Reflectir e agir!

As Legislativas de 30 de Janeiro, pela natureza dos seus resultados e pelo que os mesmos significam para a vida dos portugueses, exigem que se reflicta sobre elas e as implicações que poderão ter no futuro próximo da nossa democracia.

Nestas eleições, embora havendo a registar, como aspecto de grande relevância e por isso merecedor de aprofundada reflexão, as significativas e, pela sua dimensão, inesperadas mesmo, quebras do Bloco de Esquerda e da CDU, verifica-se também que, apesar de um ligeiro avanço das forças de direita, as forças de esquerda (PS, BE, CDU, PAN e L), que somaram 53,34% dos votos, continuam maioritárias no Parlamento.

Foi no já distante 1976, a 25 de Abril, nas primeiras eleições para a Assembleia da República, que as forças de esquerda de então (PS, PCP e UDP), vale a pena recordar, obtiveram 50,93% dos votos contra 40,33% da direita (PPD e CDS)! Poderemos assim dizer que, afinal, em termos políticos, eleitoralmente falando, Portugal não mudou assim tanto.

Apesar de o fenómeno do voto útil não merecer grandes dúvidas, tal não nos deverá impedir, antes pelo contrário, de proceder a uma reflexão sobre a natureza da intervenção dessas forças quer a nível parlamentar, quer a nível público, nos diversos locais onde se desenrolam as diversas actividades: social, cultural, económica.

Intervenção que tem na questão das alianças (acordos, entendimentos, convergências) um aspecto de fundamental importância pela forma como, tratando-se de fenómeno positivo, influenciarão, motivarão, a mobilização do eleitorado.

Eleitorado que, aparentemente uma massa passiva que só aparece no momento do voto, não é alheio ao que está em jogo, independentemente de algumas atracções momentâneas que a demagogia e o oportunismo geram.

Para a grande maioria, o que está em jogo é quem vai governar. E, nesse sentido, apostam, aderem, em quem melhor os conseguir convencer! Não fazem grandes análises políticas nem tampouco se preocupam em analisar as propostas inscritas nos diversos programas, apostam! Influenciam a sua decisão factores emocionais, preconceitos, ondas, quimeras. A exploração de questões sensíveis que, agitadas demagogicamente por um político de direita, podem levar alguém colocado num espectro oposto, a se deixar seduzir e dar-lhe apoio. Referimo-nos, claro, a eleitores que, dada a sua condição social nunca apoiariam tais “profetas”, tais salvadores!

Um acontecimento histórico

Em 2015, após umas legislativas em que o partido mais votado foi o PSD de Passos Coelho, mas a direita ficou em minoria, surpreendendo todo o teatro político nacional, o PCP manifestou ao PS disponibilidade para viabilizar um seu governo condicionando assim o PS a qualquer entendimento tipo Bloco Central já protagonizado por este mais de uma vez. Foi um momento histórico no Portugal democrático pós 25 de Abril! Um momento de esperança, cautelosa esperança, no desejado entendimento de esquerda, de convergência das forças de esquerda.

De 2015 a 2019 o País e o povo português viriam a observar importantes melhorias nas suas condições de vida e derrotavam-se os pessimismos que a direita protagonizava para as políticas seguidas.

A experiência, por toda a esquerda considerada positiva, havia de, após as eleições de 2019, entrar numa nova e mais complexa via nomeadamente no campo dos necessários entendimentos, nas fundamentais plataformas de entendimento.

E é assim que, logo na apresentação do Orçamento de Estado para 2022, se abrem profundas e sérias dúvidas quanto à sua viabilização. Com todos a clamarem das suas razões o Orçamento é chumbado e são convocadas eleições antecipadas.

Ironicamente o Portugal de hoje, significativamente diferente, é, ainda assim, um pouco mais de esquerda que o Portugal de 76! Portugal é outro, o mundo, que o influencia, é outro, o eleitorado é outro. Não é melhor nem pior, é outro! O modo de ver e pensar evolui, altera-se.

Mas a questão é que não basta afirmar-se de esquerda, propor-se fazer uma política de esquerda para ganhar o voto popular, nomeadamente o voto dos trabalhadores. As forças à esquerda do PS, partido do “Arco do Poder”, que, por isso, acaba, invariavelmente, por “sacrificar” de algum modo a sua matriz de esquerda, socialista, à importância maior que confere à manutenção da sua permanência na esfera do poder, têm de investir mais na procura de estratégias para captar o apoio popular.

Embora votando à esquerda, a realidade portuguesa anda longe do que duma política de esquerda há a esperar. São os salários, os cuidados de saúde, a educação, a cultura, a economia, uma economia ao serviço do país, do povo e não de interesses particulares que sugam as energias e os recursos nacionais sem qualquer preocupação com o bem colectivo, com um verdadeiro e consistente desenvolvimento económico e social.

Uma resposta democrática de esquerda

Sendo a Seara Nova, enquanto revista de doutrina e crítica e projecto de esquerda, – os seus fundadores afirmavam-se pelo socialismo – não pode ficar alheia ao evoluir da realidade política, da luta política.

Não é novo, nem é preciso provar, está sobejamente provado, que só uma política de esquerda, um governo de facto de esquerda, podem realizar tão legítima e justa ambição.

Para tal, hoje como no passado, continua a ser necessário, como pão para a boca, abrir novos caminhos de diálogo, bases de entendimento que, superando aspectos particulares, se fixem nas questões essenciais e por isso com aptidão para gerar as necessárias convergências – as convergências de que, à esquerda, todos falam – sem ter de abdicar das suas identidades próprias. As diferenças existem e, por isso, não podem ser iludidas nem desvalorizadas. Há que encará-las com realismo, conscientes de que, sendo uma dificuldade, não são um mal, antes pelo contrário. São sim, assim pensamos, deverão ser, entendidas como um efectivo factor de estímulo às transformações, à realização dos saltos qualitativos, ao enriquecimento da vida social, cultural, económica e espiritual.

Seria como diriam os nossos velhos seareiros fazer a pedagogia da cidadania, da elevação cívica, da tolerância, da justa medida.

Agora, com maioria absoluta, o PS, assim o queira, apoiado nos seus princípios, tem condições para realizar uma política de esquerda que, desde a economia à cultura, passando pela saúde, educação, habitação, trabalho, etc., dê uma efectiva resposta às questões que há muito esses sectores colocam. Prestaria assim um serviço inestimável à democracia, calando as vozes dos inimigos do socialismo que, intencional e malevolamente, classificam de socialistas todas as políticas que, invariavelmente, o PS tem vindo a seguir.

Defender a democracia, criar novas respostas

Se hoje a democracia em Portugal parece não estar ameaçada e, por isso, não correr perigo, pensamos que, apesar de não estarmos em desacordo com tal afirmação, tal não implica que não consideremos que a situação do país apresenta aspectos deveras preocupantes que influenciam negativamente a vida democrática, o prestígio da democracia.

A falta de medidas eficazes nos diversos domínios da vida nacional permite, por ser terreno propício, o surgimento de demagogos que influenciam significativas faixas da população e que são transversais aos vários estratos sociais assim como reanima a propaganda individualista, o apelo à opção individual, o privado, em detrimento da solução colectiva.

No mundo cada vez mais complexo em que vivemos, só soluções colectivas, respostas colectivas, poderão garantir a todos melhores dias. É, por isso, cada vez mais essencial investir, investir com determinação, saber, eficácia, para elevar e desenvolver a consciência colectiva, factor essencial, básico, determinante para a qualidade humana da sociedade, portanto da democracia!

Sendo fervorosos adeptos da existência de um estado democrático dotado de uma Constituição, leis, que garantam a todos a liberdade de expressão, de organização e associação, somos não menos fervorosamente adeptos de um estado democrático que providencie a todos os cidadãos iguais oportunidades para desenvolverem as suas capacidades, os seus legítimos anseios, os seus projectos. Opor-nos-emos assim, frontal e intransigentemente, a todos os que, a pretexto do exercício das liberdades, das suas sacrossantas liberdades, perseguem objectivos que desprezam, marginalizam, votam à miséria e à pobreza uma grande parte da população condenando-a ad aeternum a persistir nessas precárias condições, contribuindo com o nosso saber e experiência para a formação duma consciência cívica, social, que seja um motor de transformação do modo de pensar que supere hesitações e conformismos, dando combate sem tréguas a falsas medidas, às falsas barreiras, às falsas evidências, às falsas realidades, às falsas impossibilidades. Enfim, a batalha pela dignidade dos actos, das instituições, das pessoas, de todas as pessoas.

E nós, que acreditamos na possibilidade de um mundo livre e pacífico, só lá chegaremos com o fim da guerra e a luta pela paz. Após um longo e complexo conflito entre a Rússia e a Ucrânia, a invasão da segunda pela primeira trouxe a violência e a destruição da guerra à Europa, com todas as suas consequências e horror, vítimas, populações em fuga para salvar a vida, refugiados, mortos.

Condenamos e repudiamos a guerra como forma de resolver os diferendos internacionais de qualquer natureza pois temos por convicção que existem hoje instrumentos, instituições, próprios para arbitrar qualquer conflito, nomeadamente no seio da ONU, evitando sobretudo o uso da acção militar e a sua escalada de consequências imprevisíveis.

«… Unidos como os dedos da mão/Havemos de chegar ao fim da estrada …». (Jornada de José Gomes Ferreira e Lopes-Graça, Seara Nova nº 949 de Outubro de 1945).