Nota de Leitura – “O Despertar das Montanhas”
O livro O Despertar das Montanhas, de Vasco Paiva (Editora Lápis das Memórias, Janeiro 2021), constitui uma descrição aprofundada de alguns dos mais significativos movimentos e ações políticas do processo de emancipação dos povos da região do Vouga, antes do “25 de Abril”, alguns dos quais ainda permanecem com forte carga democrática, apesar da usura do tempo e do desvanecimento do ímpeto revolucionário.
Como temas centrais do livro, sobressaem, as lutas dos povos das montanhas pela “reconquista” dos seus baldios, a luta pela recuperação do Caminho de Ferro da linha do Vouga, ou a luta pela atribuição de indemnizações justas, na sequência de um grande incêndio que assolou a região.
O método narrativo prosseguido, mais do que a descrição das ocorrências políticas, como se de “reportagens” jornalísticas se tratasse, ergue-se antes, numa “narrativa” que permite vislumbrar os factos no seu próprio movimento e suas mútuas relações e, assim, alcançar melhor as razões e contornos deste multifacetado processo de emancipação, ou seja, as razões que o tornaram possível e as principais causas das vitórias e derrotas, dos seus sucessos e insucessos.
Nesta perspetiva, o autor refere as circunstâncias, “objetivas”, que desencadearam e potenciaram o processo de luta, designadamente, o agravamento dos problemas da população rural e maior disponibilidade dos agricultores para se envolverem na luta, fatores que, naturalmente, determinam o grau e a intensidade das lutas em causa.
Porém, o autor chama a atenção para facto ocasional (o autor chama-lhe circunstância feliz) de no Vale do Vouga terem convergido, por razões profissionais, ou outras, um conjunto de quadros (técnicos e licenciados) identificados com os problemas da região, que conheciam bem, e das suas populações. Neste contexto, as reivindicações eram bem fundamentadas e elaboradas, o que lhes permitiu intervir, nas ações reivindicativas de forma, não apenas organizada, mas também bem documentada e esclarecida.
É de notar, que essa componente de segunda linha, digamos assim, permitiu-lhes acompanhar e influenciar as lutas e reivindicações dos povos e identificarem-se com os problemas, servindo a luta dos trabalhadores, com os quais se identificavam, mas evitando sempre “protagonismos” deslocados. Quer dizer, essa “feliz coincidência” permitiu reforçar e dar maior consistência às ações de luta, em que todos estavam comprometidos.
Impossível, numa Nota de Leitura, dar conta de toda a expressividade de “O despertar das Montanhas. Por isso, termino com uma reflexão do autor, em 1983, a propósito do “movimento camponês” e que, de alguma forma, servirá de síntese do livro em apreciação.
…”São da máxima importância a não subestimação desta frente de luta, o respeito pela dinâmica própria, o combate ao sectarismo, à procura de êxitos fáceis, à politização apressada, ao radicalismo. A questão essencial que se põe a todos os agricultores é o reforço da unidade social, numa base dos interesses e objetivos concretos.”