Somos todas Maria
Agora que está na moda expressar-se assim a solidariedade, numa identificação tantas vezes, demasiadas vezes, vazia de substância, porque vazia de ação e de luta consequentes, escolhemos esta expressão como título deste editorial em homenagem às Marias que a encheram e enchem de significado porque lutaram e lutam pelos direitos das mulheres e por um lugar de igualdade, que, por mais que sejam as conquistas atingidas, tarda em efetivar-se.
Esta edição da Seara Nova, publicada em março, mês que a 8 assinala o Dia Internacional da Mulher, considerado por alguns já desnecessário, anacrónico mesmo, traz-nos ensaios que demonstram a sua necessidade e atualidade, refletindo sobre o caminho ainda a percorrer.
Para pensar o presente e o futuro, e agir sobre ele, é preciso olhar para o passado e lembrar, como lembram Teresa Beleza, Rita Rato ou Helena Pato, que não foi assim há tanto tempo que no nosso país um artigo da Constituição da República – o 5º – postulava que todos os cidadãos eram iguais perante a lei, «salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família».
O mesmo país onde, por trabalho igual, elas ganhavam menos cerca de quarenta por cento do que os homens, que segundo o Código Civil em vigor até 1975 eram os chefes de família, cabendo a elas o governo doméstico, o planeamento familiar era proibido e o aborto era punido em qualquer circunstância, com pena de prisão de dois a oito anos. Pouca coisa comparada com a sentença de morte a que muitas se arriscavam ao fazer um aborto clandestino por não terem condições para criar mais um filho.
Resquícios desse país perduraram por muito tempo depois da Revolução de Abril de 1974. Arrisco dizer que perduraram até hoje e, se não formos vigilantes e não nos mantivermos firmes na luta, têm campo para ressurgir.
Em 1978, Simone de Beauvoir, autora de O Segundo Sexo, dizia numa entrevista ao Le Monde, que começou a trabalhar com as jovens feministas porque a sua luta não passava por tomar o lugar dos homens, mas por mudar o mundo feito por eles.
Sim, é preciso mudar o mundo e para isso é preciso mudar mentalidades. A coisa não vai lá por decreto. A prova é que 46 anos depois do 25 de Abril de 1974 e de uma Constituição da República que garante que todos são iguais perante a lei, com Pactos, Convenções, Declarações, Plataformas e Planos Nacionais e Internacionais para a Igualdade de Género, as mulheres continuam a não ganhar o mesmo que os homens, a ser vítimas de violência doméstica e de homicídio, a não aceder aos lugares de poder em pé de igualdade com eles, a serem mais vulneráveis ao desemprego e à pobreza e a terem o prato da balança que equilibra casa, trabalho e família muito mais pesado. Isto apesar de já estarem em maioria nas universidades e no mercado de trabalho. É certo que para mudar mentalidades e atitudes é preciso legislar, mas é sobretudo preciso educar. Educar, desde o nascimento, para a igualdade.
Isso depende de todos, dos governos, da sociedade, da escola, dos indivíduos. E também das mulheres. Como me disse uma vez a médica Purificação Araújo, numa entrevista há muito tempo (é extraordinário como o tempo passa e tão pouco muda): «As portas estão abertas, há a igualdade no papel, a mulher tem de a fazer cumprir e enquanto não puser a vassoura na mão do homem, em vez de varrer por ele, nada mudará.»