Sal da Terra – “UM SORRISO “FREAK””

A SEARA NOVA inicia uma nova rubrica, que estamos certos muito irá valorizar o mérito das suas habituais publicações e alargar o seu espaço de intervenção para além da esfera estritamente política.

Procura-se que, mediante solicitação, escritores e poetas possam trazer, às páginas da SEARA NOVA, pequenas crónicas ou, se quiser, singelos apontamentos do quotidiano, um quase-nada, pequenos detalhes que, de tão densos de significação, permitam, qual breve centelha, iluminar a vida e dar esperança ao Futuro. 

Em óbvia evocação do Padre António Vieira, a rubrica vai chamar-se “O Sal Da Terra”, porquanto, como o eminente vulto da cultura portuguesa proclama também, hoje em dia, como no passado, são, ou deverão ser, os escritores e poetas, o pequeno “grão” que preserva e defende a dignidade da vida. 

Como o Sal é imune à corrupção da vida.

A Redacção

UM SORRISO “FREAK”

Gosto de pessoas. Por vezes próximas, respirando ao mesmo ritmo!.. Outras (quase sempre) apenas momentos, riscos de acaso, meteoritos intensos na solidão da cidade. Uma viagem de autocarro (ou de metro) é sempre uma revelação inesperada. Pequenos nada que nos perseguem (momentos, horas, dias?) e que exigem que os soltemos, de tão intensos…

Gosto de gente anónima. De seus rostos. Da linguagem subtil dos seus gestos. Do seu porte. Do pulsar do meu Povo!…

Por vezes, a cor desânimo, toma o sangue. O cepticismo cria raízes e uma ironia triste ocupa o espaço da esperança. Porém, do meio da multidão, surgem tantas vezes, sem nos darmos conta, uma imagem, o resto de uma carícia, uma ternura, uma beleza inesperada que humanizam e reconfortam. Que nem sempre estamos disponíveis para ver e que, outras vezes, guardamos como refrigério de alma…

Falo-vos de uma viagem de autocarro entre o Rossio e o Cais de Sodré. Na curta distância, cenas dignas de um pintor impressionista – o melhor e o pior de um Povo concentrado no escasso espaço de um autocarro, à hora de ponta. Nada que seja diferente de outras viagens.

Até que…

Uma jovem mãe, de rosto trigueiro e olhar apaziguado, entrou, aconchegando no colo uma criança de escassos meses. Sozinha, face às intempéries e aos balanços da vida, ali bem simbolizados nos apertos e balanços do autocarro. Um jovem, de brinco na orelha e crista de galo loira, cede-lhe o lugar (no meu íntimo, um sorriso freak!)

Acomodou-se a “minha” jovem Madalena (era, de certo, este o seu nome!) com o bebé nos braços, sereno que nem um anjo. E alheia a tudo que não fosse a sua novel maternidade, a jovem soltou o seio da blusa (mármore puro) e a boca da criança, em esplendor, buscou afoita o mamilo, assim exposto em dádiva!

Vi então olhares brilhantes nos rostos cansados dos transeuntes. Vi ternuras caladas e inesperados silêncios. Vi orações pagãs em cada sorriso!…

E, em época natalícia, a minha alma ateia, entoou, então, um cântico de vida – “Glória in excelsis Deo!…”