As alterações climáticas e os seus impactos em Portugal

As emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa (GEE), em particular CO2 (dióxido de carbono), CH4 (metano), e N2O (óxido nitroso) provocaram um aumento significativo das suas concentrações atmosféricas desde a revolução industrial, provocando uma mudança climática global progressiva que tem impactos nocivos em todo o mundo (IPCC, 2021).

Desde o período pré-industrial, ou seja, desde meados do século XVIII, a temperatura média global da atmosfera à superfície (TMGAS) aumentou 1,1°C. Cerca de dois terços do aquecimento ocorreu desde 1975 a um ritmo de 0,15-0,2°C por década (Hansen, 2020). As emissões acumuladas de CO2 provenientes da combustão dos combustíveis fósseis e da produção industrial no período 1850-2019 foram de 1640 GtCO2 (Giga (109) toneladas de CO2) aumentando de 0,85 GtCO2 por ano para 36,5 GtCO2 em 2019. Assim, o desafio e a urgência de reduzir as emissões de GEE, isto é, de mitigar as alterações climáticas, estão a aumentar (Peters, 2020).

Apenas as medidas tomadas em todo o mundo para combater a crise pandémica da COVID-19 causaram uma queda temporária nas emissões em 2020, relativamente a 2019, estimada em 5,6% nas emissões de CO2, ou seja 2.6 GtCO2, e uma queda de 5% nas emissões totais de GEE, medidas em equivalentes de dióxido de carbono (CO2e) (Le Quéré, 2021). Esta é a maior redução anual alguma vez observada, maior do que nas duas Grandes Guerras Mundiais, nas crises do petróleo de 1973 e 1979 e na crise financeira e económica de 2008-2009, gerada nos EUA. No entanto, não foram registadas alterações estruturais significativas no sistema energético global como consequência da pandemia. Em 2021, prevê-se que as emissões globais de CO2 de origem fóssil irão recuperar e crescer 4,8% à medida que a procura de carvão, petróleo e gás aumenta com a recuperação do crescimento económico em todo o mundo. Vários países da OCDE iniciaram ou intensificaram a transição energética dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. As emissões de GEE do conjunto de países da OCDE mantiveram-se relativamente estáveis desde o início do século XXI, mas crescem rapidamente no conjunto de países fora da OCDE, focados no cumprimento de agendas de desenvolvimento que lhes permitam atingir os níveis de bem-estar e prosperidade económica dos países da OCDE (Pedersen, 2021). Sem mudanças estruturais, o declínio das emissões em 2020 relativamente a 2019 não terá impacto na redução dos níveis de concentração atmosférica de GEE.

Desde a criação do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) em 1988, a percentagem das fontes globais de energia primária assegurada pelos combustíveis fósseis, manteve-se aproximadamente constante com valores próximos de 81%. Embora a geração global de energia elétrica a partir de energias renováveis tenha atingido 27% em 2019 e esteja a aumentar rapidamente, ainda não há sinais de uma transição energética global sustentada e suficiente para alcançar a descarbonização da economia mundial. Tal transição é necessária antes de 2050 e exige cortes anuais globais de 1-2 GtCO2 nas emissões de CO2 (comparáveis à queda de 2,6 GtCO2 provocada pela crise pandémica) ao longo da década de 2020. Só neste cenário se poderá para atingir o objetivo do Acordo de Paris de manter o aumento da TMGAS abaixo de 2°C e prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C (Le Quéré, 2021).

O Acordo de Paris, celebrado na COP21, ou seja, na Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC) nº 21, realizada em 2015, entrou em vigor em 2016. É juridicamente vinculativo mas os compromissos de mitigação não são. Cada país determina a quantidade e o calendário de redução das emissões e apresenta formalmente ao Secretariado da CQNUAC os planos detalhados de mitigação por meio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (National Determined Contributions – NDC). Não há penas estabelecidas no Acordo para os países que não cumprem os compromissos de mitigação que escolheram. Há apenas o desconforto moral e vexame perante a comunidade internacional e a única forma de inverter a situação é através da persuasão e de negociações intergovernamentais. Desde a entrada em vigor do Acordo de Paris, as emissões têm continuado a aumentar todos os anos exceto em 2020, pelas razões já referidas.

Estimativas recentes do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), sugerem que com as atuais políticas nacionais declaradas oficialmente, o mundo está a avançar para um aumento da TMGAS de 2,8°C, enquanto as NDC entregues antes da COP26, realizada em Glasgow em novembro de 2021, podem levar a 2,5°C até 2100. As promessas adicionais de metas nacionais de descarbonização feitas durante a COP26 podem levar a 2,1°C (UNFCCC, 2021). Contudo, os objetivos de descarbonização não são todos considerados robustos e alguns enfrentam desafios tais como a dupla contabilização e incêndios florestais agravados pelas alterações climáticas. Além disso, envolvem questões sociais difíceis de resolver à escala local, especialmente para as comunidades indígenas nos países em desenvolvimento (Hite, 2021).

O uso intensivo de combustíveis fósseis, primeiro o carvão no início da Revolução Industrial, seguido pelo petróleo a partir do final do século XIX e pelo gás natural no século XX, foi um motor essencial na construção do atual modelo de desenvolvimento globalizado. Melhorou a prosperidade económica humana média a nível mundial, especialmente nos últimos dois séculos (Santos, 2012; 2021), embora sem resolver o agravamento do fosso socioeconómico entre o Norte e o Sul globais. O acesso a quantidades abundantes de energia, acessíveis em termos económicos, conjugado com avanços socioeconómicos, científicos e tecnológicos, contribuiu para a rápida melhoria da saúde pública, para um notável aumento da esperança de vida, e mais tarde para um incremento da fertilidade, levando a um aumento de 7,8 vezes na população global de 1800 a 2019. A outra característica notável dos processos iniciados pela Revolução Industrial foi um crescimento económico global exponencial sustentado, que permitiu um aumento de 33 vezes no PIB real global por pessoa de 1800 a 2006 (Jones, 2016). O consumo global de energia primária aumentou de 20 EJ (1018 Joule) em 1800 para 584 EJ em 2019 (Smil, 2016), representando um aumento de 3,7 vezes no consumo global de energia por pessoa. Embora reconhecendo os benefícios que os combustíveis fósseis tiveram para a civilização humana é agora tempo de mudar o paradigma energético global por meio de uma transição para as energias renováveis e para outras formas descarbonizadas de energia, mas essa transição deverá ser feita de uma forma equilibrada e justa evitando tanto quanto possível disrupções socioeconómicas.

Já no século XIX, Fourier (Fourier, 1827) descobriu o efeito de estufa, depois estudado por Tyndall (Tyndall, 1863). Arrhenius (Arrhenius, 1897) provou que o uso intensivo de combustíveis fósseis tem o efeito colateral e não intencional de aumentar o efeito de estufa natural na atmosfera produzindo alterações climáticas. O efeito sobre o clima global das emissões antropogénicas de CO2 e de outros GEE foi descrito detalhadamente por Plass (Plass, 1956) e tem sido objeto de uma análise cada vez mais exaustiva desde então.

As alterações climáticas antropogénicas caracterizam-se por um aumento da TMGAS, frequentemente designado aquecimento global, e por uma maior frequência e intensidade de eventos meteorológicos extremos, tais como ondas de calor, secas e chuvas muito intensas em períodos de tempo curtos, causadoras de inundações, enxurradas e deslizamentos de terra. Caracterizam-se também por provocarem mudanças nos regimes de precipitação regional e pela subida do nível médio global do mar. Por várias razões (Santos, 2021a), que não é possível detalhar aqui a Região do Mediterrâneo é especialmente vulnerável, ou seja, é um hotspot das alterações climáticas, principalmente por estar a sofrer uma diminuição acentuada da precipitação média anual. A partir dos finais da década de 1960, começou a chover menos em Portugal Continental, principalmente nos meses de janeiro, fevereiro e março, muito importantes para os recursos hídricos, agricultura, florestas e biodiversidade (Santos, 2021a). Este processo irá continuar durante muitas décadas até que a TMGAS comece a baixar. A nova tendência reforça o contraste entre um norte húmido, mas agora menos húmido, e um sul seco, mas agora mais árido.

Em Portugal, a área em que a precipitação anual média é inferior a 400 mm por ano tem aumentado e inclui já grande parte do Alentejo e uma parte do interior das Beiras e de Trás-os-Montes junto à fronteira (Portela, 2020). O clima na Península Ibérica tornou-se mais quente e mais seco o que, em especial nas regiões do sul e interior, afeta a disponibilidade de recursos hídricos, prejudica a agricultura, aumenta o risco de incêndios florestais e rurais e afeta profundamente a biodiversidade obrigando a uma migração das espécies demasiado rápida e muitas vezes impossível. Estima‑se que o aumento da temperatura média global de 3°C, relativamente ao período pré-industrial, elevará os prejuízos anuais causados pelas secas na Europa de 9400 milhões para 45 mil milhões de euros, sendo o Mediterrâneo uma das regiões mais afetadas (Cammaleri, 2020).

Um estudo recente promovido pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) sobre a “Avaliação das disponibilidades hídricas atuais e futuras e aplicação do índice de escassez WEI+” (APA, 2021) em Portugal Continental, que se encontra em consulta pública até 30 de junho de 2022, conclui que as disponibilidades hídricas em Portugal diminuíram de 20% nos últimos 20 anos e vão continuar a diminuir devido às alterações climáticas. O estudo aborda também a procura de água para os vários usos – urbano, indústria, rega, pecuária, turismo e energia elétrica – e a capacidade de satisfazer essa procura com as fontes superficiais e subterrâneas através do cálculo do índice de escassez de água WEI+, definido como a razão entre o uso de água e os recursos hídricos disponíveis renováveis. A análise realizada permite concluir que as bacias hidrográficas de todos os rios de Portugal Continental, exceto o Minho, que não tem escassez, estão em situação de escassez de água: baixa (Lima, Douro e Mondego), elevada (Cávado, Vouga, Liz e Tejo), severa (Ave, Leça, Ribeiras do Oeste, Sado, Guadiana e Ribeiras do Algarve) e extrema (Mira) (Figura 1). Para melhorar esta situação é necessário aumentar a eficiência nos vários usos da água e desenvolver novas disponibilidades por meio do tratamento de nível terciário das águas residuais urbanas e da dessalinização de água do mar e de águas salobras, nas regiões costeiras com elevada densidade demográfica.

Figura 1. Valores do índice de escassez de água (WEI+) nas bacias hidrográficas dos rios de Portugal Continental (APA, 2021)

A agricultura é um dos setores mais vulneráveis às alterações climáticas devido à sua dependência nos recursos hídricos e pelo facto de que a rápida mudança do clima agrava ou introduz pragas e doenças nas culturas obrigando ao uso mais intensivo de fitofarmacêuticos. A adaptação da agricultura exige maior eficiência na utilização da água por meio de tecnologias apropriadas, mas também de maior disponibilidade de água. É necessário desenvolver o melhoramento genético das plantas e recorrer a novos cultivares melhor adaptados a um clima mais quente e seco. As florestas são essenciais para travar a desertificação. É necessário reflorestar e diminuir o risco de incêndio florestal e rural por meio de um ordenamento e de uma gestão mais adequada à mudança climática, e reduzir o número de ignições. Estima-se que em 2075 a área florestal ardida nas várias regiões da Península Ibérica poderá aumentar para o dobro ou triplo se não forem implementadas medidas de adaptação adequadas (Sousa, 2015). Na saúde há que considerar a crescente intensidade das ondas de calor, cujo efeito é agravado nas zonas urbanas, as doenças transmitidas por artrópodes vetores e roedores (doença de Lyme, dengue e outras), os efeitos nocivos da poluição atmosférica produzida pelos incêndios florestais, as doenças associadas à má qualidade da água resultante da sua escassez, entre outros aspetos. A forte erosão que se observa em alguns troços das zonas costeiras deve-se ao défice de sedimentos transportados pelos rios, resultante da construção de barragens e de dragagens. A subida do nível médio do mar nas zonas costeiras de Portugal foi cerca de 20 cm desde 1900. Porém, a subida do nível do mar está a acelerar e será da ordem de 80 cm no final deste Século o que irá obrigar a custos económicos muito elevados para proteger a costa (Santos et al., 2017).

Referências:
- APA, 2021, Avaliação das disponibilidades hídricas atuais e futuras e aplicação do índice de escassez WEI+, Agência Portuguesa do Ambiente
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