AS RECENTES ALTERAÇÕES AO CÓDIGO DO TRABALHO

A Lei nº 93/2019, de 4 de Setembro, procedeu a algumas alterações positivas ao Código do Trabalho (CT), nomeadamente, nos contratos de trabalho a termo e temporários, no banco de horas individual e na formação contínua.

Assim, a contratação a termo no início de funcionamento das empresas ou estabelecimentos só é permitida nos dois anos posteriores, quando aquelas tenham menos de 250 trabalhadores, além da contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração.

A duração dos contratos a termo certo foi limitada a dois anos e nos contratos a termo incerto a quatro anos. Acresce que a duração total das renovações não pode exceder a do período inicial dos contratos a termo certo.

Do mesmo modo, os contratos de trabalho temporário a termo certo só podem ser renovados até seis vezes e passam a incluir obrigatoriamente informação sobre o motivo da celebração do contrato de utilização entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora.

Também, será eliminado o regime do banco de horas por acordo individual a partir de 4 de Setembro de 2020, embora se mantenha o banco de horas grupal que permite o aumento do período normal de trabalho até 2 horas diárias, 50 semanais e 150 por ano, desde que a proposta seja aceite em referendo, pelo menos, por 65% dos trabalhadores. Nas microempresas, o referendo é efectuado sob a supervisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT).

O direito à formação contínua foi aumentado de 35 para 40 horas por cada ano, embora se mantenha a cessação do respectivo crédito que não for utilizado no prazo de 3 anos.

Diferentemente, foram introduzidas alterações negativas, mormente, o alargamento do prazo de 180 dias do período experimental aos trabalhadores que “estejam à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração”, ainda que, agora, seja, também, reduzido ou excluído por estágios profissionais para a mesma actividade no mesmo empregador.

É chocante que esta precarização incida, particularmente, sobre os jovens que pretendem entrar no mercado de trabalho e os trabalhadores desempregados há mais de 12 meses, prolongando a incerteza e a ansiedade causadoras de graves danos morais. De resto, o prazo de 180 dias nem sequer está dependente do acordo dos trabalhadores, contrariamente aos regimes de Espanha, França e Itália.

Acresce a agravante de os trabalhadores em causa não receberem qualquer compensação pela cessação dos contratos na vigência do período experimental, ao contrário da caducidade dos contratos a termo.

É evidente que o empregador não precisa de 180 dias para apreciar as qualidades profissionais de todos os trabalhadores,

sobretudo, com o recurso generalizado a novas tecnologias, quando não exerçam “cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham especial qualificação (…) ou desempenhem funções de confiança”.

O alargamento do prazo do período experimental para 180 dias conflitua com a garantia da segurança no emprego, uma vez que essa restrição viola o princípio constitucional da proporcionalidade,

por não ser, manifestamente, adequada, necessária e razoável, contra o preceituado nos artigos 18º, nº 2 e 53º, da Constituição.

O Regime Jurídico do Contrato de Trabalho (LCT), de 1969, é que previa o trabalho eventual durante 6 meses, antes do contrato de trabalho permanente.

Outrossim, a mesma norma viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 59º da Constituição e não se harmoniza com o princípio da organização do trabalho em condições dignificantes por forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.

Citando os Professores J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “cabe também no âmbito de protecção de direito à segurança no emprego a limitação e disciplina do período experimental” (Constituição da República Portuguesa Anotada).

Por outro lado, a generalização dos contratos de trabalho de muito curta duração, anteriormente limitados à actividade sazonal agrícola e a eventos turísticos, tal como o aumento da duração para trinta e cinco dias, contrariam o propósito de reduzir a segmentação laboral, sobretudo, nas micro e pequenas empresas, propiciando o trabalho informal, ao arrepio dos mesmos princípios da segurança no emprego e da igualdade. De resto, a duração inicial de uma semana já tinha sido aumentada para 15 dias, mantendo-se a duração máxima acumulada de 70 dias por ano.

Além disso, já é admissível a celebração dos contratos de trabalho a termo certo por prazo inferior a 6 meses nas situações temporárias, como é o caso de substituição de trabalhadores, acréscimo excepcional de actividade, tarefa ocasional ou serviço de curta duração.

Por outro lado, a prestação do trabalho intermitente não pode ser inferior a 5 meses a tempo completo, por ano e o período mínimo de trabalho consecutivo é reduzido para 3 meses.

Lamentavelmente, mantêm-se as alterações negativas introduzidas pela Lei 23/2012, de 25 de Junho, nomeadamente, a redução de 50% dos valores dos acréscimos às retribuições do trabalho suplementar e em dia feriado.

Como não foi revogada a diminuição da compensação de um mês para 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade nos casos de despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho e para 18 dias por ano em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo.

Também, não foi repristinada a norma que previa o aumento da duração do período de férias para três dias de férias até ao máximo de uma falta ou dois meios dias, para dois dias de férias até ao máximo de duas faltas ou quatro meios dias e de um dia de férias até ao máximo de três faltas ou seis meios dias.

Igualmente grave é a manutenção do regime de sobrevigência e caducidade de convenções colectivas que viola o direito à contratação coletiva, garantido no artigo 56º, nº 3, da Constituição.

Na verdade, a contratação colectiva foi gravemente afectada com a caducidade das convenções após o decurso de três anos subsequentes à sua publicação ou denúncia, com a consequente perda de direitos e regalias, excepto a retribuição, a categoria, a duração do trabalho, o regime de proteção social e, agora, os efeitos acordados em matéria de parentalidade e de segurança e saúde no trabalho.

O prazo de sobrevigência, após denúncia fundamentada, poderá ser suspenso por um período até 4 meses  por decisão do Tribunal Arbitral.

Igualmente, a adesão individual dos trabalhadores a convenções colectivas contraria manifestamente, o mesmo direito de contratação colectiva das associações sindicais, contribuindo negativamente para a individualização das relações laborais.

A situação económica e financeira mundial tem facilitado a precarização e a desregulação do trabalho. Em Portugal, têm aumentado os contratos a termo, de trabalho temporário, de muito curta duração, de teletrabalho e outsourcing e abundam os falsos contratos de prestação de serviços e o trabalho informal.

Entre os danos causados pela precariedade laboral, salientam-se os baixos salários, assédio moral, pobreza, doença, sinistralidade laboral e diminuição da natalidade.

Apesar disso, persistem a intolerável falta de fiscalização da ACT, bem como os valores irrisórios das coimas aplicáveis às infrações laborais, as quais deveriam ser criminalizadas em função da sua gravidade.

Não basta proclamar a dignidade da pessoa humana e a adaptação do trabalho à pessoa, que são princípios matriciais da Constituição do Trabalho. O Estado deve regular o trabalho para que haja justiça e respeito pelos direitos fundamentais e princípios do Estado de Direito Democrático.