Cinema – “Dor e Glória (Dolor y Gloria)”

Realizador: Pedro Almodóvar Intérpretes: Antonio Banderas, Penélope Cruz, Asier Etxeandia, Leonardo Sbaraglia (Espanha, 2019)

A história baseia-se na própria vida de Almodóvar o que não exclui a ficção cinematográfica.

Salvador Mallo (admirável actuação de Antonio Banderas) é um cineasta famoso que atravessa uma violenta crise existencial e artística.

Fechado no seu luxuoso apartamento-museu, sente-se perdido, destroçado.

Para aliviar as muitas dores físicas de que sofre consome heroína. É também uma forma de, ao mergulhar num estado letárgico, se evadir dum mundo sombrio, duma vida que lhe parece enfadonha, vazia, sem qualquer interesse.

No entanto luta por sobreviver. Fugindo do presente refugia-se nas recordações do passado: a casa-caverna onde vivia com a mãe na infância e que lhe parece cheia de magia, a jovem e bela mãe alegre, sorridente que canta enquanto lava a roupa no rio, os afectos que o rodeiam sublimados na sua paixão pelo desenho.

Todo o filme, aliás, assenta nas emoções, no desejo, na ternura, no amor.

Duas cenas são reveladoras do que afirmamos.

Uma passa-se na infância, quando Salvador com 9 anos descobre pela primeira vez o corpo nu dum jovem de belas formas e musculatura, que se lava na cozinha, após os trabalhos que faz na sua casa.

A contemplação do excesso de beleza desperta-lhe um intenso desejo sexual e a sensação é tão forte que ele cai desmaiado como se fosse fulminado por um raio.

Só a sua mãe compreendeu o que se passara.

A outra cena ocorre no presente.

No palco dum teatro um actor recita um monólogo escrito por Salvador, “A Adição”. Fala-se de criação artística de cinema e de amores perdidos.

Na sala senta-se Frederico, também actor, antigo amante do cineasta. Os olhos deste espectador enchem-se de lágrimas quando reconhece nas palavras ditas a sua própria história vivida com Salvador. Subjugado pela emoção o desejo reacende-se, embora tivessem já passado muitos anos.

Glórias vividas e dores sentidas irão reconciliar-se no final, devido ao êxito teatral do monólogo da sua autoria, o que o liberta da profunda depressão.

Toda a narrativa, que tem poucos exteriores, onde cores e formas se conjugam em harmonia, prende emocionalmente o público, interessado em seguir até ao fim esta história tocante, simples e transparente.

Para Almodóvar, dor e glória são as duas faces dum mesmo desejo: criar arte e fazer cinema sempre e sempre.