O «Portugal Democrático» (1956-1975). Jornal do Movimento oposicionista à ditadura fascista de Salazar no Brasil
A 7 de julho de 1956 vê a luz do dia, em S. Paulo no Brasil, um jornal de periodicidade mensal, o «Portugal Democrático» que afirma no seu primeiro Editorial: …a política que pretendemos realizar e a missão que temos a cumprir são, pura e simplesmente, servir o Portugal Democrático com verdade e independência.
E, mais adiante: … Sabemos que, aplicando um programa tão simples, estamos, afinal, absolutamente integrados na nova união das forças democráticas em Portugal de que se verificaram nos últimos meses muitas provas o que é a mais segura garantia da sua vitória.
E finaliza: Voltado para o futuro, consciente das realidades do presente e orgulhoso das grandezas do passado, aqui têm pois os portugueses do Brasil o seu jornal: o Portugal Democrático.
Resultado de um movimento de democratas portugueses residentes e exilados no Brasil, são seus fundadores Vítor de Almeida Ramos, um intelectual, professor universitário, e Manuel Ferreira de Moura, um operário, técnico, ambos membros do Partido Comunista Português. Era então figura tutelar desse movimento o exilado Capitão Sarmento Pimentel, presidente do Centro Republicano Português e que entre 1924 e 1957 integrou os Corpos Diretivos da Seara Nova.
O jornal contou com a colaboração, desde o início, de figuras de elevado nível intelectual como foram Adolfo Casais Monteiro, Fernando Lemos, Jorge Sena, Carlos Maria de Araújo, Joaquim Barradas de Carvalho, Miguel Urbano Rodrigues, Paulo de Castro, Alfredo Masson, entre os portugueses, e Álvaro Lins, Fernando Sabino, Gustavo Corção, Rúben Braga, do lado brasileiro.
Colaboram no seu 1º número: António Fonseca, Paulo Resende, Armando Serra, Carlos de Oliveira, Agostinho Neto, Bárbara Borba, Heitor Correia, Adelino Amaral.
Na 1ª página do 1º número é publicada, ao lado do Editorial, a primeira de duas cartas de António Sérgio ao Ministro do Ultramar onde, abordando a questão da Índia, denuncia a política fascista do governo. Ainda na 1ª página podemos ler: «O Bispo de Aveiro a favor da Anistia» onde, é referido que: …promovido pela “Comissão Organizadora dos Festejos do 5 de Outubro” um abaixo assinado exige a amnistia para todos os “que tenham sofrido sanções por motivos políticos ou de opinião, presos ou não presos, julgados ou a julgar, sujeitos a qualquer pena ou medidas de segurança, presentes no país, ou que as circunstâncias forçaram a exilar-se”. Entre as sete mil assinaturas recolhidas encontrava-se a do Bispo de Aveiro e mais 12 sacerdotes.
O jornal teve de início dificuldade em chegar à comunidade portuguesa imigrante assim como à sociedade brasileira que não manifestava grande interesse pelo discurso oposicionista veiculado, situação que, agravada pela falta de recursos económicos e humanos, levou à suspensão da sua publicação um ano após o seu aparecimento.
Um ano depois, em Junho de 58, a publicação é retomada não sendo alheia a tal facto a chegada ao Brasil de alguns jornalistas que tinham pertencido à redação do Diário Ilustrado de Lisboa – que tinha iniciado a sua publicação em dezembro de 56, tendo Miguel Urbano Rodrigues como primeiro chefe de redação – e que, por motivo de divergências com a direção do jornal, tinham saído. Forma-se então o primeiro Conselho de Redação e o primeiro Conselho Administrativo e instala-se a sede no Centro Republicano Português de S. Paulo.
Nesse ano, as eleições presidenciais em Portugal são uma oportunidade para o «Portugal Democrático» se afirmar e alargar a sua influência. Apoiando a candidatura do General Humberto Delgado, divulgando-a amplamente e denunciando a política repressiva do fascismo, nomeadamente quanto à liberdade de expressão e à liberdade de organização quer política, quer cultural e até económica, o jornal vai criando uma rede de solidariedade nos sectores político, artístico e intelectual brasileiro. Os nº 24 e 25, publicados em Maio e Junho de 59, são quase totalmente dedicados ao General Humberto Delgado, nomeadamente à sua visita a São Paulo e Rio de Janeiro.
Em julho de 60, o jornal presta uma significativa homenagem ao Capitão Sarmento Pimentel, nomeando-o Presidente de Honra do Conselho de Redação. Conselho este que à data era composto por Adolfo Casais Monteiro, Carlos Maria de Araújo, Fernando Correia da Silva, Fernando Lemos, Henrique Pereira Santos, Jorge de Sena, Paulo de Castro e Vítor Almeida Ramos, sendo António Bidarra Fonseca, Carlos Cruz, Carlos Neves, Francisco Lopes, Manuel Ferreira de Moura e Silvério da Costa Lettra, os membros do Conselho de administração.
Com o fim de estabelecer uma rede de contactos entre os diversos núcleos da oposição portuguesa no Brasil e resto do mundo dá-se por iniciativa do grupo do Portugal Democrático a criação do Serviço de Informação Internacional Portugal Democrático no Rio de Janeiro em Agosto de 1960. Em Outubro do ano seguinte forma-se a União Democrática Portuguesa visando a unificação da atividade oposicionista.
O debate da questão colonial passa a ocupar grande parte do material editado. Material essencialmente informativo oriundo de exilados portugueses das mais diversas partes do mundo. Assunto bem acolhido no Brasil, dado o sentimento nacionalista brasileiro contra o colonizador português muito vivo, especialmente em alguns setores militares e que contribuiu até, em grande medida, para garantir a sobrevivência do jornal.
A partir de 64, em face da instauração da Ditadura Militar no Brasil, o jornal abstém-se de comentar a realidade política brasileira.
A partir do Portugal Democrático foram lançadas diversas iniciativas com o fim de denunciar a ditadura fascista como foi o caso do Comité dos Intelectuais e Artistas Portugueses Pró Liberdade de Expressão, em 58, a I Conferência Sul-Americana Pró Amnistia para os Presos e Exilados Políticos de Espanha e de Portugal em janeiro de 60 e a II Conferência em 61, o «Acto Público de Solidariedade aos Povos de Portugal e de Espanha em Maio de 62 e do debate «42 anos de fascismo em Portugal» na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em finais de 68.
Os colaboradores
Como colaboradores encontramos: Tomás Ferreira Rato, Prof. Manuel Valadares, Marcelo Rodrigues, Abel Djassi, Paulo de Sousa, Paulo de Castro, Manuel Myre Dores, Gomes Fernandes, João Sarmento Pimentel, Augusto dos Santos Abranches, Manuel Augusto Soares de Oliveira, Cunha de Leipadella, Manuel Sertório, Maria Archer, Miguel Urbano Rodrigues, Fidelino de Figueiredo, Maria Antónia Fiadeiro, Joaquim Barradas de Carvalho, Castro Soromenho, Henrique Galvão.
Colaboraram também Hélder Costa, Vítor Cunha Rego, Sidónio Muralha, Tito de Morais, Ruy Luís Gomes, António José Saraiva.
Eduardo Lourenço, sem assinar, e Mário Henrique Leiria também prestaram colaboração ao jornal.
A poesia esteve presente no Portugal Democrático através dos poetas Agostinho Neto, Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira, Sidónio Muralha, Alexandre O’Neil e Jorge de Sena.
Para além da figura tutelar de Sarmento Pimentel e dos dois fundadores, Vítor de Almeida Ramos e Manuel Ferreira de Moura, é de destacar a preciosa colaboração de Jorge de Sena, consubstanciada em cerca de quatro dezenas de peças de carácter diverso.
Intelectuais brasileiros como Manuel Bandeira, Florestan Fernandes, Raquel de Queirós, Gustavo Corção, Álvaro Lins, Ruben Braga, Fernando Sabino, Murillo Mendes, Graciliano Ramos, Lygia Fagundes Telles, Sérgio Milliet, Ricardo Severo, Salles Gomes, António Cândido, Paulo Duarte, Otávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Guilherme Motta, Carlos Drumond de Andrade, Vinícius de Morais, José Lins do Rego, Cláudio Abramo, Ênio Silveira deram o seu apoio e colaboração ao Portugal Democrático.
O «Portugal Democrático», pelo seu carácter unificador e a presença de um grupo significativo de intelectuais prestigiados aparentava-se, de algum modo, à Seara Nova publicada em Portugal.
Significativo é também o facto de a maioria dos seus fundadores ser militante do Partido Comunista Português, único partido ativo no combate ao fascismo em Portugal e empenhado na promoção da unidade de todo os democratas através da sua fundamental contribuição para a constituição dos movimentos de unidade antifascista.
O jornal terá sido o único órgão de língua portuguesa que pôde noticiar o escândalo do Ballet Rose (entre Janeiro e Agosto de 1968) ou o massacre de Wiriamu (Julho de 1973, mesmo chamando-lhe Williamu), bem como as constantes expulsões de jornalistas estrangeiros de Portugal.
Em Outubro de 1974, a periodicidade passa a ser semanal. Na edição comemorativa do 1.º aniversário do 25 de Abril é, por fim, anunciado o encerramento do periódico.
O jornal cessa a sua publicação em março de 1975, após algumas tentativas frustradas de o manter após a Revolução libertadora do 25 de Abril.
Ficou como marco importante da luta antifascista, da unidade democrática, do esforço de unir superando divergências naturais assumidas com frontalidade e espírito de tolerância, exemplo de que quando há real vontade de alcançar determinado fim os homens alcançam-no.
Um dos seus fundadores, Vítor de Almeida Ramos, faleceu em S. Paulo em 2 de maio de 75, um dia antes da data programada pelos estudantes da Universidade de S. Paulo para comemorarem a queda da ditadura fascista em Portugal. A morte de Vítor Ramos levou a que se ponderasse o seu adiamento, mas a comemoração acabou por se realizar com uma sentida e expressiva homenagem ao professor que tinha dedicado a sua vida à luta contra a opressão fascista em defesa dos nobres ideais da liberdade e da democracia. A sessão foi encerrada pelo capitão Sarmento Pimentel.
Nele saudamos todos os que com ele ergueram tão singular, significativa e assinalável empresa!
A edição completa do Portugal Democrático foi doada pelo Centro Cultural 25 de Abril de S. Paulo ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Maio de 2012.