Nota de Leitura – “Os Presos e as Prisões Políticas em Angra do Heroísmo 1933/1943”
Este livro tem por finalidade principal contribuir para preservar a memória dos edifícios históricos, que foram utilizados como prisões políticas e, ao mesmo tempo, descrever a vida dos presos políticos nesses locais de sofrimento e horror. No caso presente, trata-se dos presídios da Fortaleza de São João Batista e do Forte de São Sebastião/Castelinho, localizados na ilha Terceira, do arquipélago dos Açores e, que, no plano geral, constituem marcos importantes a assinalar a história da ocupação e do povoamento do arquipélago dos Açores.
Do livro propriamente dito, para além da descrição do quotidiano dos prisioneiros políticos e da prepotência dos esbirros que os guardavam e torturavam, emerge também uma bem fundada descrição da arquitetura ou, se se quiser, da estrutura do regime do Estado Novo, que, como se sabe, replica, em Portugal os modelos do fascismo italiano e do nazismo. Pois bem, o livro em referência, permite uma visão objetiva e uma pormenorizada dissecação dos métodos e da crueldade do tratamento. aos reclusos pelos seus carcereiros. Digamos que o horror e a crueldade, mais do que epifenómeno de violência ocasional, decorrente do funcionamento do Estado, mais do que “uns safanões a tempo”, de que Salazar se vangloriava, tratava-se, antes, de dar expressão prática à índole e natureza do Estado fascista, pois que, como se sabe, a violência orgânica constitui um elemento estruturante de todos os fascismos.
Trata-se, portanto, de uma publicação que é um importante manancial de informação, necessária para quem deseje uma completa e fundamentada visão do regime salazarista e das suas práticas repressivas.
Obra colectiva, apresenta-se, porém, numa linguagem simples e dinâmica, permitindo, uma leitura que diríamos quase cinematográfica, quer dizer, uma leitura embebida da própria realidade viva que descreve.
Este livro constitui, assim, uma obra indispensável para o estudo da história contemporânea e para a análise sociopolítica do País, sobretudo, desde o fim da primeira República até à conquista da liberdade, em vinte e cinco de Abril de 1974.
Assim, os professores e as nossas Escolas Secundárias tivessem consciência de tal facto e pudessem dar a conhecer aos jovens as eloquentes provas de coragem e heroísmo em prol da liberdade, como aqueles que pagaram, nas infectas alfurjas das prisões políticas de Angra do Heroísmo a sua ousadia de pretenderem um país livre e democrático.
Este livro é uma publicação da URAP, na sequência de outras que têm vindo a denunciar, com relevante vigor e oportunidade, a violência assassina do salazarismo.
Mas, se o propósito primeiro deste livro é descrever a prepotência e violência sobre os presos políticos, importa recordar, no entanto, que onde há “repressão há resistência” e, então, este livro constitui também uma homenagem a todos os que procuram não deixar apagar a Memória dos tempos negros do fascismo e daqueles que arrostando os maiores sacrifícios, inclusive o sacrifício da própria vida, nunca deixaram de lutar contra a prepotência, as perseguições e a perversa realidade do regime fascista e, sem desfalecerem, se mantiveram dedicados e firmes, na luta pela liberdade e a democracia.
Para além da introdução, ela própria, um notável documento e uma síntese da obra publicada, o livro vem organizado por capítulos, versando casos concretos, ilustrados por vasta documentação, cuja leitura fornece ao leitor múltiplos exemplos da perversidade do fascismo.
O livro apresenta ainda uma vasta relação do nome dos prisioneiros e as prisões políticas de Angra do Heroísmo.
De notar ainda que o livro é ilustrado por poemas de diversos poetas designadamente, Carlos de Oliveira, Fernando Pessoa, H. Santos Bastos, Jaime Cortesão, Miguel Torga, Armindo Rodrigues, Glória Marreiros, Joaquim Namorado e José Carlos Ary dos Santos.
Simbólico o Poema de Fernando Pessoa, que constitui um autêntico libelo sobre a construção do fascismo salazarista, ao mesmo tempo que esclarece de forma insofismável a sua posição crítica e condenação que faz do chamado Estado Novo.
Em jeito de conclusão fica um poema de Carlos de Oliveira, O Viandante, (Mãe Pobre, 1945):
Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.