Aveiro e o 3º Congresso da Oposição Democrática
Há 50 anos – de 4 a 8 de Abril de 1973 – foi a cidade de Aveiro palco de uma grande e histórica jornada – o 3º Congresso da Oposição Democrática que tão vastas repercussões veio a ter no desenvolvimento da luta antifascista, como é sabido.
Mas porquê em Aveiro? Segundo o historiador José Manuel Tengarinha: “Havia razões locais e circunstanciais óbvias, como a de as autoridades distritais e concelhias terem tido frequentemente uma atitude menos agressiva do que a habitual para com a Oposição e até se revestirem, por vexes, de algum verniz liberalizante.
Mas havia também outras razões, sem dúvida mais fundas.
Em primeiro lugar, tinham a ver com a existência de um grupo relativamente numeroso de democratas na cidade e no distrito que eram o motor das iniciativas. Reuniam condições singulares. Para além da sua lucidez e invulgar cultura política, sempre mostraram uma característica marcante: tolerantes no relacionamento entre si e, para além dos diferentes campos político-ideológicos em que se situavam, era neles dominante a preocupação de unidade na acção contra o fascismo”.
E acrescenta:
“Mas havia ainda outras razões, digamos estruturais, que se prendiam com a formação predominantemente liberal das suas gentes: uma certa temperança e equilíbrio de comportamentos, num corpo central de ideias inequivocamente anti-autoritário. Era essa a atmosfera que se respirava na cidade e numa boa parte do distrito, em relação recíproca de influência com o esclarecido grupo de democratas.
Sem esforço, podemos relacionar este fenómeno com o passado de lutas pela liberdade em que a história de Aveiro é tão rica”.
A organização do 3º Congresso da Oposição Democrática em 1973, fruto do esforço esclarecido de centenas de democratas espalhados por todo o país, e cuja contribuição foi decisiva para o êxito alcançado, foi, na sua fase inicial, desde o requerimento ao Governo Civil de Aveiro e depois na própria estruturação do evento, obra de um reduzido número de pessoas – 9 no seu todo – que vieram a constituir a Comissão Executiva, eleita em reunião plenária dos democratas do distrito de Aveiro. Desse grupo inicial já partiram Álvaro de Seiça Neves, João Sarabando, Manuel de Andrade, Mário Bastos Rodrigues, Carlos Candal, Joaquim da Silveira, Flávio Sardo e António Regala – dos nove só resto eu.
No momento em que celebramos esta data justo é recordar o papel relevante que eles tiveram no seu arranque e consolidação, especialmente Álvaro de Seiça Neves, quando, já corroído por terrível doença, liderava com entusiasmo inexcedível os trabalhos preparatórios, liderança que assumiu sempre com impressionante determinação que galvanizava todos os que com ele privavam. E, se Mário Sacramento, essa figura insigne de democrata e homem de letras, foi o carismático impulsionador do 1° e 2° Congressos Republicanos, Álvaro de Seiça Neves foi o dinamizador e principal dirigente da organização do 3° Congresso.
Da galeria de pessoas que ao longo da vida me habituei a admirar, direi até a venerar, a figura de Álvaro de Seiça Neves assume-se como um dos maiores vultos.
Privei com ele de perto durante anos. Fui seu companheiro em muitas e variadas iniciativas, quer antes quer depois do 25 de Abril. Constatei com frequência a inteligência das suas intervenções, a coerência das suas atitudes, e a firmeza do seu carácter. Mas a qualidade que nele mais apreciava e suscitava a minha incontida admiração era a sua total e abnegada devoção à causa da Liberdade e da Democracia.
Em tempos de vitória e de festa é fácil encontrar pessoas sempre dispostas a participar e a glorificar esses momentos de alegria.
Mas quando em tempo de borrasca, em “tempos de solidão”, já não é fácil encontrar muitos desses diligentes guerreiros.
Quando ainda durante a chamada noite fascista por vezes o cansaço ou até o desânimo assaltava alguns dos companheiros, era sempre o Álvaro de Seiça Neves a chamar-nos à luta, a incentivar-nos ao combate. Isto quando já a terrível doença que acabou por o vitimar lhe causara danos irreversíveis na sua saúde e grande limitação na sua mobilidade,
Álvaro Neves era sobretudo um grande coração. Dadivoso, franco, amigo do seu amigo, a todos motivava pelo exemplo, pelo denodo e persistência com que impregnava a sua acção política.
Era exímio na arte da persuasão, mas sempre no respeito pela opinião dos outros. Aliás muito do mérito que algumas das iniciativas dos democratas de Aveiro lograram obter, como os Congressos Republicanos e da Oposição Democrática, se devem ao espírito da tolerância e à capacidade que Álvaro de Seiça Neves soube imprimir à sua acção política, num misto de pedagogia e proselitismo.
Com ele não houve lugar a sectarismos. Dele se poderá dizer que foi sempre um campeão na luta pela unidade dos democratas e a ele se deve muito do espírito fraterno e plural que os democratas aveirenses cultivaram com orgulho e que muito contribuiu para o prestígio da nossa região.
Ao assinalarmos o 50º aniversário de um acontecimento tão importante como foi o 3º Congresso da Oposição Democrática na vida dos portugueses justo é sublinhar o papel decisivo daquele que foi o seu principal impulsionador: Álvaro de Seiça Neves.