SAÚDE EM DEMOCRACIA EM PORTUGAL

Conceito de Saúde

Desde a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1948, o conceito de saúde tem evoluído. Cada vez mais a saúde é vista como um continuum dinâmico que envolve não só a capacidade humana de adaptação, mas também a capacidade de ter e lutar por um projeto de vida, numa abordagem salutogénica. Em 1974, o Relatório Lalonde, no Canadá, considera saúde e doença como o resultado da interação entre fatores genéticos e biológicos, ambiente físico e social, escolaridade e competências pessoais, comportamentos individuais e qualidade dos serviços de saúde.

Em 1978, nas vésperas da constituição do Serviço Nacional de Saúde (SNS) português, teve lugar a Conferência Internacional dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), promovida pela OMS e pela UNICEF em Alma-Ata, de onde saiu a histórica Declaração de Alma-Ata visando a “Saúde para todos no ano 2000”. Nela se reconhecem o direito de todos à saúde e o papel dos CSP, nomeadamente da proximidade dos serviços às populações nos locais em que elas vivem e trabalham. A abordagem é holística, integradora dos cuidados e zeladora da equidade.

Os estudos das últimas décadas do século XX sobre os determinantes da saúde revelam a influência do ambiente, como os de Whitehall[1], que mostraram a associação entre uma maior mortalidade prematura por doenças cardiovasculares e as condições exigentes de trabalho sob uma forte hierarquia. Para aprofundar o conhecimento nesta área, a OMS criou a Comissão dos Determinantes da Saúde. Em 2005, o relatório desta comissão revela a importância para a saúde de variáveis como a educação, a habitação, o nível socioeconómico e o contexto macroeconómico, para além dos serviços de saúde.

A segmentação dos cuidados de saúde, conforme existe, ignora a importância de se atuar sobre os fatores determinantes da saúde de forma sistémica, envolvendo os vários sectores de decisão política e não apenas o Ministério da Saúde. É disto que trata o documento “Saúde em Todas as Políticas” subscrito por todos os países da União Europeia, em 2006, e que pouco tem sido posto em prática.

Em 2016, em Xangai, a última conferência da OMS sobre promoção da saúde, de que resultou a Declaração de Xangai, estabelece como pilares essenciais a governança democrática, cidades e comunidades saudáveis e literacia em saúde, reforçando os princípios da rede internacional das Cidades Saudáveis a que Portugal aderiu em 1997. A participação dos cidadãos e o compromisso político com a promoção da saúde estão no centro.

O Serviço Nacional de Saúde: caminho e perspectivas

Após o 25 de abril de 1974, é aprovada, em 1976, a Constituição da República Portuguesa que consagra o direito de todos à proteção da saúde e o dever de a defender e promover e determina que o serviço nacional de saúde seja o garante desse direito.

Baseado na Declaração dos Direitos Humanos, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) nasceu em 1979 e tem como princípios a equidade, a universalidade, a solidariedade e a centralidade nas pessoas e como objetivos a promoção da saúde, a prevenção da doença, o tratamento, a reabilitação e a integração dos cuidados, mobilizando serviços e setores-chave na resposta às necessidades de saúde de cada pessoa e comunidade do território nacional.

Para ilustrar o impacto do SNS bem como a melhoria das condições de vida, salienta-se o decréscimo da mortalidade infantil e o aumento da esperança de vida à nascença nas décadas subsequentes ao 25 de abril de 1974. Em 1970 a taxa de mortalidade infantil era de 55,5/1000 nados vivos, tendo passado a 10,9/1000 nados vivos em 1990. Em 2019 foi de 2,4/1000 nados-vivos, uma das mais baixas do mundo. A esperança de vida ao nascer aumentou de 67,1 anos em 1970 para 81,1 anos em 2019[2]. Desde o início deste século, a esperança de vida ao nascer aumentou em Portugal mais de quatro anos (4,3), acima da média dos países da União Europeia. No entanto, em 2019, a expectativa de vida saudável aos 65 anos para a população portuguesa situava-se em 7,3 anos, menos três anos do que a média europeia (10,3 anos)[3].

Quanto à mortalidade materna, também houve uma drástica redução entre 1970 e 2000, em que os valores foram, respetivamente, de 73,4 e 2,5 por 100.000 nascimentos. Por razões a esclarecer, ela tem aumentado, sendo em 2019 de 12,7/100.000, um dos valores mais altos entre os países da OCDE.

A eficiência do SNS é demonstrada através de um orçamento menor e com melhores resultados de saúde que outros países com maior despesa. A OMS, no seu relatório sobre os sistemas de saúde a nível mundial, em 2000, classificou o desempenho do SNS português em 12º lugar entre 191 países.

Em 1990 é aprovada a Lei de Bases da Saúde com uma visão mercantilista da saúde. O investimento no SNS começou a sofrer quebras, sobretudo desde 2002 e, durante a crise económica e financeira, entre 2011-2015, reduziu-se ainda mais, criando espaço para o desenvolvimento do setor privado com fins lucrativos, incluindo a gestão privada de serviços públicos. Questões organizacionais, como o trabalho em equipa, a autonomia na gestão das unidades de saúde, a valorização e desenvolvimento das carreiras profissionais, os aspetos contratuais e as diferenças nas condições de trabalho, nomeadamente remuneratórias, têm levado à saída de profissionais para o setor privado, reforma antecipada ou emigração.

Em 2005, teve início uma reforma dos CSP, com a constituição de equipas multiprofissionais e envolvimento dos cidadãos, para uma melhor intervenção e gestão de proximidade. Apesar de alguns progressos, há resistências que atrasam este processo, nomeadamente quanto à constituição de novas unidades de saúde familiar e de passagem a modelos com maior autonomia e prestação de contas. A reforma ficou a meio[4].

Os avanços na adaptação dos serviços aos novos desafios têm-se verificado muito mais acentuadamente nos CSP do que a nível hospitalar onde não existem medidas de política organizacional que possibilitem uma real autonomia nem mecanismos de valorização e incentivo aos profissionais de saúde.

A formação profissional nas áreas da saúde em Portugal é reconhecida internacionalmente e, juntamente com a inovação tecnológica, tem assegurado uma boa qualidade na prestação de cuidados de saúde. No entanto, apesar de o SNS incluir a promoção da saúde e a prevenção da doença, no que respeita ao financiamento não se reflete a promoção da saúde e a prevenção tem tido decréscimo ao longo dos anos, representando cerca de 1% da despesa corrente do SNS em 2015, segundo o relatório do Conselho Nacional de Saúde (CNS) de 2017 “Fluxos financeiros do SNS”[5].

A regulamentação da nova Lei de Bases da Saúde, aprovada em 2019, deverá assegurar que os princípios éticos e de responsabilidade do Estado quanto à saúde da população são plenamente concretizados e que o SNS se mantém como um motor de desenvolvimento e coesão social. Salientam-se a equidade no acesso aos serviços de saúde; o investimento na promoção da saúde e na prevenção da doença; a centralidade nas pessoas; a melhoria do estado de saúde da população, através de uma abordagem de saúde pública, da monitorização e vigilância epidemiológica e da implementação de planos de saúde nacionais, regionais e locais; o aumento da literacia em saúde e da participação das pessoas, das comunidades, dos profissionais e dos órgãos municipais na definição, no acompanhamento e na avaliação das políticas de saúde.

COVID-19 – Crise pandémica e sindémica

Graças ao SNS, em Portugal tem havido capacidade de resposta para conter a transmissão descontrolada do vírus SARS-Cov2 e cuidar dos doentes, apesar de muitos desfechos trágicos. Mas esta crise veio tornar mais evidentes as vulnerabilidades.

O SNS mostra a sua relevância quando assume papel dominante no combate à pandemia, no tratamento, na vacinação e orientação sobre as medidas a tomar para promover a saúde e prevenir a doença, apesar das difíceis condições de trabalho, com escassez de recursos humanos e inadequados meios tecnológicos.

A população tem aderido, no geral, às recomendações efetuadas com vista à segurança e proteção. No entanto, não foram ativados mecanismos de consulta pública regular, tendo-se perdido uma oportunidade de mobilizar a sociedade para encontrar as melhores práticas e aumentar a sua adesão ao controlo da infeção.

A ansiedade e a depressão aumentaram e as pessoas com doença mental ou deficits cognitivos foram particularmente atingidas. Refira-se que a saúde mental é a prioridade apontada pelos jovens na Agenda da Juventude para a Saúde 2030, que indica a necessidade de mais recursos humanos nesta área e uma educação centrada na capacitação, com utilização de estratégias de aprendizagem social e emocional[6].

Os rendimentos familiares, apresentando grande heterogeneidade regional e local, têm-se agravado com a pandemia Covid-19. A escolaridade, que tem impacto nos consumos, na capacidade de gerir a vida e no nível de saúde física e mental, situa-se abaixo da média da UE. Com a pandemia foi ainda mais prejudicada, tendo o acesso ao ensino não presencial sido mais difícil em certos locais e famílias.

Hoje espera-se que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), criado em fevereiro de 2021 e destinado a implementar reformas estruturais para assegurar a saída da crise pandémica, venha contribuir para reforçar o SNS e mudar a perspetiva na abordagem à saúde.

O vírus, sendo mais perigoso para os mais velhos, afeta mais as pessoas que vivem em situações de maior vulnerabilidade, em habitações superlotadas, baixo nível socioeconómico, em exclusão social – como os imigrantes – ou com baixos níveis de literacia, o que nos remete para os determinantes sociais da saúde e para a importância de estabelecer estratégias de saúde envolvendo a população, em parceria com outros setores de decisão.

Portugal é um dos países da UE com maiores desigualdades entre a população, com bolsas de pobreza, marginalização, envelhecimento, maior morbilidade e mortalidade e dificuldades de acesso aos serviços de saúde[7]. As desigualdades tornaram-se ainda mais visíveis com a pandemia e exigem intervenções específicas dirigidas às áreas geográficas mais vulneráveis. A criação do Programa Bairros Saudáveis orientado para combater a sindemia[8] da Covid-19, mobiliza as comunidades locais e vários setores políticos para o aumento da resiliência e melhores condições de vida, é um bom exemplo de intervenção nesses territórios.

Elementos para reflexão sobre a saúde em Portugal

Após quase dois anos de pandemia, para além da Covid-19 e suas consequências, constata-se um excesso de mortalidade por outras causas durante o ano 2020. No campo da Oncologia, por exemplo, os atrasos ou a ausência de rastreios tem levado a um aumento do número de casos detetados em estado muito avançado, com agravamento de prognósticos. Os tempos de espera para cirurgias e consultas aumentou, por necessidade de orientar recursos para as situações Covid-19 ou por falta de comparência dos doentes, com receio de recorrer aos serviços de saúde. O facto é que o excesso de mortalidade no ano 2020 é de 13,6%, sendo que 41% deste valor se deveu a causas não COVID-19. A mortalidade “colateral” é, sobretudo, devida a doenças cardiovasculares e oncológicas[9].

Em Portugal, cerca de 60% da carga de doenças crónicas não transmissíveis associa-se a consumo de tabaco, consumo excessivo de álcool, consumo excessivo de sal, hipertensão arterial, dislipidémia, baixa ingestão de fruta e legumes, ausência de atividade física e excesso de peso[10]. A obesidade, um problema sério de saúde pública, resultante de um conjunto de fatores dos quais sobressaem a deficiente alimentação e a insuficiente atividade física, assume valores preocupantes, sendo de assinalar que os valores mais altos se verificam nas populações de baixa escolaridade e sem atividade remunerada. Segundo o Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico[11], 28,7% da população entre os 25 e os 74 anos é obesa, iniciando-se o problema cedo na vida, com uma prevalência de cerca de 14% nas crianças entre os 7 e os 8 anos[12]  e de 5% em crianças com 4 anos de idade[13], situando-se Portugal entre os piores lugares de entre catorze países europeus, o que se revela preocupante dado que a Covid-19 provoca formas mais graves da doença na população obesa.

Sendo necessário um maior incentivo à promoção de estilos de vida saudáveis ao longo da vida e de um envelhecimento saudável e ativo, várias intervenções e políticas se têm orientado para os comportamentos ligados à saúde, com criação de vários programas específicos.

O tabagismo, por exemplo, tem diminuído em Portugal, certamente sob influência das políticas de preços e de restrição do consumo em certos locais. Na UE, Portugal é um dos países com melhor colocação. Em 2020, 21% da população com 15 ou mais anos era fumadora, enquanto a média europeia se situava em 25%. No domínio dos consumos aditivos, destaca-se em Portugal a estratégia de combate às toxicodependências e redução de riscos, reconhecida a nível internacional como um exemplo de sucesso. No que respeita ao controlo alimentar salientam-se as políticas nacionais de redução do sal na indústria alimentar (panificação, p. ex.), o aumento de preços para os produtos açucarados e ricos em gordura e maior oferta de alimentos saudáveis nos estabelecimentos públicos, como as escolas ou os hospitais.

No que se refere a outras doenças transmissíveis não Covid-19, assinala-se uma descida nos casos de tuberculose que de 131,8 por 100.000 habitantes em 1970, passou para 16,9 por 100.000 habitantes em 2017, ainda acima da média europeia[14]. O mesmo se verifica com o VIH/SIDA que, apesar da baixa sistemática, a sua incidência, em 2018, ainda era uma das mais altas entre os países europeus[15].

Quanto à perceção da qualidade da saúde, Portugal situa-se longe dos melhores lugares sendo que apenas 50,1% da população, em 2019, refere considerar a sua saúde boa ou muito boa, enquanto a média da UE é de 68,6%[16].

Participação dos cidadãos na saúde

As primeiras eleições autárquicas em 1976 constituíram um marco na mudança de regime, que passa a promover a descentralização e a autonomia, constituindo uma das principais conquistas da democracia.

O nível local é o contexto adequado para a integração das políticas com impacte na saúde e para a definição das prioridades em função das necessidades das populações. São disso testemunho os Planos Locais de Saúde, apesar de o nível de participação das comunidades ser muito heterogéneo ao longo do país. Uma das estratégias fundamentais a estabelecer é a capacitação das comunidades e dos profissionais, melhorando os níveis de literacia em saúde e assegurando mecanismos de efetiva participação.

O relatório do Conselho Nacional de Saúde (CNS), “Participação pública em saúde: todas as vozes contam”[17], aponta que os níveis de participação pública dos cidadãos em saúde se situam nos níveis mais baixos da escala de participação de Arnstein[18].

Ao nível do poder local, tem sido lento o processo de tomada de consciência quanto ao seu potencial para influenciar muitos dos determinantes da saúde. O entendimento dos autarcas sobre o que é a saúde baseia-se, em muitos casos, numa visão redutora, meramente curativa da doença, medicocentrada e hospitalocêntrica.

A persistência de uma cultura hierarquizada e burocrática ainda se verifica, quer ao nível do poder centralizador, quer ao nível do não-poder de quem espera que os outros resolvam os seus problemas. A progressiva transferência de competências para o poder local tem tido grandes resistências por parte dos autarcas e despoletado muitas incertezas nos profissionais que receiam a “municipalização” dos serviços, com eventual perda da sua autonomia técnica, aumento da fragmentação dos cuidados e a acentuação das desigualdades territoriais.

Abordagens à saúde num mundo em transição

O controlo sobre a maioria das doenças infeciosas bacterianas desde o início do século XX, a melhoria da qualidade de vida, a evolução do conhecimento científico e dos sistemas de saúde levaram a uma maior esperança de vida à nascença. Esta alteração demográfica é reforçada por um decréscimo do índice sintético de fecundidade em Portugal atualmente de 1,42 filhos por mulher[19], conduzindo a uma população cada vez mais envelhecida.

A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e Cuidados Paliativos constitui uma resposta importante às patologias resultantes do envelhecimento da população e à prestação de cuidados a pessoas com situações de incapacidade temporária ou definitiva.

Para além de médicos e enfermeiros, hoje os CSP dispõem de profissionais diversificados como psicólogos, médicos dentistas, fisioterapeutas, nutricionistas, técnicos de serviço social. Também os hospitais dispõem de técnicos de serviço social que procuram a melhor reintegração dos doentes na sociedade após a alta clínica. A abordagem holística da pessoa, acompanhada por equipas multidisciplinares, com articulação e integração entre os diferentes níveis de cuidados, beneficia os cidadãos e a eficiência dos serviços.

Portugal, em 2019, era um dos países da UE com mais médicos por 1000 habitantes (5,4). No entanto, no que respeita a enfermeiros encontra–se numa posição menos privilegiada (7,4), ficando aquém de dois enfermeiros por médico. Esta situação é reveladora de problemas organizacionais e não facilita a partilha de responsabilidades, resultando em custos superiores de funcionamento. Acresce a resistência em envolver recursos da comunidade, como as farmácias, bem como a fraca implementação de procedimentos de cooperação entre serviços, pessoas e instituições.

Para além de ser preciso um maior reconhecimento dos profissionais e de melhores condições de progressão nas suas carreiras, é necessário, incentivar um trabalho em rede que permita a troca de experiências e de saberes, dando oportunidade a iniciativas que visem serviços de saúde mais competentes, eficientes e responsivos às necessidades dos cidadãos. A afinação dos indicadores de contratualização, sistemas locais de saúde, unidades de saúde familiar, centros de responsabilidade integrada nos hospitais, são exemplos de práticas com resultados positivos que se devem alargar a todo o sistema.

A digitalização abriu enormes possibilidades de acesso à informação. Mas, para que seja otimizado o potencial decorrente dos esforços no diagnóstico, tratamento, monitorização e avaliação, tem de haver uma estratégia de transparência e articulação, com a partilha de dados clínicos entre serviços de diferentes níveis de cuidados de saúde e que facilite aos cidadãos aceder à informação. Foram evidentes, por exemplo, durante a crise pandémica, as dificuldades dos profissionais de Saúde Pública ao terem de analisar inquéritos epidemiológicos em papel e de utilizar sistemas informáticos incompatíveis entre si.

Uma visão estratégica suportada por um Plano é fundamental para orientar a ação em saúde. Os Planos Nacionais de Saúde são guias para as estratégias locais, embora estas tenham de ser criadas e implementadas nas suas realidades concretas, de acordo com as prioridades, recursos e contexto sociocultural, o que reforça a importância da descentralização e autonomia dos serviços de saúde, municípios, organizações locais e da participação dos cidadãos, valorizando as competências e aumentando a coesão social.

No que respeita à literacia em saúde, Portugal situa-se abaixo da média europeia, ocupando o antepenúltimo lugar entre os 9 países onde foi aplicado um mesmo questionário[20]. Esta situação remete para a escola, quer ao nível da integração da educação para a saúde, quer quanto ao tipo de abordagem pedagógica que continua a refletir uma cultura de passividade e memorização, em lugar de uma cultura de pensamento estruturado, aplicado e criativo. Dewey, grande pedagogo do século XX, dizia que “educar é ensinar a pensar[21]. Neste estudo sobre literacia em saúde também se verificou que as pessoas com doença crónica, que contactavam com os serviços de saúde seis ou mais vezes por ano, constituíam um dos grupos com mais baixa literacia.

Para além da formação técnico-científica dos profissionais de saúde, é necessário capacitá-los para uma melhor comunicação com os utilizadores dos serviços de saúde e formá-los para uma maior humanização dos cuidados. Há que saber aproveitar as oportunidades de contacto com os cidadãos para promover as suas competências no reconhecimento e compreensão dos problemas, na gestão dos recursos, incluindo saber navegar no sistema de saúde, conhecer e reivindicar direitos.

É necessária uma transformação social que aumente a resiliência face à imprevisibilidade e a capacidade de antecipar e agir rapidamente sobre as ameaças, reforçando a organização social e as infraestruturas dos sistemas públicos, não apenas de saúde, aumentando os níveis de literacia para uma maior e mais qualificada participação dos cidadãos a todos os níveis.

As políticas que afetam as condições de vida – segurança, acesso a habitação, alimentação, educação, artes – são decisivas para promover a responsabilidade coletiva e individual, na concretização de uma vida saudável e digna para todos[22].

Só a mobilização da sociedade e das suas estruturas na promoção da saúde e prevenção da doença poderá garantir a sustentabilidade do sistema de saúde e melhorar a qualidade de vida e o bem-estar dos cidadãos.

[1]Brunner EJ, Marmot MG, Nanchahal K, Shipley MJ, Stansfeld SA, Juneja M, et al. Social inequality in coronary risk: central obesity and the metabolic syndrome: evidence from the Whitehall II Study. Diabetologia. 1997; 40(11):1341-9. doi: 10.1007/s001250050830.
[2]PORDATA. Esperança de vida à nascença. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos; 2021. Disponível em: https://tinyurl.com/3ks22ppu.
[3]INE. Anos de vida saudável aos 65 anos (ano) por sexo. Lisboa: INE; 2021. Disponível em: https://tinyurl.com/m7ycfzfs.           
[4]Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Meio caminho andado: Relatório Primavera 2018. Lisboa: OPSS, 2018.
[5]Portugal. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Fluxos financeiros no SNS. Lisboa: CNS; 2017.
[6] Portugal. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Federação Nacional das Associações Juvenis. Direção-Geral de Educação. Agenda da Juventude para a Saúde 2030. Lisboa: CNS; 2021.
[7]Marques TS, Ferreira M, Saraiva M, Forte T, Santinha G. Mapeamento de vulnerabilidades de saúde: explorando perfis territoriais para apoiar políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva. 2021; 26 (Supl. 1): 2459-70.
[8]Uma sindemia é um conjunto de problemas de saúde interligados, que se potenciam mutuamente, afetando significativamente o estado geral de saúde de uma população num contexto em que condições sociais nocivas se perpetuam.
Singer MC. A dose of drugs, a touch of violence, a case of AIDS: conceptualizing the SAVA syndemic. Free Inquiry in Creative Sociology. 1996; 24(2): 99-110. p.13.
[9]Vieira A. Peixoto VR, Aguiar P, Sousa P, Abrantes A. Excesso de mortalidade colateral e devido à Covid-19: 10 meses de pandemia. Lisboa: Centro de Investigação em Saúde Pública. Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade NOVA de Lisboa; 2021.
[10]WHO. Gaining health: the European strategy for prevention and control of noncommunicable diseases. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2006.
[11]Portugal. Ministério da Saúde. INSA. Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico 2013-2016. Lisboa: Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge; 2016.
[12]Rito A, Sousa RC, Mendes S, Graça P. Childhood Obesity Surveillance Initiative. COSI Portugal: relatório 2016. Lisboa: Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Ministério da Saúde; 2017.
[13]Cattaneo A, Monasta L, Stamatakis E, Lioret S, Castetbon K, Frenken F, et al. – Overweight and obesity in infants and pre-school children in the European: a review of existing data. Obesity Reviews. 2010; 11(5): 389-98. doi: 10.1111/j.1467-789X.2009.00639.x.
[14]PORDATA. Tuberculose: casos por 100 mil habitantes. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos; 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/y2wb7urh.
[15]Portugal. Ministério da Saúde. INSA. Relatório Infeção VIH e SIDA em Portugal 2019. Lisboa: Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge; 2019.
[16]PORDATA. População com boa ou muito boa perceção do seu estado de saúde: total e por sexo. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos; 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/yube43xw.
[17]Portugal. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Participação Pública em Saúde: todas as vozes contam. Lisboa: CNS; 2020.
[18]Arnstein SR. A ladder of citizen participation. Journal of the American Institute of Planners. 1969; 35(4): 216-24. doi: 10.1080/01944366908977225.
[19]Fundação para a Saúde. Serviço Nacional de Saúde: breve interpretação e linhas para a sua transformação. Lisboa: FSNS, 2019.
[20]Espanha R, Ávila P, Mendes RV. Literacia em saúde em Portugal: relatório síntese. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. CIES-IUL; 2016.
[21]Dewey J. Democracy and education. New York: Free Press; 1966.
[22]Loureiro I, Miranda N. Promover a saúde: dos fundamentos à ação. 3ª edição. Coimbra: Almedina; 2018.