Sal da Terra – “A nossa Varanda”
Sentados naquele local extenso a que, com muito carinho, o Professor Eduardo Lourenço o chamou de “Uma imensa Varanda sobre o Índico”, apreciámos tudo o que nos era oferecido pela Natureza, pelo oceano, pelos seres do Mundo e outros mais.
Moçambique (essa varanda imensa), debruçada sobre o misterioso oceano, por onde caravelas o atravessaram desde o século XV, chorou muitas lágrimas, engoliu outras, lambeu as feridas e as cicatrizes sulcadas na pele como marcadas a ferro quente. Alturas há em que, essas mesmas marcas, se abrem e recordam-lhe o quão difícil foi ter de ver e lidar com o que nunca imaginou ser possível. Naufrágios, mortes, presos nos porões dos negreiros e não só; mães chorando agarradas às grades da varanda, arrancando os ralos cabelos, com fé de que um dia veriam as caravelas dar meia volta e descarregar a carga ilícita e desumana num outro ancoradouro na imensidão sem fim desse areal que ela possui…
A Varanda nada diz; mantém-se impávida e serena, apesar de magoada, apreciando os novos predadores do local onde os seus olhos repousam – o seu Índico. Hoje, a carga mudou de género; não é composta de seres com olhar de saudade de quem tem de partir e deixar o local onde, durante anos, se sentiu feliz. Agora a mercadoria é composta de brilhantes, vapores no ar, florestas, filhos do mar e outras coisas escondidas no fundo das águas, que ele próprio até desconhecia de quão rico era dessas espécies.
De tão grande, ela continua intacta e ainda é essa “imensa Varanda do Índico”. Envelhece, com algum desgosto na alma sem denunciar a idade. Sempre jovem. Aprecia o nascer e o pôr-do-sol todos os dias, desde há séculos. Regalou-se com os inúmeros invasores de muitas nacionalidades que a invejavam pela beleza e riquezas. Eles, sim, digladiaram-se, mataram e morreram… Ela continuou senhora de si; rindo, chorando, sofrendo as atrocidades a que a sujeitaram e ainda o fazem, mas sempre cheia de esperança.
Por enquanto, vai sorrindo aos navegantes, impressionando-se com os predadores dos seus corais e de toda a sua fauna marinha. Nunca deixará de ser a silenciosa Varanda sobre o Índico.
Tarsília Teixeira
(1950)
Técnica Superior do Gabinete das Relações Internacionais do Ministério da Cultura (aposentada)