A Economia Social em Portugal: conceito e realidade

Introdução

A economia social, enquanto expressão, é recente no léxico institucional português. Contudo, reflete e traduz um conjunto de entidades com raízes históricas na sociedade portuguesa e uma atividade económica e social importante pelo seu peso no emprego e no produto interno e, sobretudo, pela sua dimensão de cidadania, envolvendo a generalidade da população portuguesa. Estas entidades estão consagradas, na Constituição da República Portuguesa (CRP), enquanto setor autónomo – setor cooperativo e social, a par do setor público e do setor privado.

De acordo com os dados de 2016, da Conta Satélite da Economia Social (CSES), esta realidade plural é formada por cerca de 72 mil entidades que criam mais de 236 mil empregos (6,1% do total nacional) e geram 3% do produto interno (VAB).

O conceito de economia social

O conceito de economia social, assim como a própria expressão “economia social” são, como atrás referimos, relativamente recentes no léxico jurídico e institucional português. Datam já do século XXI e resultam de um processo sedimentado ao longo de mais de três décadas.

O conceito de economia social está inscrito na Lei nº 30/2013 de 8 de maio – Lei de Bases da Economia Social (LBES), aprovada por unanimidade na Assembleia da República, que a define como o conjunto das atividades económico-sociais, livremente levadas a cabo pelas entidades expressamente referidas na lei: cooperativas, mutualidades, misericórdias, fundações, outras instituições particulares de solidariedade social, associações com fins altruísticos que atuem no âmbito cultural, recreativo, do desporto e do desenvolvimento local, entidades dos subsetores comunitário e autogestionário e outras entidades que respeitem os princípios orientadores da economia social e constem da base de dados da economia social.

Regressando às atividades económico-sociais acima referidas deve indicar-se que elas têm por “finalidade prosseguir o interesse geral da sociedade, quer diretamente quer através da prossecução dos interesses dos seus membros, utilizadores e beneficiários, quando socialmente relevantes”.

Deste modo a economia social “designa um espaço socioeconómico” formado por um conjunto de organizações claramente delimitado, mas que abrange um leque de práticas que o integram apenas em função da sua própria natureza” (Namorado, 2017: 1).

A expressão “economia social” começou a ter visibilidade institucional em 2009 com a criação da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) que substituiu o Instituto António Sérgio para o Setor Cooperativo (INSCOOP) que datava de 1976.

Ainda em 2009, foi concretizado o programa específico de estágios profissionais, o INOV-Social, para colocação de jovens quadros profissionais junto das entidades de economia social.

Posteriormente, em 2010, foi aprovado o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Economia Social (PADES) e instituído o Conselho Nacional para a Economia Social (CNES), que é um órgão de acompanhamento e consulta do Governo no domínio das estratégias e das políticas públicas de promoção e de desenvolvimento da economia social, sendo presidido pelo Primeiro-Ministro. Releve-se que a Resolução do Conselho de Ministros, que criou o CNES, cita a Resolução do Parlamento Europeu de 19 de fevereiro de 2009, sobre economia social.

Este processo de afirmação institucional da expressão e do conceito de economia social conclui-se com a publicação, em 2013, da LBES e da Conta Satélite da Economia Social (CSES, esta primeira relativa ao ano de 2010) e, tem como corolário a constituição, em 2018, da Confederação Portuguesa da Economia Social.

Contudo, importa sublinhar que tanto a expressão como o conceito resultam dum processo de sedimentação que tem como ponto de partida a CRP. Embora não haja referência nominal à economia social, a CRP consagra a existência do setor cooperativo e social, a par do setor público e do setor privado, de propriedade dos meios de produção.

Segundo Rui Namorado (2017) o atual “setor cooperativo e social” começou por ser apenas cooperativo, em 1976, com a entrada em vigor da CRP, para posteriormente, com a revisão constitucional de 1989, lhes serem incluídos os subsetores autogestionário e comunitário e, por fim, com a revisão constitucional de 1997, o que o autor designa por “subsetor solidário” e que corresponde à inclusão no setor cooperativo e social dos “meios de produção possuídos e geridos por pessoas coletivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objetivo a solidariedade social, designadamente entidades de natureza mutualista”.

Assim, o edifício constitucional português no final do século XX passou a consagrar o setor cooperativo e social com quatro subsetores: cooperativo, autogestionário, comunitário e solidário. Sublinhe-se, entretanto, que nos finais dos anos 90 do século XX, foi usado no plano institucional a expressão “terceiro setor”, como foi o caso da Rede Portuguesa de Formação para o Terceiro Setor, instituída sob o patrocínio do Governo em 1996.

Aliás, as expressões “terceiro setor” e “economia solidária” têm aparecido, sobretudo em meios académicos, como concorrentes com a expressão economia social.

A expressão “terceiro setor” aparece ora numa visão mais restrita, praticamente coincidente com o “subsetor solidário”, ora numa visão mais ampla, mas relativamente neutra, abrangendo tudo o que não pertencesse ao setor público ou ao setor privado com fins lucrativos.

Por sua vez, a expressão “economia solidária” aparece em perspetivas opostas, para designar coisas muito diferentes: para uns, como expressão do referido “subsetor solidário”, enquanto para outros, como o conjunto de organizações e práticas baseadas na reciprocidade e na democracia que seriam a base de uma alternativa global ao capitalismo.

A realidade da economia social

De acordo com os dados de 2016, da última CSES (CASES, 2019), foram identificadas cerca de 72 mil entidades, distribuídas por um conjunto diversificado de atividades.

Em 2016, a economia social portuguesa representava 3% do VAB nacional e 6,1% do emprego remunerado. As remunerações pagas pela economia social constituíram 5,3% do total das remunerações, correspondendo a remuneração média neste setor a 86,3% da remuneração média no conjunto da economia.

Face a 2013, o número de entidades da economia social aumentou 17,3%, o VAB aumentou 14,6%, o emprego remunerado 8,8% e o emprego total 8,5%, registando um desempenho mais favorável do que o observado na economia nacional.

Nesse contexto, a economia social portuguesa situava-se em posição mediana no contexto da União Europeia, tanto em termos de peso do emprego remunerado, como de peso do VAB, no total da economia nacional.

No conjunto das entidades da economia social, as associações com fins altruísticos (ACFA), na sua grande maioria associações de cultura, desporto, recreio e solidariedade social, representavam 92,94% do total, sendo responsáveis por 60,1% do VAB, 64,6% do emprego remunerado (ETC) e 61,9% das remunerações. As cooperativas constituíam o segundo grupo de entidades da economia social com maior peso relativo, em termos do número de unidades, de VAB e de remunerações, enquanto as misericórdias foram o segundo grupo mais relevante em termos de emprego remunerado.

Segundo o Inquérito ao Setor da Economia Social, em 2018, existiam cerca de 20,5 milhões de cooperadores, associados ou irmãos inscritos nas entidades da economia social.

Sublinhe-se, ainda, a existência de cerca de 700 mil pessoas que participaram em atividades voluntárias sem remuneração (CASES, 2019).

Para além desta realidade, há, em Portugal, um estatuto legal de organização da área da ação social (IPSS) de que podem beneficiar as cooperativas, as fundações e as associações de solidariedade social, e que está atribuído por natureza e definição às mutualidades e às misericórdias. A designação IPSS corresponde ao acrónimo Instituição Particular de Solidariedade Social, um estatuto que permite vantagens fiscais e acesso a fundos públicos.

Em 2016, foram consideradas 5.622 entidades com o estatuto de IPSS (7,8% do total de entidades da economia social), na sua maioria na forma de associações (ACFA) e que representavam na sua globalidade, 44,2% do VAB e 63,1% do emprego remunerado, da economia social.

Como salienta Garrido (2017) “os números atestam uma dimensão económica e social assente num horizonte de cultura, numa tradição socialmente construída que importa invocar como património de futuro” e constituem “uma expressão eloquente da imersão da economia social na vida concreta das populações”. Esta evidência de forte incrustação social, traduz “uma economia de proximidade que persiste em cultivar valores lendários muito próximos do que será uma outra economia: reciprocidade, cooperação, solidariedade, responsabilidade coletiva”.

Contudo, a importância da economia social é bem maior do que aquilo que refletem os números que a espelham. Como salienta o estudo da CASES (2017), “Não obstante a sua relevância enquanto “retrato” da dimensão económica da Economia Social, a CSES constitui apenas uma visão parcial da mesma. Com efeito a análise da relevância da ES deverá passar não só pela componente económica, mas também pelo número de membros/associados e de beneficiários da atuação deste universo de entidades, pela análise de externalidades, de efeitos multiplicadores e de impactos da sua atuação, designadamente, a nível da redução da pobreza e das desigualdades sociais em território nacional, entre outras perspetivas de análise possíveis”.

Conclusão

Em termos literais ou à luz da economia política, a expressão “economia social” é redundante, porque toda a economia é social, funcionando segundo normas sociais e supondo relações sociais. Contudo, a expressão autonomizou-se para dar significado a um espaço socioeconómico heterogéneo, formado por um conjunto de atividades e práticas economico-sociais e de organizações com natureza, fins, valores e princípios específicos.

Essa diferença não está no objeto de atividade e aí há que não confundir a economia social com a economia do social ou da ação social. A economia social está presente em quase todas as atividades económicas, da agricultura aos serviços. A diferença reside na natureza das entidades, nos fins, socialmente relevantes, nos processos, no modo de organização, de governo e de funcionamento e nos valores e princípios que orientam as suas atividades económico-sociais, onde se conjugam como princípios ativos, a cooperação, a reciprocidade e a solidariedade.

Referências bibliográficas:
- CASES (2020): Inquérito ao Setor da Economia Social 2018. Coleção Estudos de Economia Social, n.º 12. Ed. CASES/INE.
- CASES (2019): Conta Satélite da Economia Social 2016. Inquérito ao Trabalho Voluntário 2018. Coleção Estudos de Economia Social, n.º 10. Ed. CASES/INE.
- CASES (2017): Conta Satélite da Economia Social 2013. Coleção Estudos de Economia Social, n.º 7. Ed. CASES/INE.
- Garrido, A. (2017): “De onde vem a Economia Social”, em CASES, Conta Satélite da Economia Social 2013. Coleção Estudos de Economia Social, n.º 7, Ed. CASES/INE.
- Namorado, R. (2017): A Economia Social e a Constituição. Economia Social em Textos, n.º 3, março 2017. Ed. CECES/FEUC.