TAGORE E O NACIONALISMO
Nacionalista e ao mesmo tempo universalista é seu um nacionalismo positivo, racional, construtivo e não excludente, aberto a outras culturas. Sempre esteve a favor do progresso cultural e social do seu povo de Bengala. Defendeu decididamente o seu idioma próprio e a sua formosa língua materna, escrevendo quase toda a sua obra no belo idioma chamado Bangla (que é como se denomina a língua bengali, idioma que sei). Promoveu em todos os momentos, de forma acertada, o uso do Bangla no ensino e na escola da sua Terra, incluindo naturalmente as suas instituições educativas. Existem formosos artigos seus nos quais defende o uso pedagógico do seu idioma nas escolas de Bengala, seguindo as teses dos grandes educadores do mundo em relação a este tema. Tal como manifesta na sua imensa obra literária, teve sempre um grande amor pela beleza natural de Bengala e pela sua riqueza. Foi realmente um nacionalista bengali, sem dúvida nenhuma. O que não o impediu, em caso algum, de ser também um extraordinário humanista e universalista. Dizia sempre que o mundo era uma unidade na diversidade. Em muitos escritos seus aparece a formosa ideia da Unidade, não entendida como uniformidade, e da Diversidade, do Uno e do Diverso, defendendo que ambos podem e devem conviver em harmonia.
Rabindranath é para mim, e para muitos tagoreanos de todo o mundo, um bengali universal, e a figura cultural mais importante da história mundial. Sempre esteve a favor da paz e da irmandade entre todos os povos do mundo. Presidiu aos mais importantes comités a favor da paz entre os povos, criados e sediados em Genebra (Suíça). Manteve sempre um grande amor e respeito por todos os idiomas do mundo (mesmo hoje na sua universidade de Visva-Bharoti, se podem estudar muitos, menos, infelizmente, o meu, o português e o castelhano). Teve igual respeito por todas as culturas, todas as etnias, todas as religiões e todas as ideias, excepto as que atentam contra a vida. Em todo o momento e lugar expressava a grande importância do relacionamento entre Oriente e Ocidente e todos os seus povos e países. Tagore promoveu em todos os momentos o diálogo intercultural. Muitas opiniões de Tagore sobre educação, o diálogo entre culturas e o nacionalismo têm ainda uma validade intelectual enorme, e algumas das suas ideias atraíram e influenciaram muitos pensadores contemporâneos, tanto na Índia como noutros países.
Na pós-modernidade em que vivemos, no meio da violência e do fanatismo do mundo contemporâneo, é urgente que nos aproximemos o mais possível à filosofia de paz, irmandade e harmonia proposta por Rabindranath. Grande devoto da paz, Tagore denunciou em todas as circunstâncias o nacionalismo identificado como imperialismo, e, portanto, excludente e violento. Tentou incutir nos seres humanos a consciência da existência das muitas coisas que os unem. Não tinha nenhuma fórmula mágica para salvar a humanidade, acreditava pouco nas ideologias partidárias e separadoras, mas sempre se dedicou a destacar alguns princípios básicos que os filósofos proclamaram através da história, e que muitos seres humanos fazem mal em ignorar.
Para Tagore, o homem desde o ponto de vista intelectual não pode ser completamente apolítico, pois ele deve ter um pensamento político que garanta o acesso direto a todas as culturas, por meio da compreensão das mesmas. O tema do diálogo intercultural preocupou-o durante toda a sua vida, o que está bem patente na sua expressão “Unidade na diversidade”, que utilizou amiúde nos seus ensaios, conferências e depoimentos. Sempre se opôs à uniformidade e a contrastou com o ideal de unidade. A verdadeira unidade, pensava ele, só era possível celebrando a diversidade por meio do diálogo entre diferentes culturas. O seu ideal era a procura da harmonia acima dos imperativos da modernidade, como forma de as culturas se relacionarem entre si e lograr-se deste modo a unidade na diversidade.
Tagore pensava sem dúvida numa cultura universal em que as grandes mentes de cada nação estariam à disposição de todo o mundo. Em vista a isso, teve sempre uma perspetiva fundamental e constante, em todas as suas viagens pelo seu país e para lá das suas fronteiras. Os conhecimentos e as amizades que fez durante as suas viagens a Oriente e Ocidente ampliaram as suas simpatias humanistas, que já eram suficientemente amplas, e intensificaram a sua compreensão dos impulsos intelectuais e espirituais que tinham empurrado as grandes mentes orientais e ocidentais para alcançar os maiores objetivos. A partir de então, Tagore foi, mais que indiano, cidadão do mundo ou, melhor dito, um indiano-bengali cosmopolita, porque pertencia ao espaço cultural indiano sem implicar-se na ideia de um território concreto delimitado por umas fronteiras.
Situado entre a Ásia e Europa, não aceitando a ideia dum confronto entre ambos continentes, Robindronath ampliou o significado e a importância pragmática do diálogo crítico intercultural como nenhuma outra pessoa o fez antes dele. Ao estender a sua visão da civilização mais além do mero particularismo, outorgou um valor supremo à ideia de um mundo integral. Um mundo integral que seria como uma família na qual os seus membros, as distintas nações, contribuíssem, cada um, com a parte que lhe correspondesse, para o bem-estar de todos. Tudo na procura de lograr uma nova solidariedade humana num mundo plural onde, eliminando os interesses nacionais egoístas e os preconceitos étnicos e raciais, dentro de um diálogo intercultural, pudessem assentar e florescer as bases tagoreanas de respeito e irmandade entre todos os seres do planeta.
Do meu ponto de vista, existem dois maravilhosos exemplos para demonstrar o que antes afirmei, ao dizer que Tagore é um vivo exemplo de como se podem harmonizar nacionalismo e universalismo ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, o seu diáfano nacionalismo, com um grande amor à sua Bengala, demonstra-se clara e de forma diáfana nas formosas palavras do seu poema-canção “Amar Sonar Bangla” (“A minha Bengala de Ouro”), que hoje é o hino do Bangladesh. Também no labor que desenvolveu com os moradores nas terras da família nos povos bengaleses, e na criação da escola nova de Santiniketon, a quinta de Sriniketon (com as suas escolas agrárias e artesanais) e a escola rural Siksha-Sotro.
Em segundo lugar, o seu universalismo está patente no seu poema canção “Jono Gono Mono” (“O Espírito de todo o Povo”), que hoje é o lindo hino nacional da Índia. Nele, com formosos versos, demonstra o seu amor pela Índia e por todos os seus povos e terras, as suas culturas, os seus idiomas e as suas religiões. Outra vez a sua ideia de “Unidade na Diversidade” aparece neste belo canto. Devemos ter presente que, de uma certa maneira, a Índia é um mundo em ponto pequeno, pois nele se encerra toda a diversidade do nosso planeta. O seu universalismo demonstra-se também com a criação da universidade internacional de Visva-Bharoti (que significa “Sabedoria Universal”), inaugurada oficialmente em 1921, e com os postulados da mesma ao ser criada. Coordenado por Humayun Kobir, o primeiro ministro da educação e cultura da Índia após a independência, publicou-se um excelente livro com os artigos mais importantes de Tagore, sob o título Para o homem universal (Towards Universal Man), que também mostra claramente que Rabindranath foi um grande humanista e um universalista convicto. O livro tem também um amplo estudo inicial da autoria de Kobir, com que concordo plenamente, que mostra de que maneira este excelente político entendeu perfeitamente o pensamento tagoreano. Igualmente o meu amigo italiano Marino Rigon, falecido em outubro de 2017, que morou em Shelabunia-Mongla Port (Bangladesh) e o considero como o maior tagoreano que houve no mundo, publicou em 1985 um livro muito interessante em italiano sob o significativo título Universalismo di Tagore. Rigon traduziu desde o Bangla ao italiano mais de vinte livros de Tagore, dos quais alguns só existem traduzidos no lindo idioma de Itália. Rigon passou a morar no Bangladesh em 1953 e durante 64 anos realizou um labor social, cultural e educativo tão importante, que todo o país e seu governo lhe renderam numerosas homenagens ao largo dos tempos.
Contra os Nacionalismos imperialistas:
Sob o título de Nationalism, Tagore publicou um livro em 1917, no qual se recolhem vários dos seus ensaios, que antes foram conferências pronunciadas em Inglaterra e EUA. Com título tão evidente e sugestivo, critica duramente os nacionalismos imperialistas e totalitários da Europa, EUA e Japão. Através da leitura do mesmo ficam claras as ideias que Tagore teve sobre os nacionalismos negativos e violentos, por serem sectários, racistas e imperialistas, que desprezam outros povos e que consideram que o seu país é único, diferente, superior e os seus cidadãos mais inteligentes e de mente superior, e que a sua raça é a melhor. Exploram, com o uso da força e das armas, as riquezas e matérias-primas de outros povos, e por meio de guerras e invasões, usando a violência, impõem-se a outros países. Praticam o colonialismo, muitas vezes selvagem, roubando as riquezas de outras terras para benefício próprio, impondo às novas gerações a sua educação e os seus idiomas. Desprezam os idiomas diferentes do seu, tentando que desapareçam. Provocam guerras para subjugarem outros povos e apoderarem-se das suas riquezas e, manipulando as elites dos mesmos, instalam governos títeres.
Para Tagore, entre os nacionalismos negativos, separadores, colonizadores, totalitários e imperialistas, estavam, naquela altura, os do Japão, EUA, o nazismo da Alemanha, o fascismo de Itália e o imperialismo britânico, que tinha a Índia como joia da coroa. Sempre foi muito crítico para o colonialismo britânico no seu país, e para a triste atuação de muitos dos seus dirigentes, embora fossem individualidades britânicas com dignidade os seus melhores colaboradores em Santiniketon e Sriniketon. Depois da famosa matança indiscriminada realizada contra indianos indefesos na cidade de Amritsar em 1919, escreveu um importante e famoso depoimento devolvendo ao governo britânico o título de honra como “Sir” que lhe tinham concedido no seu dia.
Em 1931, no “Hindu Muslim Communal” têm lugar violentos confrontos, e Rabindranath num seu artigo no jornal Probasi escreve com tristeza contra o fatal confronto fratricida que nesse momento teve lugar no seu país entre muçulmanos e hinduístas. Rabindranath está muito desgostoso pelos acontecimentos que estão a suceder durante os anos de luita pela independência, opondo-se de forma clara à violência que está a acontecer. A 15 de julho de 1936 preside na “Town Hall” de Calcutá ao comício de protesto contra a injustiça da marginalização dos hinduístas bengalis dentro da “Communal Award” (Sentença Comunal). Esta foi a última vez que Rabindranath participou numa atividade política.
Nos últimos quatro anos antes de falecer, a sua vida e a sua saúde sofrem uma grande deterioração com necessidades médicas continuadas, e retira-se para a sua amada Santiniketon. Sem embargo, a 14 de abril de 1941, com o início do novo ano bengali, escreve em Santiniketon um formoso ensaio sob o título de “Sabhyatar Sonkot” (Crise da civilização), que antes foi conferência. Este depoimento passou a ser como o seu testamento sócio-político. No mesmo aparece a sua menção à Segunda República espanhola, criticando duramente o “lavar das mãos” dos britânicos, deixando que se concretizasse a sua queda e, em consequência, se desse a entrada do fascismo com a subida ao poder do ditador Franco. Dos britânicos só louvou os participantes nas Brigadas Internacionais que acudiram e apoiaram o governo legítimo republicano. Para ele foram estas pessoas as únicas que salvaram a dignidade do Reino Unido com a sua intervenção na Guerra Civil espanhola. Do mais, neste depoimento, mostra o seu grande desencanto e frustração pela marcha do mundo naquele momento, considerando que a fonte dos conflitos está na falta de ética e moral dos nacionalismos totalitários, que, diante de seus desejos materialistas, não respeitam os direitos e a integridade dos seres humanos.