Recursos e Impactos Ambientais
Recursos, produção e impactos
Ao longo do século XX, o volume de materiais anualmente extraídos da natureza (biomassa, minerais e rochas industriais, minérios e combustíveis fósseis) aumentou 8 vezes, a ritmo superior ao do crescimento populacional (que foi 4 vezes), atingindo 60 mil milhões de toneladas em 2000. A intensidade de utilização de materiais, a taxa metabólica, duplicou, atingindo 12 toneladas por ano per capita. Entretanto, a actividade económica, aferida em termos de PIB, cresceu ainda mais rapidamente, 22 vezes, de modo que a intensidade material (toneladas per unidade de PIB) declinou para metade. Entretanto, no último meio século o volume do comércio internacional de materiais triplicou. Em que se suporta o “crescimento económico”?
O tema é complexo e a sua apreciação é obscurecida por ignorância e por manipulação. A começar pelo PIB como parâmetro de avaliação do desempenho económico; é uma construção que incorpora diversos insumos numa fórmula que não é universal e estável. Quanto aos impactos ou pressões ambientais que resultam da actividade económica, eles assumem múltiplas formas, umas evidentes outras insidiosas. Sob o ponto de vista de produção: extracção ou captura de água, materiais, combustíveis, fluxos de energia, ocupação de terra com apropriação de solos e biomas nela suportados, e destroçados por descarga de resíduos e emissão de poluentes. Recursos que vão escasseando delapidados num planeta finito. E enquanto isso, a assimetria na distribuição de rendimentos aprofunda-se entre países e entre classes sociais.
Seguindo esta trajectória, continentes ditos subdesenvolvidos não atingirão nunca o nível de vida do cidadão médio no mundo de hoje. Não é destino, é desígnio de classes privilegiadas instaladas no “centro do mundo”.
É o crescimento económico sustentável?
O discurso do desenvolvimento sustentável ou verde domina as análises e propostas das autoridades políticas (OCDE, União Europeia, ONU, Banco Mundial, etc.) e dos fazedores de opinião na comunicação social. As propostas mais concretas afirmam o propósito de realizar o “crescimento económico” sem agravar o correspondente “impacto ambiental”. Ou seja, desacoplar o crescimento do consumo e acumulação humanos do correspondente consumo e depauperação de recursos naturais. A criatividade vai engrossando o elenco de “objectivos do desenvolvimento sustentável”. Porém, numerosas análises e críticas comprovam a fragilidade das abordagens preconizadas e revelam a falência dos pressupostos teóricos.
Um desacoplamento pode ser relativo (quando o impacto ambiental por unidade de produto é atenuado) ou absoluto (quando o impacto por unidade de produto é mesmo revertido). O desacoplamento absoluto requer pois que não só a proporção entre impacto e produto diminua, como também que o impacto diminua não obstante o crescimento do produto. Tais casos são excepções.
Dada a densa ramificação de trocas comerciais no presente nível de globalização, um dado produto incorpora impactos de insumos a montante (matérias primas e seu processamento) e impactos de outputs a jusante (aterros e reciclagem de fim de vida) do ponto onde o consumo tem lugar. O que significa que a avaliação deve ser geograficamente abrangente.
Assim, também importa que a escala de tempo seja considerada. Pretende-se que o desacoplamento seja permanente. Atendamos aos períodos recentes da evolução na China e nos EUA. Os deslocamentos de aprovisionamento de energia primária do carvão para petróleo e gás natural na China, e do petróleo para gás natural nos EUA, permitiram o abrandamento das emissões de carbono nesses países sem prejuízo da continuação do crescimento do produto (PIB), ou seja, um desacoplamento, todavia, relativo e transitório.
O desacoplamento importa seja global e permanente. Uma análise que se circunscreva a um país ou continente e sobre um período de poucas décadas, poderá sugerir ilusões e levar a conclusões precipitadas.
E adicionamos, importa sejam suficientemente próximos, isto é, suficientemente rápidos, evitando que no entretanto quer recursos naturais se tornem escassos e inacessíveis quer a degradação de sistemas naturais – climáticos, ecossistemas – atinjam limiares de transições irreversíveis.
O consumo de matérias-primas minerais. No início da década de 90 foi pressuposto que o crescimento económico conduziria à redução das pressões ambientais; com a evolução tecnológica os impactos agravar-se-iam, primeiro, mas para declinarem mais adiante, descrevendo uma “curva de Kuznet”. O desacoplamento do crescimento económico versus impacto ambiental significaria o crescimento material sem o custo de degradação ou desastre ecológico. Essa intencionada fé seria desmentida por numerosos estudos de caso.
Seria óbvio e depois substantivamente demonstrado que o crescimento do produto (PIB) está necessariamente suportado no crescimento do consumo agregado de materiais. Ao longo do século XX a população quadruplicou, e adicionando a essa pressão, a intensidade material do produto (PIB anual per capita) aumentou 60%. E nos últimos quarenta anos o uso global de materiais continuou a crescer mais rápido que o crescimento demográfico, triplicando.
Países afluentes podem exibir ritmos de desacoplamento relativo mais rápidos; mas contabilizando o desempenho na base dos consumos, ao incorporar o deslocamento geográfico de custos, esse desacoplamento revela-se aparente. A contabilização do produto incorporando os insumos de além fronteira (pegada ecológica) anula o meramente aparente desacoplamento relativo de UE-27, OECD, EUA, Japão e Reino Unido.
As trocas comerciais beneficiam as potências económicas e subvertem a vantagem do acesso directo aos recursos naturais. O comércio mundial reflecte assim a herança e a lógica exploradora da época colonial.
O recurso energia. A energia é a entidade física responsável pela transformação; e conservando-se, parte é “consumida” no processo produtivo (eficiência), enquanto a restante se dissipa na natureza (impacto). As fontes primárias de energia (stocks e fluxos) disponíveis compreendem: radiação solar, energia hidráulica e eólica; energias oceânicas; combustíveis fósseis e biomassa; energia geotérmica; energia nuclear.
A relação entre PIB e consumo de energia é estável, ambos evoluindo monotónicamente a intensidade energética constante. Têm sido relatados casos de desacoplamento relativo do consumo de energia primária ou de energia final. Todavia, o desacoplamento de insumos energéticos (tal como de insumos materiais) numa região, coexiste em regra com reacoplamento noutra região, mediada pelo comércio internacional. De tal forma, que a variação da intensidade de energia final incorporada no produto de um país, aparece atribuível a variação contrária no produto de outros países.
Tal como as interligações geográficas, as interligações sectoriais permitem alcançar o desacoplamento de certos sectores económicos. Mas nenhum país conseguirá atingir o desacoplamento absoluto da energia final consumida por toda a sua economia.
O consumo do recurso água. Bastantes países conseguiram no último meio século desacoplamento relativo do crescimento económico do respectivo consumo de água. Na China, o consumo de água manteve-se constante enquanto o produto económico cresceu acentuadamente. A Austrália conseguiu mesmo o desacoplamento absoluto, com redução do consumo de água enquanto incrementando o produto económico. Estes importantes ganhos de eficiência foram até ultrapassados por outros países. Países em vias de industrialização podem conseguir reduções de consumo de água reduzindo ou reafectando produção agrícola. Todavia, o decréscimo num sítio é mais do que neutralizado pelo acréscimo num outro. E ganhos de eficiência na agricultura não evitam (pelo contrário encorajam) efeito de ricochete – o incremento líquido do uso de água.
No plano global, estima-se que no último meio século o consumo humano de água aumentou de entre 180 a 250% por força da expansão do consumo na agricultura irrigada.
Mais do que noutros sectores, os fluxos “virtuais” de água incorporada nas transações mundiais de produtos agrícolas (senso lato), se não contabilizados, conduzem a conclusões precipitadas. Um comércio assimétrico determinado mais em benefício de importadores do que exportadores. E sendo a água um caso especial, por ser imediatamente essencial à vida e saúde humanas, assim como aos ecossistemas naturais – florestas, áreas húmidas e pastagens – partes integrantes do ciclo planetário da água.
O uso da terra. Até há dois séculos atrás a “terra” ou seja o solo com seu coberto vegetal, subsolo e água, e respectivos ecossistemas, constituíam o “capital” natural da economia. Modernamente, o crescimento económico surge associado a crescente ocupação e impermeabilização de solo e a exploração de recursos da terra. Ao longo do passado século, enquanto a população mundial aumentou 4 vezes e o produto global 17 vezes, a “apropriação humana da produção primária líquida” apenas duplicou. Notoriamente a expansão da produção agrícola é predominantemente deslocalizada, tal que 60% do produto do uso da terra é destinado à exportação, sendo os países de rendimento mais elevado os maiores importadores. Assim: 90% do solo requerido para aprovisionamento agrícola do Japão não é seu território; no caso da União Europeia mais de 50%, tal que a pegada agrícola de um europeu é 2,5 ha, o dobro da média mundial.
A produção agrícola condiciona a ocupação humana e implica variadas pressões ambientais (água, biomas, paisagem), pelo que o comércio internacional se repercute nessas várias dimensões, e os custos ecológicos associados não são apagados mas sim deslocados de país para país, incluindo os impactos do uso de agentes químicos e biológicos. Produção mais barata em economias emergentes está associada a mais elevados níveis de extração de água para irrigação. Porém, extração a montante significa não só consumo produtivo como também retorno e descarga, exacerbando problemas regionais relacionados com a qualidade de água. A acumulação de azoto e fósforo, os principais fertilizantes consumidos na produção agrícola intensiva, cujo uso aumentou respectivamente 8 e 3 vezes no último meio século, contribuem para a degradação da água por eutrofização, com graves danos sobre ecossistemas contíguos. Acresce a continuada pressão exercida pela deflorestação e a degradação de habitats naturais sobre a biodiversidade e o declínio de espécies vivas a ritmo superior ao seu ritmo histórico. Estudo recente sobre espécies ameaçadas constata que quase todos os grupos taxonómicos, com a excepção das aves, estão ameaçados.
Emissão de gases com efeito de estufa (GEE). Os estudos realizados até ao presente revelam que a tendência mais geral nos países mais desenvolvidos é o crescimento de emissões ou a estabilização a nível elevado, sem prejuízo do decréscimo verificado em alguns outros países. Estudos de caso de âmbito regional e sem ponderação das transações comerciais, podem conduzir à ilusão de desacoplamento absoluto. Na União Europeia, mesmo havendo aproximação ao desacoplamento absoluto das emissões, o ritmo a que tal se verifica está a desacelerar, longe do cumprimento de metas fixadas nos Protocolos da UNCCC. O que não impede que a Comissão Europeia afirme ter a União Europeia conseguido nas últimas décadas desacoplar a emissão de GEE do crescimento económico. Acontece que tal documento se alicerça apenas nas emissões territoriais, e não as incorporadas no comércio internacional. O decréscimo de 13% em emissões territoriais, em 1990-2010, vira então em acréscimo de 8% na correspondente pegada de carbono.
Fontes e vectores de energia: passado e futuro
No longo prazo o consumo global de energia primária aumentou a taxa próxima de 2% ao ano.
À parte o fluxo permanente de radiação solar e os fluxos destes derivados (hídrico, eólico, correntes e ondulação marítimas, fotossíntese de biomassa, …), a energia gravítica (marés) e o calor geotérmico, a biomassa e diferentes formas de energia fóssil têm satisfeito o essencial da procura de energia primária ao longo dos últimos séculos, compartilhando a oferta global em termos descritos pelo modelo logístico. Biomassa, depois carvão mineral, petróleo bruto e gás natural emergiram sucessivamente, cada um cumprindo o seu próprio ciclo de vida de 200 a 300 anos, descritos por evoluções logísticas, e mais do que substituindo-se sobrepondo-se, para satisfação do crescente volume de procura, até agora imparável.
Assistimos agora ao crescimento da participação do gás natural no aprovisionamento global de energia. Um processo lento que requer investimento pesado na pesquisa, desenvolvimento e transporte sobre longas distâncias. Em todo o mundo, a extensão de gasodutos tem crescido logisticamente apontando para uma extensão limite da ordem do milhão de km ao longo de um período de cerca de 45 anos. O transporte naval de gás liquefeito NGL cresce também, tanto no tamanho da frota quanto na quantidade anual de gás embarcado, uma evolução relativamente recente com período de extensão e nível de saturação ainda incertos. A procura de gás natural tem sido pressionada pelos constrangimentos naturais e institucionais que têm desacelerado a capacidade de produção de petróleo e consumo de carvão.
Poderá surpreender, no actual quadro de discursos padrão sobre Alterações Climáticas e Descarbonização da Economia, constatar o facto objectivo de a descarbonização ser o percurso prosseguido pela Humanidade nos últimos séculos. Desde a Pré-história até ao início da Revolução Industrial a economia esteve inteiramente depende do fluxo de energia solar, que por sua vez gera biomassa (incluindo alimentos, lenha, produtos químicos, materiais como madeira, fibra, etc.), e de fluxos atmosféricos e marítimos (força motriz e transporte naval), e energia e trabalho (calor de combustão e força motriz hídrica, eólica e animal). A exploração da “terra” para a produção de biomassa por via fotossintética ofereceu pois a possibilidade de obter combustíveis. A biomassa uma vez seca (privada de toda a água que contem) reduz-se a carvão vegetal, puro carbono (razão atómica H/C = 0). O carvão mineral (biomassa processada pelos agentes e tempo geológicos) exibe razão atómica H/C próxima de 1 e o petróleo 2. Já o gás natural, constituído essencialmente por metano, exibe razão H/C próxima de 4. O mix de fontes de energia primária exibiu ao longo dos séculos uma evolução também logística – um processo lento com três séculos de tempo característico que vai de H/C = 0 para H/C = 4. A qual sugere que, no prosseguimento da tendência passada, a tendência aponta agora para a introdução progressiva de fontes de energia primária sem carbono. Entretanto, de 1900 a 2000, o ratio H/C no aprovisionamento global de energia primária saltou de menos de 1 para mais de 2 – de uma economia suportada na lenha e carvão para a actual sobretudo suportada no petróleo e gás natural. Uma persistente trajectória de descarbonização.
O hidrogénio aparece como vector de energia historicamente determinado para no limite substituir o carvão, os refinados de petróleo e o gás natural. Todavia, o recurso futuro a novas fontes primárias não exclui opções válidas de vectores carbonados, obtidos por combinação do hidrogénio com carbono (reciclado) em combustíveis sintéticos.
Novas fontes de energia primária deverão assumir maior protagonismo no aprovisionamento global. A primeira opção é o fluxo de radiação solar, e outros fluxos desses derivados, convertidos em electricidade, calor e combustíveis.
Outras opções óbvias são a fissão nuclear (base de recursos urânio e tório) e a fusão termonuclear (base de recursos hidrogénio e lítio).maria