Vasco Gonçalves, nome de Abril que nasceu em Maio
1. Pediu-me a Seara Nova um artigo sobre Vasco Gonçalves para um número da Revista que celebra o centenário do nascimento deste militar de Abril. Há anos que venho escrevendo sobre este meu Amigo tão especial, pelo que não me é fácil escrever algo de novo. Mas, tratando-se de um pedido da Seara Nova (neste ano em que passa também o centenário do seu nascimento!) e tratando-se de Vasco Gonçalves, não podia dizer que não.[1]
Convidado pela Associação Conquistas da Revolução para integrar a Comissão de Honra da Homenagem que esta Associação decidiu organizar para celebrar o Centenário do nascimento daquele que é a sua referência moral e política, convenci-me de que era meu dever organizar um livro para oferecer ao meu Amigo Vasco Gonçalves, o Companheiro Vasco (Amigo dos trabalhadores portugueses, que o trataram com esta cumplicidade comovente, que só ele mereceu – nenhum dirigente político, nenhum Primeiro-Ministro foi tratado assim, tão carinhosamente, pelo seu povo). E o livro saiu: Vasco Gonçalves – “Essa gente é o que é, eu sou um homem do MFA”, editado em Coimbra pela Editora Lápis de Memórias.
A primeira vez que visitei o General Vasco Gonçalves em sua casa já ele não era Primeiro-Ministro. Bati à porta e perguntei: É aqui que mora o Sr. General Vasco Gonçalves? Vou ver se o Sr. Engenheiro está, foi a resposta da senhora que me atendeu, empregada da casa há muitos anos. O Sr. Engenheiro veio à porta e mandou-me entrar.
A verdade é que este engenheiro reclamava com frequência a sua condição militar e fundava nos valores militares os seus próprios valores, no plano pessoal e no plano político. Vasco Gonçalves nunca fugia ao debate com os seus adversários políticos, mas sempre se recusou a responder aos seus inimigos: Essa gente é o que é; eu sou um homem do MFA. E, como homem do MFA, foi sempre leal ao MFA. Não lhe consentia outra atitude a sua condição de militar e os valores militares, que ele identificava com os valores de Abril. Fica explicada a razão da escolha do título que dei ao livro que acabo de referir.
2. No dia 25 de Abril de 1974 eu estava em Paris a preparar a minha tese de doutoramento (pensava tê-la pronta em finais de 1975; teve de esperar até Julho de 1983. Malhas que o 25 de Abril teceu… Estou muito grato a quem as teceu). Quando, na manhã de 26, ia a sair da Casa de Portugal, na Cidade Universitária, o Director estava no hall e interpelou-me: já sabe o que se passa em Portugal? Venha ver, que a TV francesa está a dar notícias. Pelo que ouvi, concluí que tínhamos corrido com o Marcelo e o seu fascismo de continuidade. Não fiquei muito surpreendido: pouco antes, nas férias da Páscoa, tinha-me chegado (nem já recordo como…) uma cópia de um texto apresentado como um esboço de programa de um movimento militar anti-fascista, que não tinha que ver com a falhada revolta das Caldas…
O Dr. Rosado Dias perguntou-me se eu estava disponível para falar com uns quantos jornalistas franceses que lhe tinham telefonado pedindo ajuda para encontrar estudantes portugueses com quem pudessem conversar. Disse-lhe que sim e lá falei com os vários jornalistas que apareceram pouco depois.
Por mais que eu lhes dissesse que se tratava de um movimento anti-fascista, eles não acreditavam (o golpe de Pinochet estava próximo…) e comentavam sempre: mais ils sont des militaires… Eu acrescentava que eram militares fartos de uma guerra colonial que durava há 13 anos, uma guerra injusta, que não poderia nunca ser ganha. E recordava que não eram oficiais saídos das elites, mas jovens oriundos de famílias pobres e da pequena burguesia, que não queriam servir os grupos monopolistas que sustentavam o fascismo e se sustentavam do fascismo (como aconteceu em todos os países onde o nazi-fascismo imperou).
Não consegui convencê-los: ils sont des militaires…, repetiam eles. Perdi a batalha definitivamente quando acrescentei: a meu ver, a esquerda vai tomar conta da situação, porque o descontentamento popular é muito grande e só a esquerda está organizada (o Partido Comunista, que nunca desertou, e o PS, recém-constituído), não existindo nenhuma organização da chamada direita democrática.
Eu acreditava mesmo que isto iria acontecer. Este diagnóstico, que tanto me entusiasmava, foi também o de importantes sectores da sociedade portuguesa. Só que esta ideia de que a libertação dos portugueses de 48 anos de fascismo poderia abrir as portas à independência das colónias e à construção de uma sociedade socialista tirou o sono a muita gente, que entrou em pânico.
A meu ver, é este pânico que explica muito do que se passou no nosso País depois do 25 de Abril. Aqui radica a ‘guerra’, iniciada na primeira hora de Abril, contra a descolonização (à última hora – já depois da hora! – Spínola exigiu a sua substituição no Programa do MFA pela expressão “lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz”) e a conspiração contra a democracia nascente (que se quis substituir por um novo cesarismo para-fascista e por uma constituição outorgada ao povo pelo novo césar e referendada como a constituição salazarista).
O medo do povo, medo da revolução, medo do socialismo (apresentado como a vontade de ‘salvar’ Portugal da ‘ameaça comunista’) está por detrás de todos os movimentos que (com ou sem apoios externos) visaram a dissolução do MFA e o regresso dos militares aos quartéis, o grande objectivo, desde o 25 de Abril, dos spinolistas, de toda a direita portuguesa e das ‘democracias ocidentais’. Alimentou a campanha para cavar a divisão entre os militares de Abril, entre os homens do MFA (os oficiais da chamada esquerda militar, ditos gonçalvistas, e os oficiais ditos moderados, representados pelo chamado Grupo dos Nove) e para destruir a Aliança Povo-MFA, condição prévia para ‘congelar’ o processo revolucionário a caminho do socialismo e mesmo, como alguns desejavam, para trazer de volta o fascismo ou algo parecido com ele.
Foi esse medo que levou os inimigos da revolução e do socialismo (e, por isso, inimigos de Vasco Gonçalves) a inventar a expressão gonçalvismo, iniciando (cito Jacinto do Prado Coelho) “uma história triste de baixeza e leviandade (…), colocando o irracional ao serviço da política.” Procuravam reduzir o movimento revolucionário a uma espécie de seguidismo messiânico para desvalorizar e depreciar o mais destacado timoneiro do movimento revolucionário no seio do MFA.
Vasco Gonçalves entendeu muito bem o significado da baixa política “O gonçalvismo – escreveu ele – foi inventado para que se pudesse utilizar o anti-gonçalvismo como arma de guerra psicológica, política e ideológica, no sentido de bloquear o processo democrático revolucionário. (…) O que é tenebroso para a burguesia não é o gonçalvismo, mas sim a classe operária e as massas populares em movimento, tomando nas suas mãos o seu próprio destino. (…) Mais tenebroso ainda é o facto de as massas populares se movimentarem em aliança com o MFA.”
O que estava em causa, verdadeiramente, era o combate ao MFA e à Aliança Povo-MFA. Deixando de fora as acções terroristas, o ponto alto desta escalada terá sido atingido no início de 1976, com a decisão (da responsabilidade de Ramalho Eanes, como Chefe do Estado Maior do Exército) de passar compulsivamente à situação de reforma o General Vasco Gonçalves, “por não assegurar o espírito do 25 de Abril.” Esta decisão é como que a certidão de óbito do MFA. O ‘argumento’ invocado para a ‘justificar’ qualifica quem recorreu a ele. Vasco Gonçalves será sempre um nome maior da Revolução de Abril e do Portugal de Abril.
3. Tomei como exemplos desta atitude, na esfera política, Mário Soares; na esfera da sociedade civil, o escritor Vergílio Ferreira; na área militar, o Com. José Gomes Mota, um militar que apareceu ligado ao Grupo dos Nove, e que, em 1976, publicou um livro intitulado Resistência.
- Ainda antes do 25 de Abril, antecipando que “alguma coisa iria acontecer” em Portugal, Soares pediu aos seus amigos socialistas (James Calaghan, Olof Palm e Willy Brandt) que ajudassem o PS, porque o PCP seria apoiado pela União Soviética e havia o perigo de os comunistas tomarem conta do País, alterando a relação de forças na Europa. Segundo ele próprio confessa numa entrevista a Teresa de Sousa, ninguém o levou a sério, alegando que Marcelo estava para durar e que não havia nada a fazer.
Não há dúvida de que a social-democracia europeia se sentia confortável com a evolução na continuidade marcelista, continuando a desprezar o sofrimento do povo português, condenado a sofrer trinta anos suplementares de fascismo depois da derrota do nazi-fascismo em 1945.
O jornalista da RTP António Louçã apurou que os contactos de Mário Soares, já como MNE de Portugal, “na tournée europeia que fez logo no início de Maio/1974, mostram que, desde o primeiro instante, ele reclamou, por detrás dos bastidores, um apoio político, logístico e financeiro com o objectivo de disputar a hegemonia do PCP.”
- Também desejosos, certamente, de livrar Portugal da ameaça comunista, os EUA colocaram como embaixador em Lisboa (Janeiro/1975) Frank Carlucci (logo baptizado como Embaixador da CIA), com provas dadas na defesa da democracia (no Congo ex-belga, quando mataram Patrice Lumumba; no Brasil, na altura do golpe militar, em Março/1964).
Em entrevistas conjuntas que concederam aos jornalistas Mário Crespo e Teresa de Sousa, Carlucci diz que ele e Mário Soares passaram horas a conversar num sótão da residência do Embaixador dos EUA que ele transformou numa sala para reuniões à margem da agenda oficial da Embaixada. Mário Soares atalhou: “mais de uma vez por semana”…, e logo acrescentou, com intenções claras: “e ele jogava ténis com o Otelo Saraiva de Carvalho”… O jornalista Miguel Carvalho fala de “reuniões quase diárias”, e refere que, entre os convivas de Carlucci nesse sótão com vistas para o Tejo estavam também dirigentes do PPD e do CDS e alguns militares ligados ao Grupo dos Nove (Melo Antunes, Vítor Alves e Vasco Lourenço).
Nestas ‘conversas’ participou também, à distância, o próprio Secretário de Estado Kissinger, que fez chegar a Melo Antunes, através da Embaixada, uma mensagem nos termos da qual, se os ‘moderados’ do MFA actuassem “de modo a diminuir a influência dos comunistas”, teriam “o apoio dos EUA”, que poderia “revestir-se de várias formas, tais como ajuda económica.” Miguel Carvalho transcreve a resposta de Melo Antunes a Kissinger (22.7.1975): “Os próximos vinte dias, ou perto disso, vão determinar se Portugal se torna uma ditadura comunista pró-soviética ou opta por um sistema democrático. (…) Eu e os meus colegas, que não são poucos em número, estamos preparados para lutar duramente por uma democracia pluralista. (…) Dêem-nos um mês e vão saber se fomos bem sucedidos.”
Miguel Carvalho cita mesmo uma Nota do Embaixador Carlucci para o seu Governo (29.8.1975), na qual realça a necessidade de manter extremamente privada a comunicação regular com Melo Antunes, salientando, para mostrar serviço: “Tanto quanto sei, somos a única Embaixada com que os Nove estão a comunicar.” E acrescenta: “Foi sugerido a este grupo de oficiais que, se fossem necessários apoios financeiros de outra natureza, os EUA estariam na disposição de os conceder.”
Seguindo a fita do tempo, direi que no dia 7 de Agosto de 1975 veio a público o chamado Documento dos Nove. Hoje sabemos que, antes disso, “os Nove já tinham procedido à substituição das chefias das Regiões Militares por homens da sua confiança.” “Os fins justificavam os meios”, comenta Melo Antunes.[2]
- Na referida entrevista a Teresa de Sousa, Carlucci diz o ‘diplomaticamente correcto’: “nós [a Embaixada dos EUA] tentámos sempre manter-nos de fora das lutas internas entre os militares.” Mas acaba por reconhecer que ‘estudou’ alguns militares e que viu em Ramalho Eanes “um futuro líder”, razão que o levou a sugerir ao Gen. Alexander Haig, Comandante Supremo das forças da NATO, que o convidasse para frequentar um Curso de Formação da NATO. Numa Nota Oficial – citada por Miguel Carvalho – Carlucci diz que a Embaixada americana acreditava que tal Curso tinha tido “um impacto decisivo em Eanes.” Desconheço qual o critério para medir este impacto, mas quem sou eu para duvidar dos critérios afinadíssimos do experiente Carlucci…
Ao que parece, também o MDLP reconheceu em Eanes capacidades de liderança. Fazendo fé em Alpoim Calvão (declarações prestadas em Novembro/2000), “nós [o MDLP] sabíamos que o Ramalho Eanes estava a preparar uma acção militar e ele sabia perfeitamente o que o MDLP fazia. Havia uma certa ligação com o Eanes.” Esta ligação deveria ser de muita proximidade, porque – é ainda Alpoim Calvão quem o diz – Eanes foi contactado para “tomar conta da organização interna do MDLP”, tendo respondido que “já estava comprometido com o Grupo dos Nove.”[3]
Na mesma entrevista a Teresa de Sousa, falando do 11 de Março, Carlucci diz que nada teve que ver com o que se passou. Mas a jornalista recordou-lhe que, por essa altura, os jornais norte-americanos começavam a falar do “modelo chileno” como solução possível para Portugal. Cito Teresa de Sousa: “Carlucci não pôs as mãos no fogo. Mas de uma coisa diz ter a certeza: ninguém lhe pediu a sua opinião sobre isso.” E Mário Soares acrescentou: “O que eu temia, naquela altura, era exactamente o contrário, era um golpe comunista.” Como se vê, tal como antes ainda do 25 de Abril, Mário Soares preocupava-se mais com a ‘ameaça comunista’ do que com o perigo do regresso do fascismo.
O medo do comunismo era tanto que – acrescenta Miguel Carvalho – “Mário Soares, como hoje é público, solicitou inclusive ajuda militar aos seus aliados ocidentais. Esteve em cima da mesa uma invasão de tropas espanholas.”
Certamente tendo em conta esta e outras informações que tinha, Vasco Gonçalves comentou um dia para o seu Amigo João de Freitas Branco: “o que mais me espanta nestes tipos é a falta de patriotismo.”
4. Outro exemplo típico dos efeitos deletérios do medo do comunismo (ou do anti-comunismo) mesmo em pessoas inteligentes, cultas e que se afirmam progressistas é o do escritor Vergílio Ferreira. Acompanhei os comentários que deixou no seu diário Conta Corrente:
- “É um facto que a revolução de Abril foi uma revolução comunista que não ousou dizer o nome, para não assustar.”
- “Os tropas ou são comunistas ou são tontos.”
- “Desfizemo-nos das colónias ao desbarato.”
- Numa nota a seguir ao 11 de Março, não condena os golpistas; mas, talvez assustado com a mudança que então se operou, lamenta-se: “Mas então a Europa assiste impassível ao nosso aniquilamento?” Como quem diz: anuladas as tentativas fascistoides de Spínola para ‘salvar’ a pátria do ‘comunismo’, como é que a Europa (e, certamente, os EUA e a NATO) não manda as suas tropas para ‘libertar’ o ‘bom povo português’ (diria o Salazar) das garras dos comunistas?
- Comentário ao discurso do Presidente Costa Gomes na Sessão Solene de Abertura da Assembleia Constituinte: “Novo rico não afeito ainda à riqueza.” Como se vê, a hostilidade à Revolução de Abril é ostensiva, grosseira e recorrente.
- A propósito de uma simples greve dos empregados de cafés e restaurantes, escreve que “a situação se deteriora dia a dia”; “alastra a anarquia. Não há leis”, é a “confusão política” e a “bandalheira em que isto se transformou.”
- Em 7.7.1975 falava da “economia a pique”, e, em 11 de Julho, acentuava o tom catastrófico de finis patriae: “Profetiza-se aí a fome para dentro de dias.” E acrescenta: “Mas para os PCs e militares, a fome não está no programa? De resto, se não morrerem eles de fome também, que interesse tem isso para a História? É um pormenor sem importância e até talvez com algum pitoresco… Que morra a população, que se lixe. Morre, aliás, no seu lugar, que é o da revolução e o do progresso.”
A OCDE viria a contradizê-lo, reconhecendo que, em finais de 1975, a economia portuguesa estava de boa saúde… Não admira: há comunistas infiltrados por todo o lado…, até na OCDE!
- Em 10.8.1975, anota: “No Norte do País, as sedes do PC foram reduzidas a estilhas. Mortos, alguns. Crise no PC? Possível. Um abrandamento do estalinismo.”
Nem uma palavra deste ‘humanista’ para condenar os actos terroristas da extrema-direita revanchista. Mortos, alguns, diz ele. Estão contabilizados, que eu saiba, pelo menos 13 mortos. Talvez Vergílio Ferreira lamentasse não ser possível limpar os ‘comunistas’ todos, numa espécie de “solução final”. Porque “com os comunistas nenhum jogo democrático é possível (…), só os fascistas os entendem bem.” Como quem diz: volta, Salazar, estás perdoado! Fazes cá muita falta para tratar da ‘saúde’ a estes malvados comunistas, que tu (e só tu) entendeste bem. Perante o Governo da Frente Popular (1936), a grande burguesia francesa proclamou: Plutôt Hitler que le Front Populaire. O medo da revolução socialista em Portugal levou Vergílio Ferreira a escrever: “Eu receio mais Estaline [há muito morto e enterrado!] do que Marcelo Caetano.” Plutôt le fascisme que le comunisme!
- Num outro apontamento, informa que “A Regina (a mulher de VF) encheu a banheira de água, porque a água é que seria o problema.” Esteve em boa companhia: Carlucci confessou ao jornalista Mário Crespo que fez o mesmo, transformando depois o reservatório numa bela piscina.
Perante a ameaça da ‘revolução’, era preciso guardar água, certamente por acreditar que os ‘comunistas’ (eles são capazes de tudo!) poderiam cortar a água a Lisboa ou poderiam mesmo envenená-la… Jogando com o conhecido provérbio espanhol, há gente que acredita em bruxas, mesmo sabendo que elas não existem…
- De cabeça completamente perdida, anota em 19.8.1975: “A guerra civil é hoje visível no horizonte”: “já não se vê solução, ou seja, um termo para tudo isto, que não seja um regresso à ditadura. (…) vai ser difícil corrigir tudo sem a ordem já experimentada e que submeta um povo que não sabe cuidar de si.”
Com aparente serenidade, parece ter como certo que o fascismo vai regressar e anuncia: “só nos resta recolher-nos à nossa cólera silenciosa.” O fascismo sempre teria a vantagem de ser uma ordem já experimentada, com provas dadas como ‘técnica’ para submeter um povo que não sabe cuidar de si. Ele recolher-se-ia à sua cólera silenciosa. O povo que se lixasse!
5. As sociedades não são estanques. E, entre os militares, um exemplo semelhante dos efeitos do medo do comunismo é o do Comandante José Gomes Mota.
- Começa por lamentar a presença do PCP nos Governos provisórios, porque o PCP é, a seu ver, “um partido comunista ortodoxo, a desafiar as práticas de modernização dos partidos comunistas do sul da Europa.” Esqueceu-se de dizer que esses partidos, de tanto se ‘modernizarem’, acabaram por desaparecer (ou quase).
- Ao contrário de Vasco Lourenço, que distingue entre “os capitães de Abril” e “os spinolistas”, Gomes Mota defende que “os gonçalvistas e os copconistas são facções dissidentes do Movimento.”
- Começou cedo a falar da “inútil e desastrosa aventura cripto-comunista” de Vasco Gonçalves e, recorrendo ao insulto torpe, diz estar “firmemente convencido de que Vasco Gonçalves conheceu neste período [verão de 1975] uma grave perturbação mental.”
- Sem honra nem vergonha, escreve que, durante os governos de Vasco Gonçalves, o poder se apoiava em “componentes típicas das organizações de modelo fascista.” E acusa Carlos Almada Contreiras, Luís Macedo e José Gabriel Pereira Pinto de dirigirem uma “nova polícia política”. São ‘acusações’ que qualificam quem as faz. Porque se trata de destacados militares de Abril, de militares distintíssimos, profissionais respeitados e cidadãos impolutos. Os dois primeiros foram condecorados com a Ordem da Liberdade. E, recentemente, por ocasião do falecimento de Luís Macedo, o Plenário da Assembleia da República aprovou, por unanimidade, um voto de pesar proposto pelo seu Presidente.
- Gomes Mota justificou o separatismo da Madeira e dos Açores pelo desencanto com “os frutos do processo revolucionário”, que os levava a não quererem “embarcar no tresloucado comboio da revolução em Portugal.” Nem uma palavra sobre os actos terroristas dos desencantados separatistas… Nem uma palavra sobre a integridade da Pátria. Apetece, realmente, dizer, com Vasco Gonçalves: “O que mais espanta nestes tipos é a falta de patriotismo.”
- Justificou o terrorismo da extrema-direita alegando que “o carácter ordeiro e pacífico da gente do norte tinha os seus limites de tolerância” e que as acções terroristas foram uma manifestação “espontânea, descoordenada, irracional” resultante da “situação social, espartilhada por um grotesco regime policial – oficioso e oficial – acorrentada pelo medo e angustiada por uma grande desilusão.”
Como se as 566 acções violentas entre Maio/1975 e Abril/1977 (24 actos de barbárie por mês!) fossem o fruto da acção espontânea da gente do norte. O jornalista Miguel Carvalho mostrou que, por detrás dos terroristas, esteve a CIA (sob o comando de Carlucci) e a hierarquia da Igreja Católica.
- Gomes Mota está entre os que admitiram “o despoletar inevitável da guerra civil.” E está do lado dos que pretendiam a violência e a guerra civil e defenderam ser necessário “reagir pela violência e preparar o País para a guerra”, partilhando certamente o pensamento de Galvão de Melo (então deputado pelo CDS): “entre uma guerra civil e um governo comunista, prefiro a guerra civil.”
Ao contrário, Vasco Gonçalves (e, como ele, os homens do MFA, nomeadamente o Presidente Costa Gomes) fartou-se de dizer publicamente: “Nós [o MFA] não queremos a guerra civil entre os portugueses.”
6. Hoje sabemos (basta ler os livros de Gomes Mota, de Jorge Sarabando, de Miguel Carvalho e de Ribeiro Cardoso) que muito do que aconteceu depois do 25 de Novembro tinha sido preparado ao milímetro, incluindo o controlo dos grandes meios da comunicação social. Há quem diga que houve vários 25 de Novembro. Talvez tenha havido vários planos, nem todos concretizados.
Enquanto se intensificavam as acções terroristas executadas pelas redes da extrema-direita organizadas e apoiadas pelos ‘especialistas’ que Carlucci trouxe com ele do Brasil da ditadura militar, outros movimentos iam acontecendo que prenunciavam uma acção de maior alcance.
A certa altura, frustrada a tentativa do Grupo dos Nove de agregar Otelo Saraiva de Carvalho (Comandante Adjunto do Copcon) e Eurico Corvacho (Comandante da Região Militar Norte), Sousa e Castro foi encarregado de organizar a revolta dos Comandantes das Unidades da RMN contra Corvacho. Este, sentindo-se ofendido na sua honra pelos boatos que circulavam contra ele, requereu ao Conselho da Revolução um inquérito à sua actuação à frente da RMN. Ilibado de todas as ‘acusações’ inventadas a seu respeito, o Conselho da Revolução decidiu (28.5.1975) manter Eurico Corvacho no Comando da Região Militar Norte, mandando apresentar em Lisboa os militares envolvidos nas movimentações que tinham sido desmascaradas. Tal nunca foi cumprido, porque, num gesto claro de insurreição, grande parte dos Comandantes das Unidades da RMN resolveram colocar-se às ordens de Franco Charais (elemento do Grupo dos Nove), Comandante da Região Militar Centro. No início de Setembro, Eurico Corvacho pediu a demissão de Comandante da RMN, tendo sido substituído por Pires Veloso (12.9.1975).[4]
Mais ou menos por esta altura, Vasco Gonçalves foi forçado a demitir-se do cargo de Primeiro-Ministro, ao mesmo tempo que alguns oficiais da chamada esquerda militar eram afastados do Conselho da Revolução.
A jornalista Teresa de Sousa escreveu que “o Gen. Lemos Ferreira tinha levado os aviões para o Norte, o Gen. Pires Veloso comandava as forças militares no Norte e o Grupo dos Nove conspirava activamente.” E acrescenta que Carlucci lhe disse que, em caso de necessidade, havia alguns apoios preparados, “sobretudo dos ingleses”: um agente “simpático” do MI6, enviado por Callaghan, estivera em Portugal a ver o que era preciso. Cita Carlucci: “Era preciso combustível para os aviões do Lemos Ferreira e isso eles podiam garantir.” [vejam a linguagem familiar usada por Carlucci: os aviões do Lemos Ferreira…]
“O Gen. Lemos Ferreira tinha levado os aviões para o Norte”, escreve a jornalista. Para o Norte (para a Base Aérea de Cortegaça) vieram também 123 oficiais paraquedistas que abandonaram a sua Unidade em Tancos, juntando-se aos 500 paraquedistas (comandados pelo Coronel Almendra, spinolista de todas as horas) que, chegados de Angola, foram conduzidos directamente para Cortegaça.[5]
Como justificar esta concentração de homens e material no Norte? Quem terá dado estas ordens? Não tenho respostas. Mas, dividido o País ao meio, não me custa admitir que os bons do norte (reforçados com alguns bons do sul) se preparassem para esmagar os maus da comuna de Lisboa. Acredito que alguns dos envolvidos nos acontecimentos não admitissem um cenário de guerra civil, mas talvez houvesse quem o desejasse (ou não o afastasse) e talvez tenhamos estado mais próximo disso do que aquilo que queremos aceitar.
- Nas vésperas do 25 de Novembro, Ramalho Eanes autorizou a entrega de armas a civis ligados ao PS, mas algumas delas foram depois encontradas no automóvel de um bombista preso, que, certamente, não as quereria utilizar para defesa do “regime democrático”.
- No dia 8.10.1975 foi publicado em Suplemento ao Diário do Governo o DL nº 577-A, que veio autorizar a convocação de militares na situação de disponibilidade, invocando, para justificar esta medida excepcional, “a necessidade de, com a máxima urgência, conduzir o País a um clima de paz, disciplina e tranquilidade pública.” Ao abrigo deste diploma, o Regimento de Comandos foi reforçado com duas Companhias suplementares, constituídas por ex-comandos, que começaram a ser recrutados logo a partir do dia 10 de Outubro, porque no referido DL se previa a sua imediata entrada em vigor.
Duvido que o comandante deste Regimento estivesse a pensar em conduzir o País a um clima de paz quando, em directo na TV, disse ao Presidente Costa Gomes que não estava satisfeito, que era preciso ir mais além. Mais além na repressão, mais além na vindicta, buscando sangue, sem descartar, talvez, a guerra civil.
- Pouco antes de 25.11.1975, o ouro do Banco de Portugal foi transferido clandestinamente para o Porto. E foi preparada a transferência para o Porto da sede do Governo e da Assembleia Constituinte, que seria convertida em Assembleia Legislativa, tendo sido mesmo elaborado um projecto de lei (com aprovação garantida) que lhe conferia poderes para extinguir o Conselho da Revolução.
Paralelamente, PS, PPD e CDS transferiram para o Porto, sob a protecção de Pires Veloso, as suas direcções e deputados. O próprio Mário Soares foi para o Porto na noite do dia 25 de Novembro. Costa Gomes considerou esta atitude “simplesmente ridícula (…), uma fraqueza inexplicavelmente assumida, com base em boatos fantasistas”: “Fugir do local onde havia actividade revolucionária para um sítio dito de paz – e de paz podre – à ‘sombra’ do MDLP, sinceramente, nunca o compreendi.”
- Melo Antunes diria mais tarde que, por ocasião do 25 de Novembro, Mário Soares e o PS aliaram-se com o que de pior havia nas Forças Armadas, fazendo do ELP e do MDLP os aliados militares preferenciais do PS. Talvez Alpoim Calvão (que não me inspira nenhuma confiança política, mas talvez tivesse muita informação) tenha razão quando diz que “o MDLP resultou de um pedido de ajuda do PS aos spinolistas, a seguir ao 28 de Setembro, para que se criassem na área militar, uma força que se impusesse ao PCP.”[6]
Mais recentemente (Novembro/2020), Vasco Lourenço reconheceu que “atrás do Grupo dos Nove estava acobertada toda a direita e a extrema-direita” e que o grupo militar que trabalhava em ligação directa com ele [desconheço de que grupo militar se tratava] “tinha outras ligações que não ao Grupo dos Nove”, não escondendo que “o grupo saudosista do 24 de Abril, que se acobertou atrás do Grupo dos Nove, queria sangue, muito sangue.”[7]
E nós sabemos que, entre os militares, o grande amigo de Mário Soares foi sempre António de Spínola, que conspirou contra o 25 de Abril na própria noite do 25 de Abril (em reunião da JSN, impôs uma alteração do Programa do MFA, que tinha aprovado), conspirou no golpe Palma Carlos, no 28 de Setembro, no 11 de Março, no 25 de Novembro. Eleito Presidente da República, Mário Soares escolheu para Chefe da sua Casa Militar um spinolista ‘radical’, que um dia justificou nestes termos as acções terroristas levadas a cabo pelos grupos de extrema-direita: “A actuação do MDLP contra o gonçalvismo marxista-leninista foi absolutamente necessária e foi aquela componente que, semeando a insegurança entre as hostes filo-comunistas que dominavam o nosso país, preparou o terreno para uma actuação política posterior que acabou por derrubar Vasco Gonçalves, actuação em que também o Dr. Mário Soares teve um papel preponderante, levando atrás de si elementos de todas as formações partidárias verdadeiramente democráticas.”[8]
Enquanto Presidente da República, Mário Soares organizou em Belém uma cerimónia para lhe entregar o bastão de Marechal, mas não fez o mesmo com Costa Gomes (a quem a democracia portuguesa muito deve), que o recebeu em cerimónia no Pavilhão Carlos Lopes organizada pela Associação 25 de Abril.
7. Um pinochetazzo talvez tenha estado mais perto de nos cair em cima do que aquilo que nós pensávamos na altura e talvez pensemos ainda hoje. No entanto, o 25 de Novembro, apesar dos muitos estragos que provocou, não foi tão longe como muita gente queria.[9]
Vasco Gonçalves reconheceu, a este respeito, a importância da acção do Presidente Costa Gomes: os planos da direita fracassaram “porque Costa Gomes chamou a si a dependência de todas as unidades militares do País.” Mas entende também que a derrota da extrema-direita e dos seus aliados se deveu igualmente ao facto de “a esquerda militar, o Partido Comunista e as forças progressistas não se terem deixado envolver na provocação.” Costa Gomes tem uma posição idêntica, nomeadamente quanto ao papel do Partido Comunista.
Por mim, creio que várias razões concorreram nesse sentido. Considero decisiva a acção serena mas firme de Costa Gomes, facilitada pelo seu prestígio como militar. Mas valorizo igualmente a atitude do PCP que, em diálogo directo com o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, contribuiu para que se criasse o clima de confiança indispensável à boa gestão dos acontecimentos.
Creio, porém, que foi particularmente importante a acção das massas populares, que saíram à rua para defender as conquistas da revolução, escrevendo, desse modo, a letras fortes, a Constituição que os deputados constituintes aprovaram e que o Presidente Costa Gomes fez questão de promulgar imediatamente, logo que consumada a sua aprovação no Plenário da Assembleia Constituinte.
Relevante foi também, na minha opinião, a acção das estruturas do MFA, porque os homens do MFA mantiveram-se fiéis aos seus propósitos de sempre: fazer uma revolução como a que veio a concretizar-se, a Revolução dos Cravos, sem sangue e, sobretudo, sem guerra civil.
Creio que terá sido em nome do espírito do MFA (não queremos a guerra civil entre os portugueses) que Melo Antunes (talvez, digo eu, representando também o sentimento e a vontade dos seus camaradas do Grupo dos Nove) foi à RTP dizer que o PCP era um partido indispensável à preservação e à consolidação da democracia no nosso País.
8. No Prefácio do livro que referi no início deste texto, acabei por escrever mais do que tinha planeado e por abordar questões que não tinha pensado abordar. Mas as palavras são como as cerejas, uma puxa a outra, e, por vezes, como acontece nos romances, ganham vida própria e impõem a sua vontade ao próprio autor.
Quero deixar claro que aquilo que venho escrevendo sobre esta problemática, muitas vezes em textos que visam homenagear Vasco Gonçalves, não visa avivar feridas antigas e muito menos acentuar divisões entre os que continuam a rever-se nos ideais de Abril e continuam a acreditar que, apesar das muitas portas que Abril abriu, há ainda muitas portas (e alguns portões!) que é necessário abrir para que Abril se cumpra plenamente. E elas só se abrirão se todos puxarmos para o mesmo lado.
Como Vasco Gonçalves, gosto de dizer que “esta cara não se esconde, não muda, não renuncia. É a minha cara.” Escrevo sabendo que é a mim que os leitores pedirão contas. Pois bem. O livro que agora publiquei e o demais que venho escrevendo (incluindo este artigo) pretende ser (grande vaidade minha!) mais um pretexto para uma conversa entre Amigos. E eu acredito que, entre Amigos, só vale a pena conversar se cada um disser, com toda a transparência, a sua verdade. Só assim é possível a todos e a cada um confrontar a sua verdade com a verdade de outros, única forma de todos poderem assumir as suas responsabilidades perante a História e reforçar a solidariedade indispensável para as lutas do presente.
9. O que digo no livro e o que digo aqui ajuda a perceber as razões dos ataques que os seus inimigos moveram contra Vasco Gonçalves. Odiaram-no porque tiveram medo dele. Tiveram medo dele porque ele acreditou “numa via pacífica e pluralista para a democracia e o socialismo, garantida pelas Forças Armadas”; porque transmitia aos que o ouviam a confiança em que tal era possível; porque, como o poeta, acreditou que o sonho comanda a vida.
A expressão gonçalvismo, criada pelos inimigos de Vasco Gonçalves para tentarem ‘assassiná-lo’ moralmente, é filha desse medo. Inventada para ser usada depreciativamente contra ele e contra as políticas que ele representava, acabou por se transformar numa homenagem a Vasco Gonçalves. Em 1977, ele próprio descodificou esta campanha: “Hoje em dia, falar de gonçalvismo é identificar o gonçalvismo com as conquistas da revolução”; “hoje em dia, a luta contra o gonçalvismo é, na realidade, uma luta contra a Constituição.”
Verdade de ontem, verdade de hoje. A CRP recorda-lhes a Revolução e as conquistas da Revolução. E Vasco Gonçalves continua a ser para eles, ainda que o neguem mil vezes, o rosto e o símbolo da Revolução de Abril e da Aliança Povo-MFA. Pela via do silêncio, tentam em vão retirá-lo do retrato da História. Mas ele continua lá, por direito próprio!
Cabe-nos cumprir a mensagem que nos legou: “O futuro com que sonhei não é cada vez mais saudade, é, sim, cada vez mais, necessidade imperiosa. Assim o povo o compreenda.”
Notas: [1] O texto que segue reproduz, em boa parte, os apontamentos em me tenho apoiado para intervir em várias sessões de apresentação do livro referido no texto, que são outras tantas sessões de Homenagem a Vasco Gonçalves. Peço aos leitores que vejam nele apenas mais um gesto de amizade e de gratidão para com alguém de quem tive o privilégio de ser amigo e que me honrou com a sua amizade. [2] Citação que colhi na entrevista do Coronel Castro Carneiro ao jornal on line Etc e Tal, 1.12.2020. [3] Citação colhida na referida entrevista do Coronel Castro Carneiro. [4] Colhi estas informações na entrevista já citada do Coronel Castro Carneiro ao jornal Etc e Tal. Aqui vi também citada uma declaração ao Expresso do General Tomé Pinto, confessando que o 25 de Novembro começou a ser planeado [por quem, pergunto eu?] logo a seguir ao 11 de Março. [5] Informação colhida no texto lido pelo Coronel Castro Carneiro na sessão em Matosinhos que refiro atrás. Castro Carneiro cita Melo Antunes: “a saída dos 123 oficiais de Tancos” e “a destruição do emissor da Rádio Renascença na Buraca (…) por um grupo de pára-quedistas ligado ao AMI [“Agrupamento Militar de Intervenção, entretanto constituído para apoiar as forças moderadas”] (…) “foram acontecimentos considerados como as causas próximas do 25 de Novembro; não foram, porém, planeados pelo Grupo dos Nove.” A decisão de fazer explodir o emissor da Rádio Renascença é da responsabilidade do governo de Pinheiro de Azevedo, que a justificou alegando que a sede da RR em Lisboa estava infestada de esquerdistas. A saída de Tancos dos referidos oficiais é um acto de insubordinação. Resta saber quem o tolerou ou ordenou, porque, segundo Melo Antunes, estas acções não faziam parte do plano elaborado pelo Grupo dos Nove. [6] Citação colhida na entrevista do Coronel Castro Carneiro ao jornal Etc e Tal. [7] Citação colhida na entrevista do Coronel Castro Carneiro ao jornal Etc e Tal. [8] Citação extraída do texto lido pelo Coronel Castro Carneiro na sessão de homenagem a Vasco Gonçalves realizada no Salão Nobre da Câmara Municipal de Matosinhos no dia 24 de Abril de 2021. [9] Carlos Azeredo fala do MDLP e esquece o ELP, uma organização criminosa criada por Barbieri Cardoso, um dos dirigentes de topo da Pide, que se propunha “libertar Portugal do marxismo através do uso do assassínio político, do terrorismo dirigido, da sabotagem e da guerra psicológica.” Mas Alpoim Calvão (um spinolista de extrema-direita, ligado ao MDLP) diz que o ELP conhecia perfeitamente as intenções dos spinolistas, com quem tinha contactos, esclarecendo Alpoim Calvão que “o ELP se propunha finalidades e formas de actuação com que não concordávamos. Só nos unia o anticomunismo, factor importante, mas não suficiente.” Mas foi suficientemente longe para destruir a carreira e a vida a muitos militares de Abril. Melo Antunes (citado por Castro Carneiro) diz que a fúria revanchista não poupou sequer os elementos do Grupo dos Nove, teoricamente considerados os ‘vencedores’ do 25 de Novembro: “todos os oficiais ligados ao Grupo dos Nove foram ostracizados e essa foi a maior responsabilidade de Eanes.” Mas logo acrescenta que “a culpa não é só de Eanes, é também do PS”, porque Mário Soares e o PS, que “já se tinham aliado a Spínola e voltaram a fazê-lo”, “aliaram-se depois ao que de pior havia nas FA.”
António Avelãs Nunes
(1939)
Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Direito de Coimbra