precariedade, fomentem a criação de mais e melhor emprego, horários de trabalho humanizados, aumento dos salários e das prestações sociais, melhores serviços públicos, habitação condigna e a preços comportáveis.

A forte participação das mulheres no mercado de trabalho é uma característica distintiva de Portugal no contexto europeu e não se reflecte apenas na taxa de emprego, mas igualmente no número de horas trabalhadas (proporção do emprego que corresponde a trabalho a tempo completo) ou ainda no número de mulheres que trabalham tendo filhos pequenos.

Esta especificidade é mais próxima dos países nórdicos do que daquela que é registada nos países da Europa do Sul com os quais Portugal é frequentemente comparado[1].

Recentemente, no período mais intenso da crise económica e da troika, foram os homens que mais sofreram o embate da crise no mercado de trabalho e no pós-crise as taxas de emprego de homens e mulheres convergiram e tornaram-se relativamente próximas.

Como se refere no Relatório da Organização Internacional do Trabalho – OIT “Trabalho Digno em Portugal 2008/18. Da crise à Recuperação”, “As mulheres são responsáveis por grande parte do aumento da taxa de emprego (…) o aumento do emprego no caso das mulheres em idade activa foi responsável por 90 por cento da subida total do emprego entre 2012 e 2016, tendo assim praticamente reduzido a diferença de género no emprego, muito embora tal não se tenha verificado no caso dos salários”.

As mulheres constituem a maioria dos sindicalizados nos Sindicatos da CGTP-IN e estão em maior número entre os delegados sindicais eleitos nos locais de trabalho.

São uma força activa que se torna evidente nos plenários, nas greves, nas manifestações, nas pequenas e grandes lutas pela valorização e dignificação do trabalho e em tempos de combate à pandemia, nos hospitais, nos lares, nas escolas e creches, nos serviços de atendimento ao público, no comércio, nas limpezas e em muitas indústrias.

São, geralmente, as primeiras a serem despedidas ou a não verem o seu contrato renovado, em especial, as jovens com vínculo precário e as grávidas; a serem colocadas em trabalho domiciliário a que chamam teletrabalho, muitas vezes forçado; a ficarem com a actividade parada e os rendimentos suspensos.

São elas que maioritariamente recebem o salário mínimo nacional e que ganham menos comparativamente com os seus companheiros de trabalho, alimentando o lucro patronal.

Os salários em Portugal não são suficientes para retirarem os trabalhadores da pobreza.

Um em cada dez trabalhadores empobrece a trabalhar.

A subvalorização do trabalho e das competências das mulheres e o seu reflexo na retribuição, que é geralmente mais baixa ao longo da vida, também se reflecte no baixo valor das prestações de protecção social e nas pensões de reforma, com situações, em muitos casos, de grave risco de pobreza e de exclusão social.

A situação actual está a ter consequências mais negativas em Portugal em termos salariais do que noutros países da Europa e particularmente entre as mulheres trabalhadoras, de acordo com o Relatório Mundial sobre Salários 2020/2021, da OIT.

Segundo este relatório, os trabalhadores viram os seus rendimentos do trabalho diminuir após o surgimento da Covid-19, sendo Portugal o país, de entre 28 países europeus estudados, onde ocorreram as maiores perdas salariais entre o 1º e o 2º trimestre de 2020, as quais foram sentidas de forma agravada entre as mulheres trabalhadoras.

Os trabalhadores portugueses perderam, em média, 13,5% dos seus salários no 2º trimestre, acima da perda média de 6,5% dos 28 países, mas a perda das mulheres trabalhadoras foi de 16%, face a 11,4% entre os homens trabalhadores do nosso país e face aos 6,9% verificados, em média, entre as mulheres dos 28 países analisados.

Por outro lado, são as mulheres que, em média, trabalham mais horas, seja nas tarefas profissionais, seja nas tarefas de casa, às quais se junta o tempo gasto em transportes que lhes reduz o descanso e a participação na vida familiar e social, situação agravada pelo crescimento, entre as mulheres, do trabalho em regime de turnos, nocturno e ao fim-de-semana.

Por sua vez, a tentativa de generalização do teletrabalho, com todos os retrocessos que encerra, designadamente na individualização da relação de trabalho, no isolamento social e na saúde mental, vem desenterrar velhas ideias de remeter as mulheres para casa e para o seu duplo papel de cuidadoras, com prejuízos no enquadramento e evolução profissional e na sua própria emancipação.

Quando as situações de intimidação patronal, de violência e de assédio se abatem sobre os trabalhadores, com as mulheres em maior número, são também elas que resistem e não desistem de reclamar os seus direitos e garantias, muitas vezes de forma individualizada mas nunca sozinhas, numa luta que passa a ser de todos e para todos.

E quando os ritmos de trabalho apertam, os movimentos repetitivos se acumulam e as pausas desaparecem, é o momento das doenças profissionais se instalarem, em particular, as lesões músculo-esqueléticas, que afectam maioritariamente as mulheres, logo seguidas das doenças do foro-psíquico derivadas do stress e do assédio laboral.

Segundo a OIT[2] devido a restrições organizacionais, como trabalhos repetitivos, que causam tensão muscular e fadiga, interrupções (cada vez mais frequentes em profissões “femininas”), menos autonomia e menor acesso a formação, as mulheres podem correr o risco de sofrer de doenças profissionais específicas, agudas e crónicas.

O crescimento da economia de plataformas esbateu as fronteiras entre a casa e o trabalho, exercendo pressões psicossociais sobre as mulheres que se esforçam, cada vez mais, por equilibrar as exigências do trabalho com as responsabilidades domésticas, como, por exemplo, cuidar dos filhos.

A crescente participação das mulheres no trabalho digitalizado e nas tecnologias da informação levou a um aumento dos casos de assédio, cyberbullying e trolling online, criando riscos psicossociais para as mulheres e aumentando o stress relacionado com o trabalho.

Estes são alguns dos principais problemas com que se debatem actualmente as mulheres trabalhadoras.

Para todos eles, temos propostas, soluções e resultados positivos já alcançados, pois a igualdade é, mesmo, uma luta de todos os dias!

Que convoca todos, homens e mulheres, a permanecerem na linha da frente desta batalha secular contra a exploração, a opressão e a discriminação.

Pois enquanto as mulheres forem discriminadas, nenhum homem será verdadeiramente livre.

E nós continuamos a lutar por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.[3]

Notas:
[1] Casaca e Damião, 2011.
[2] OIT, 2019 (https://www.dgs.pt/saude-ocupacional/documentos-so/relatorio-oit-abril-2019-pt-pdf.aspx)
[3] Rosa Luxemburgo