José-Augusto França: Uma homenagem necessariamente incompleta

Numa conferência proferida em 1977 na Academia Portuguesa da História, intitulada História e Imagem, o Prof. José-Augusto França (1922-2021) lembrava justamente a função de saber olhar e ver que caracteriza o trabalho dos historiadores de arte: l´oeil écoute, dizia Claudel, e outro poeta juntaria muitos anos depois que l’oeil dit: apenas é preciso ver – e ver é difícil, como difícil é praticar a História. Para quem, na onda libertadora do 25 de Abril, acabava de renovar o ensino da disciplina ao mais alto grau universitário ao criar nesse mesmo ano o primeiro Mestrado em História da Arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (UNL), a análise daquilo a que chamou o facto artístico, nas suas componentes estéticas e sociológicas, impunha-se como o caminho certo para a prática dos futuros historiadores e críticos de arte:

«o facto artístico global introduz um testemunho irredutível, que é o da imagem, com suas leis e suas falas que só a vista ou o ver nos podem contar, escutando-as, algo poeticamente e algo cientificamente – que de ambas as maneiras há que interrogar o mundo, nos seus eventos e nas suas estruturas, nos seus significantes e nos seus significados».

Bastaria esta breve citação para se perceber o alcance qualitativo que, com a obra e o magistério de José-Augusto França, a História da Arte passou a ser encarada em Portugal não apenas como um ramo complementar da História, sem qualquer tipo de especificidades, mas como uma verdadeira disciplina científica autónoma. Tal realidade pesou de modo substantivo nas gerações por si formadas ao nível universitário e nos leitores que, desde os anos setenta do século passado, vêm lendo e usufruindo os ensinamentos da sua obra monumental.

É por isso que a figura de José-Augusto França assume a maior importância no contexto da Cultura portuguesa e no espaço de internacionalização que ajudou a abrir. O respeito que o seu nome merece, como grande historiador, crítico, ensaísta, artista e pedagogo, tanto na comunidade científica como em todos os que estão ligados aos estudos de História da Arte, ao Património artístico, à história da Cultura e à criação das artes, impõe que o seu perfil intelectual seja devidamente destacado.

Não se trata de um nome qualquer. No meu caso pessoal de seu discípulo e orientando, que ao longo de tantos anos atentou na lição inesgotável daquele que foi seu mestre universitário nos idos de 70 através da obra produzida e do exemplo de argúcia crítica e de intervenção sócio-cultural, só posso destacar o Mestre de sucessivas gerações de investigadores, críticos e artistas. O Prof. França foi não só o patriarca da História da Arte portuguesa – área de estudos que contribuiu para renovar em moldes definitivos enquanto disciplina científica, dotando-a de novas metodologias e modos de ver – como é e será sempre o grande especialista no campo da arte portuguesa moderna e contemporânea, que nos ensinou a ver em devido contexto internacionalizado.

A biografia é bem conhecida, mas justifica alguns destaques. José-Augusto França nasceu em Tomar em 16 de Novembro de 1922 (precisamente o mesmo dia em que o Prémio Nobel da Literatura, José Saramago, nasceu na Azinhaga, não longe de Tomar). Fez estudos em Lisboa e Paris, diplomou-se pela École d’Hautes Études e doutorou-se pela Sorbonne em Paris. Catedrático jubilado da FCSH-UNL, foi presidente da Academia Nacional de Belas-Artes, do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, da Association Internationale des Critiques d’Art, vice-presidente da Académie Européenne, membro honorário do Comité International d’Histoire de l’Art e da AICA, membro da Academia de Ciências de Lisboa e de outras academias em Portugal e França. Dirigiu o Centro Cultural Português de Paris da Fundação Calouste Gulbenkian e a revista Colóquio/Artes. Em 1992 recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública e a Medalha de Honra da Cidade de Lisboa. Homem da oposição anti-salazarista, com ligações à área socialista, viveu (como narra nas memórias) fases difíceis de repressão e atropelo às liberdades cívicas por parte do regime. Foi fundador em 1976, como se disse, do primeiro Mestrado em História da Arte criado no país (na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas). Não são de esquecer neste quadro as dezenas de teses de Mestrado e Doutoramento que orientou e os muitos historiadores de arte que formou. Por tudo isto o Prof. França se constitui como o melhor exemplo, independentemente da perspectiva em que nos situemos, do investigador de arte a tempo inteiro, incansável produtor de análises, ideias e teses, espécie de referência moral, plural e sempre renovada da História das Artes, das Letras e de uma cultura de partilha com exigência crítica e sentido de futuro.

Desde 1949, publicou uma vasta obra científica: são cerca de cinquenta livros, quinhentos ensaios e colaborações científicas, milhares de textos, artigos, conferências e intervenções públicas em prol da Arte, Letras, Cultura e Património. Destacam-se da sua obra imensa (com o apoio de editores como Rogério Moura, Manso Pinheiro, Manuel Aquino, Duarte Azinheira, e outros) os títulos Charles Chaplin, o “Self Made Myth” (1953), Amadeo de Souza-Cardoso, o português à força (1956), Lisboa Pombalina e o Iluminismo (1965), A Arte em Portugal no Século XIX (1966), Almada Negreiros, o português sem mestre (1974), A Arte em Portugal no século XX, 1911-1961 (1974), O Modernismo na Arte Portuguesa (1979), Amadeo & Almada (1983), História da Arte Ocidental, 1780-1980 (1987), O Romantismo em Portugal (1993), História: Que História? (1996), 28. Crónica de um Percurso (1999), Lisboa. História Física e Moral (2008) e Memórias para o Ano 2000 (2000), um grande fresco de vida, de uma vida intensamente comungada.

As Memórias para o Ano 2000 (que tiveram seguimento para a primeira década do novo milénio, mais breves embora) são um poderoso exercício de contar mãos cheias de dias, um poderoso recenseamento de uma vida de trabalho, investigação, argúcia crítica, pontuada pela imagem inspiradora de um quadro de António Pedro. Respigo um breve trecho: «… Pelo meio foram ficando terras, diversas também, das práticas do autor, como Lisboa e Paris, mas Angola também, e cem viagens, da Sicília à Noruega e a Leninegrado ainda, e do Brasil aos States e ao México, de Chinchen-Itza, e de Quioto a Goa… e muita gente nesses sítios encontrados, célebre ou mais ou menos, e monumentos e ruas, cafés e ateliers, exposições feitas e vistas, livros escritos e lidos, teatros e cinemas, universidades, congressos e academias. Sem pena. Coisas e gentes na dansa de roda que o António Pedro pintou em 1936 com máscaras de sabat, como se o fizesse para a capa deste livro».

Uma das obras de referência de José-Augusto França é, naturalmente, A Arte em Portugal no Século XX, 1911-1961 (Lisboa, 1974). Livro de alta especialização dedicado à produção artística portuguesa de Novecentos, continua a ser-nos indispensável como informação original e reflexão crítica aos estudiosos da arte e da cultura do nosso tempo. Aí analisa a arte portuguesa recente desde as propostas «modernistas» dos anos 10 até aos anos 60, terminados com a composição “Começar” de Almada Negreiros. Obra várias vezes reeditada, é de registar a preocupação do autor em que as novas edições fossem sempre actualizadas e complementadas designadamente num chamado Quadro Cronológico da Arte Portuguesa, que foi prolongado até 2000. Também se destaca, pela importância inovadora dos ensaios reunidos, o livro Amadeo & Almada (Bertrand Editora, Lisboa 1983; 2ª ed., 1986), livro que se assume como de referência fundamental pela compilação actualizada de dois estudos muito marcantes da anterior produção do autor: Amadeo de Souza-Cardoso, o português à força (Editora Sul Lda, Lisboa, 1956) e Almada Negreiros, o português sem mestre (ed. Estúdios Cor, Lisboa, 1974). E em outra das obras de referência do Prof. França, a colectânea (In)definições de Cultura. Textos de Cultura e História, Artes e Letras (Lisboa, Ed. Presença, 1997), reúne trinta e oito ensaios de crítica de artes e letras, sobre temas de cultura portuguesa à luz da teoria e da prática, escritos entre 1951 e 1996, cinco deles sobre a situação do ‘Portugal moderno’ e sobre a afirmação disciplinar da História da Arte como ciência no seio da Universidade. Respiga-se esta definição lapidar: «toda a cultura é anti-cultural stop toda a anti-cultura é cultural stop».

No campo das grandes sínteses, é tempo de recordar, ainda, que dirigiu com o malogrado Prof. Carlos Alberto Ferreira de Almeida a nova História da Arte em Portugal em 6 volumes (2002-2005) que a Ed. Presença em boa hora levou a cabo. José-Augusto França escreveu os dois últimos volumes, polemicamente titulados O Pombalismo e o Romantismo (5º) e O Modernismo (6º). Naquele ensaio, o Professor França associa dois períodos sequentes entre a reconstrução pombalina de Lisboa após o terramoto de 1755, e a arte do «largo século XIX», iniciado com a magna obra do Palácio da Ajuda. A arte de Oitocentos afirma-se de seguida através das criações do Romantismo, que deu título genérico a esta parte do volume, e que finalmente abrangeu a situação naturalista e realista até cerca de 1900. O quadro sócio-cultural do Portugal liberal envolve a arquitectura e as artes consideradas na sua significação histórica e estética, e pontuadas pelos nomes mais representativos de Sequeira, de Soares dos Reis, de Silva Porto e Malhoa, de Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro, de Ventura Terra e Raul Lino. No volume O Modernismo, é o conturbado século XX que se afirma, no caso português, nas suas fases de ruptura, afirmação e continuidade, entre constrangimentos e heroísmos…

Não deixo de citar, a propósito das sínteses estruturantes que José-Augusto França escreveu, o pequeno ensaio História: Que História? (Lisboa, Edições Colibri, 1996; reed. 2005), exaltante visão de conjunto num fresco de apenas 42 pp. que se assume como valioso discurso sobre a problemática do rigor histórico. Ao trazer à colação historiadores de variada formação e de diversa metodologia, o Prof. França lembra que «a História é feita de céu e de terra, e seja qual for a ordem de preferência, a nossa obrigação é procurar num sítio e no outro (mesmo no céu, por inocente utopia) os factos e as crenças que lá estejam, os eventos e os mitos, que eventos são, de outra ordem».

No campo da Olisipografia, em que empregou muitas energias e saber investigatório, a grande obra é, naturalmente, a monumental Lisboa. História Física e Moral (2008), onde se traça o perfil vivo e o carácter de uma «cidade contínua no tempo», unificando visões fragmentárias sobre a cidade a partir do comportamento, vaidades e devoções dos seus habitantes, tecendo uma história humanizada, vibrante e coerente, ao longo de milhares de anos de História. Como diz o autor, «intitula-se História Física e Moral esta História de Lisboa – e assim crê o autor que devem ser as histórias de todas as cidades, feitas de ruas e casas, tanto quanto de gentes que as percorrem e habitam. As pedras mortas, que se acumulam por protecção e as vivas (“ce sont hommes”, Pascal), que lhes dão sentido e necessidade, devem ser correlativas, para que a cidade exista em sua coerência. No tempo que a atravessa, os homens afeiçoam-se em engenhos e intrigas, procuram a felicidade possível, comportam-se, em suma, como seres humanos, bons e maus, ou nem isso, em seus costumes que os séculos mudam em morais e modas. E constroem por comodidade e lucro, por vaidade também, e devoção, quando foi caso disso; por necessidade de criação, nos mais nobres casos».

A propósito da vertente olisiponense nos estudos de José-Augusto França, não se pode deixar de destacar também, pelo poder de inovação do registo proposto, o livro 28. Crónica de um Percurso (Livros Horizonte, 1999), que se insere na melhor tradição da olisipografia de um Júlio de Castilho, de um Gustavo de Matos Sequeira, de um Augusto Vieira da Silva ou de um Fernando Castelo-Branco, e nos dá conta, em cores garridas, da viagem de eléctrico a empreender por velhos e novos espaços da cidade de Lisboa e que nos permite descobrir, entre os Prazeres e o Martim Moniz, entre o Santo Condestável e a igreja de Nossa Senhora da Saúde, um dos percursos lisboetas mais ricos de informação urbana e de equipamento artístico-patrimonial digno de visita. Como nos diz, «são contas do que há e do que houve, pelo tempo fora, de um lado e do outro dos carris ainda hoje montados para serviço de uma cidade que tontamente os vai perdendo».

Como teórico e promotor de ideias, França fez parte do Grupo Surrealista de Lisboa (com O’Neill e Cesariny, entre outros), um aspecto que tem sido justamente enfatizado na sua biografia dado o significado e peso histórico do movimento, tendo colaborado regularmente com crítica de arte em revistas e jornais literários portugueses e franceses (Art d’Aujourd’hui e Cahiers du Cinéma). Foi director de Unicórnio e co-director de Cadernos do Meio-Dia, editou (1951-56) as antologias Uni-Bi-Tri-Tetra-Pentacórnio e co-dirigiu (1951-53) as 2ª e 3ª séries dos Cadernos de Poesia. Significativa referência se deve ao facto de haver dirigido ao longo de um quarto de século (desde Fevereiro de 1971 e até Outubro de 1996) os 111 números da revista Colóquio-Artes, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, concebida como «espaço aberto a todos os pensamentos que reflictam os ideais e preocupações das várias gerações cuja síntese representa o momento histórico em que vivemos». Ao suspender-se a edição da revista, a Colóquio-Artes deixou um vácuo não preenchível. A sua falta nunca foi colmatada, e o seu desaparecimento foi um erro trágico. Em 2006, dez anos passados sobre o seu fim, o seu colega, fiel colaborador e amigo Rui Mário Gonçalves lembrava que o espaço de debate, informação, reflexão crítica, revelação de nomes, obras e ideias, que a revista constituía, continuava a estar inapelavelmente desguarnecido… E continua a estar…

A obra ficcional de França é igualmente extensa: Natureza Morta (romance, 1949), Azazel (teatro, 1956), Despedida Breve (contos, 1958), Buridan (romance, 2002), A Bela Angevina (romance, 2005), Ricardo Coração de Leão (1997), João sem Terra (2008), formando estes dois últimos o díptico «Duas Vidas Portuguesas». João sem Terra conta a história de João, jovem professor que em 1965 foge para Paris devido à guerra colonial, deixando terra e pátria, tornando-se um «sem terra». Seja-me permitido destacar um livro que na vasta produção de José-Augusto França retrata o mundo do autor, o estilo, a relação muito pessoal com as coisas. Trata-se de A Bela Angevina (2005), espécie de romance contra-factual que se centra cerca de 1880 no destruído Hotel du Cheval Blanc em Angers, na Bretanha, com o nosso Eça de Queiroz a regressar de cônsul em Bristol, todo ele sugerido a partir de uma misteriosa fotografia que nos revela (e esconde) uma bela desconhecida dessa Angers que vivia o auge da sua orgulhosa condição de centro de veraneio, e onde se unem a Ficção e a História, os probabilismos e a Cripto-história da Arte… a lembrar o que já algures escreveu Paul Valéry sobre «le choix du mensonge qui vous paraîtra le plus digne d’être la vérité»…

A acção de França no campo da História da Arte portuguesa é, como se disse, marcante no campo da pedagogia universitária. Ajudou a formar gerações de estudiosos, tanto na Sociologia da Arte (com o seu recorte francasteliano), como na museologia e na curadoria de exposições, e em toda a espécie de metodologias de ponta e de novos horizontes de referência. Como crítico, historiador, ensaísta, romancista, probo e sensível, irónico e mordaz, ele é, em suma, o modelo mais próximo do intelectual perspicaz, inovador e aberto à inovação, social e ideologicamente comprometido com causas, solidamente interventivo, com interesses de larguíssimo espectro. Num ensaio sobre historiadores, ideologias e métodos, lembra-nos que: «a história é feita de céu e de terra, e seja qual for a ordem de preferência, a nossa obrigação é procurar num sítio e no outro (mesmo no céu, por inocente utopia) os factos e as crenças que lá estejam, os eventos e os mitos, que eventos são, de outra ordem».

O Prof. França também foi seareiro (tal como o foi outro historiador de arte e oposicionista, o Dr. Adriano de Gusmão). Segundo o currículum da obra científica, verificamos que escreveu com regularidade, entre 1949 e 1958, nada menos que trinta e um artigos nas páginas de Seara Nova. São textos fundamentais, alguns deles, sobre a contemporaneidade da arte e da literatura portuguesas e sobre as linhas-mestras do Modernismo, justamente valiosas pela actualidade e coragem de que se revestem, em termos analíticos e críticos, numa conjuntura particularmente hostil ao pensamento livre. O primeiro artigo, em julho de 1949, versou sobre Orson Welles e o Mito da Solidão, um texto lido pelo próprio, aliás, na sessão cinematográfica do filme O Mundo a seus Pés, no Tivoli, em 21 de Junho desse ano. A exposição do pintor Jorge de Oliveira na SNBA, entre outras mostras de arte contemporânea, mereceu também uma crónica de José-Augusto França.

A colecção de manuscritos por si doados à Biblioteca Nacional em Dezembro de 2005 (com nova entrega em 2006) criou um rico fundo de investigação pública: inclui peças de António Sérgio, Eduardo Lourenço, Jorge de Sena, os arquivos de Unicórnio, Bicórnio, Tricórnio, Tetracórnio e Pentacórnio, antologias de inéditos, epistolário com Almada, O’Neill, António Pedro, Casais Monteiro, Ferreira de Castro, José Régio, Miguel Torga, Vitorino Nemésio ou Sophia de Mello Breyner. São materiais considerados «valiosíssimos» pela BNP e que integram os fundos do seu Arquivo da Cultura Portuguesa Contemporânea.

A Academia Nacional de Belas-Artes teve sempre à frente dos seus destinos homens ilustres, desde José de Figueiredo a Reynaldo dos Santos, passando por Raul Lino, a Cristino da Silva, a José-Augusto França, a Ayres de Carvalho, a Carlos Antero Ferreira, a Augusto Pereira Brandão e à actual equipa dirigente de António Valdemar, numa sucessão de valências empenhadas e laboriosas. Neste contexto, o mandato do Prof. José-Augusto França foi assaz destacado durante o triénio em que dirigiu a ANBA, depois de ter sido vice-presidente no mandato do Arq. Cristino da Silva (que por sua morte, em 1976, substituíu). Enquanto Presidente, contribuíu substancialmente para renovar a Academia no seu espírito e na sua prática, alterando estatutos, e lembrando o peso de modernistas como Almada ou Viana numa estrutura que muitos poderiam ver como obsoleta. Assim, reeditou o ‘Discurso Analytico’ de Machado de Castro, coordenou o estudo e levantamento da Sétima Colina (com o desenhador Jorge Matos Chaves e o arquitecto Frederico George, entre outros), impulsionou a saída de novos volumes do Inventário Artístico de Portugal relativos ao Distrito de Évora (da autoria de Túlio Espanca) e combateu a inércia no seio da estrutura académica, agregando novos membros e colaboradores. Deixa o cargo, findo o mandato trienal, não sem que houvesse tempo, ainda, para a malograda proposta de criação, junto do Secretário de Estado da Cultura, ao tempo David Mourão-Ferreira, de um Instituto dentro da SEC que pudesse reunir todas as Academias portuguesas, a exemplo do que sucedia e sucede com o Institut de France, no quadro de uma estrutura social renovada que, tantos anos depois, valeria a pena voltar a defender, junto ao MC, como solução de qualidade…

Como dissemos atrás, não se trata de um nome qualquer: José-Augusto França é o maior nome da História da Arte no nosso país e será sempre a referência no contexto da comunidade científica internacional. Exemplo de argúcia crítica e intervenção cívica, mestre de tantas gerações de historiadores e artistas, ele foi o verdadeiro patriarca da História da Arte – um campo de estudos que renovou em moldes definitivos enquanto disciplina científica, dotando-o de novas metodologias e modos de ver. O nosso Mestre é, por tudo isto e muito mais o homem integral que viveu – em Portugal, na Europa e no Mundo – um percurso de descobertas em que pensou, resistiu e não se submeteu, sempre em nome das artes, da cultura e da dignidade.