Nota de Leitura – “ELAS estiveram nas prisões do fascismo”
Notável este livro que apresentamos aos leitores da Seara Nova. É um livro sobre “ELAS” – as Mulheres! Não, porém, sobre todas as Mulheres, Não, por certo, sobre as mulheres fúteis, escravas da moda e do culto da imagem. Também, certamente, ninguém espera que este livro venha tecer elogios ao modelo feminino “Fada do Lar”, embora, por contraposição, as mulheres sobre as quais o fascismo se abateu, contestatárias ativas desse mito fascista, sejam as verdadeiras destinatárias desta epopeia de resistência ao fascismo, de que o livro nos dá conta.
De facto, se expusermos o título completo – “ELAS estiveram nas prisões do fascismo”, então, semanticamente, todo o sentido se enaltece, para jorrar simples e cristalino, confrontando-nos com uma realidade ignorada ou, tantas vezes, tão injustamente esquecida, ou seja, que as mulheres, estiveram, como os seus companheiros de resistência, na primeira linha de combate à ditadura, pagando com a tortura e a violência das prisões fascistas a ousadia.
Deve notar-se, aliás, que este livro, conforme se diz na Introdução, “não se trata apenas de lembrar o exemplo e prestar merecida homenagem às mulheres que foram presas pelas sucessivas polícias politicas de 40 anos da ditadura, ao longo de 48 anos” (…) este livro oferece também ao leitor a possibilidade de uma viagem sobre a situação e o estatuto das mulheres naquele áspero e sombrio período da vida nacional, sobre as múltiplas formas de repressão e violência, exercida sobre as mulheres de convicções democráticas…”.
O livro é desenvolvido por uma série de textos que permitem a leitura independente e na sua aparente dispersão, aprofundam, cada um por si, a possibilidade de palmilhar tal viagem.
O livro apresenta ainda uma curiosidade interessante – os diversos assuntos são separados por poemas escritos pelas mulheres, que são o sujeito e o predicado deste notabilíssimo livro, editado pela URAP – União de Resistentes Antifascistas Portugueses.
Um poema de Eugénia Cunhal:
Quando vieres
Encontrarás tudo como quando partiste.
A mãe bordará a um canto da sala…
Apenas os cabelos mais brancos
E o olhar mais cansado.
O pai fumará um cigarro depois de jantar
E lerá o jornal.
Quando vieres
Só não encontrarás aquela menina de saias curtas
E cabelos entrelaçados
Que deixaste um dia.
Mas os meus filhos brincarão nos teus joelhos
Como se te tivessem sempre conhecido.
Quando vieres
Nenhum de nós dirá nada
Mas a mãe largará o bordado
O pai largará o jornal
As crianças os brinquedos
E abriremos para ti os nossos corações,
Pois quando tu vieres
Não és só tu que vens
É todo um mundo novo que despontará lá fora
Quando vieres.