Comemorações do Centenário
No passado mês de Outubro encerraram-se as comemorações do centenário. A exposição itinerante «Seara Nova – 100 anos de Acção e Pensamento Crítico» concluiu o seu percurso na Biblioteca Nacional, local onde também se realizou a Conferência de encerramento das comemorações no dia 15 de Outubro.
A sessão desse histórico dia começou com uma adaptação do espectáculo VITA, da Associação sentidos ilimitados, a que se seguiu a conferência que abriu com uma breve intervenção da Directora-Geral da Biblioteca Nacional, Maria Inês Cordeiro, seguida da intervenção do professor Luís Andrade, que abordou um pouco da história da Seara ao longo destes 100 anos, assim como o balanço das diversas iniciativas de carácter académico e científico que ocorreram ao longo do centenário e um pouco por todo o país.
O director da Seara, João Luiz Madeira Lopes, realçou, por sua vez, o percurso feito no concretizar destas comemorações, reforçando o papel que a Seara assume nos dias de hoje, explanado no editorial da edição de Inverno 2021:
“Sem rupturas, sem novas orientações, a Seara propõe-se continuar, honrando assim a memória dos seus fundadores e de todos aqueles que até hoje, de forma empenhada e abnegada, têm dado o melhor do seu saber à concretização do sonho dos nossos ilustres antepassados, nomeadamente procurando manter aceso o inestimável espírito seareiro que pelo carácter que desde o início assumiu se transformou em verdadeiro património identitário da Seara.
…O seu carácter de incentivador e mobilizador para as lutas pelos mais nobres ideais humanos, liberdade, democracia, fraternidade, empenhamento constante na procura de mais conhecimento, continua vivo e, no complexo mundo onde hoje habitamos, ferramenta, instrumento de trabalho que nos orienta nesta dura tarefa de continuar a levar por diante, tão exultante projecto agora com mais de cem anos.”
Encerrou a Conferência o jornalista Gonçalo Pereira Rosa. Da sua intervenção, sobre o futuro da Seara, transcrevemos a seguir algumas partes da mesma:
«Impõe-se então perguntar se o país ainda precisa de uma revista de ideias e que papel pode ter uma publicação com esse espírito na sociedade? Num país onde poucos lêem e menos ainda ousam pensar a longo prazo, parece-me que a primeira pergunta se responde por si própria.
… A Seara Nova é um exercício de pensamento lento. Sempre o foi. Suspeito que sempre o será – o seu eventual falhanço num mundo de notícias rápidas e reflexões de última hora será também o nosso falhanço enquanto sociedade capaz de superar a espuma do quotidiano e de pensar o longo prazo. De superar a polémica do dia e ponderar a tendência de longo prazo.
… Em cem anos de existência, a Seara Nova foi sempre muito clássica nas grandes áreas culturais a que se dedicou. Durante muito tempo, o conceito de Arte correspondia ao de Belas-Artes clássicas – a arquitectura, a pintura, a escultura, a música, a dança, o teatro e a literatura. A inclusão do cinema nestes temas fortes foi controversa e virulenta. Foi visto como uma cedência ao gosto rude do homem simples – dizia-se. Hoje, aceitamos sem favor o Cinema como área cultural nobre e que merece um carinho especial por parte dos programadores culturais em função da sua enorme capacidade de penetração e de assimilação. É uma das indústrias culturais mais pujantes.
Há efectivamente áreas culturais às quais não estamos a prestar atenção – da fotografia à banda desenhada, dos videogames às artes gráficas, do design à publicidade. Áreas onde podemos abrir calmamente o espectro sem com isso temermos que isso abra os portões do forte à horda de bárbaros invasores. E se o fizermos na Seara Nova, será porque sentimos que uma publicação divorciada dos gostos, estéticas e cultos dos mais jovens será uma publicação com pouco futuro pela frente.
…Há igualmente o problema do posicionamento. Vivemos hoje mais entrincheirados do que nunca na nossa tribo. Escutamos mais aqueles com que concordamos. Mostramos mais reticência quando se pronunciam interlocutores de outros campos políticos antes mesmo de estes abrirem a boca para soltar uma palavra. Neste contexto dividido, onde se posiciona a Seara Nova?
…Há uma matriz inconfundível de pensamento humanista e progressista que percorre a revista ao longo destes cem anos e que nos infunde respeito quando consultamos os exemplares históricos em papel ou no magnífico acervo digital que o Luís Andrade disponibiliza. Em quase todas as edições, pressente-se essa ânsia de ajudar aquilo a que os fundadores chamaram o “Bom Governo” e que constitui um conjunto de orientações e de causas comuns não negociáveis.
…Esse volume de responsabilidade histórica, chamemos-lhe assim, obriga-nos a respeitar o passado e a respeitar os democratas que nos precederam. Obriga-nos, de certa forma, a funcionar como contraponto a essa imensidão de think tanks, como gostam de dizer os autores anglófilos, que propõem – quantas vezes com malícia – soluções económicas e políticas que rompem os fundamentos daquilo que consideramos sagrado no regime. A Seara Nova está forçada, com as suas limitações económicas e de difusão, a exercer essa contra-influência – a combater desígnios inevitáveis, austeridades obrigatórias, recomendações fiscais, laborais e legislativas enunciadas habitualmente como soluções para um futuro radiante sempre à custa do sacrifício presente. Essa é, digamos, a linha vermelha que não podemos pisar. Somos o que somos e uma rosa cheirará sempre como uma rosa, independentemente do nome que lhe dermos, se me permitem usar a alegoria shakesperiana. Não esperemos da Seara Nova uma ruptura ideológica.
…Mas creio também que o pior que pode acontecer à Seara Nova é ser encostada, contra sua vontade, a um canto do rinque, como que declarada inapta para intervir no debate. A pluralidade de vozes, de correntes, de temas na Seara Nova é a sua condição de sobrevivência e de alternativa. Chegando a centenas ou a poucos milhares de leitores, é nossa missão, creio, sublinhar que raramente, na discussão política, há um único caminho e uma única solução. Há alternativas, há outras escolhas, há outros nomes.
…A Seara Nova tem de continuar a ser esse porto de acolhimento de opiniões, mesmo que dissonantes, se acreditarmos que um debate público melhora quando há algo a aprender com o Outro.»
A fechar a sessão o Coro Lopes-Graça, da Academia de Amadores de Música, brindou os presentes com uma mão cheia de obras de Lopes-Graça.
As comemorações dos primeiros cem anos terminaram, mas o caminho segue, alavancado pelas sinergias criadas neste último ano. Mais iniciativas associadas à Seara e aos seus seareiros estão para acontecer. Iremos delas dando conta.
Próximas iniciativas:
- Exposição “Fernando Lopes-Graça, seareiro”
17 de Dezembro de 2022 a 26 de Março de 2023, Museu da Música Portuguesa – Casa Verdades Faria (Monte Estoril)
Inauguração – 17 de Dezembro de 2022
Mesa-Redonda com Luís Andrade, Manuel Deniz Silva, Teresa Nóvoa e Joana Malta.
Momento musical com os músicos Philippe Marques e Duarte Pereira Martins.
- Edição revista e ampliada do website Seara Nova (ric.slhi.pt)
Março de 2023
- Exposição «Seara Nova – 100 anos de Acção e Pensamento Crítico»
20 de Abril a 1 de Junho de 2023, Galeria Espaço ABC (Sindicato dos Professores da Grande Lisboa)