“Voando sobre um Vulcão”, de Jaime Fernandes, da editora Âncora, é uma longa viagem pelo país passando pela nossa História recente (1974-5). Nele, encontra-se o fervilhar revolucionário desse período, onde muitos dos acontecimentos são relatados por quem os viveu, pretendendo salvaguardar a nossa memória coletiva. Momentos inesquecíveis das nossas vidas surgem quando são relembrados episódios de liberdade no coletivo como as primeiras eleições livres de 25 de Abril de 1975 e a comemoração do primeiro de Maio desse ano. Este livro retoma a temática e as personagens do primeiro romance do autor, “Os canhões de Santarém que floriram em Lisboa”, recuperando a controversa relação amorosa de Miguel e Teresa, o namoro assumido de Beatriz e do padre Felicidade, após a morte de Afonso na Guerra Colonial ou a paixão interrompida de Isabel e Duarte. Os sonhos e o amor são vividos livremente e intensamente.

Jaime Fernandes juntou a estas personagens, duas figuras emblemáticas deste período, o capitão Fernando Salgueiro Maia e o padre José Felicidade Alves, ainda que este último com um papel ficcionado, sem ignorar a sua ligação aos católicos progressistas que se opuseram ao Estado Novo e especialmente à Guerra Colonial. A admiração por estes dois homens assim como muito do ideário e até da sua utopia é comungado pelo autor através do personagem Miguel, que tem muito de autobiográfico.

O enredo do romance é muitas vezes relegado para segundo plano para dar protagonismo aos factos históricos decorridos no pós 25 de Abril, especialmente no período apelidado de “Verão Quente”, onde o Processo Revolucionário em Curso (PREC) dominava a vida política no país e os interesses estrangeiros eram bem visíveis. Apesar do último exame de História A, de 12.º ano, ter abordado esta temática, a verdade é que o PREC continua a ser um tabu na nossa História recente, muitas vezes omitido ou apenas relembrado pelos excessos cometidos. Jaime Fernandes conseguiu desmistificar alguns dos fantasmas deste passado recente.

Desenganem-se os leitores que pensam encontrar neste romance apenas os temas anteriormente abordados. O livro de Jaime Fernandes respira poesia, geografia e memórias de um cidadão do mundo. A História dos homens muitas vezes envolta em sofrimento não é indiferente ao autor, levando-o a relatar episódios trágicos vividos durante a Guerra Civil de Espanha e a ditadura de Franco, sem perder de vista a opressão salazarista. “Voando sobre um Vulcão” é também um livro de viagens, um roteiro gastronómico, um repositório musical da ópera às canções de intervenção, passando pelas recolhas efetuadas por Michel Giacometti. Santarém, cidade onde nasceu Miguel, está sempre presente, sendo o local onde muitos dos personagens regressam. A maioria das memórias, dos cheiros, dos espaços, das pessoas que se cruzam em Santarém estão envoltos neste livro de todos e para todos, pois tal como os personagens vivemos permanentemente “Voando sobre um Vulcão”.