Nota de Leitura – “BERNARDO SANTARENO, da nascente até ao mar”
No ano do centenário de Bernardo Santareno (2020), José Miguel Noras, licenciado em Gestão de Empresas, doutor em História pela Universidade de Lisboa, investigador do Centro de Estudos da mesma Universidade, presidente do Conselho de Curadores da Associação Portuguesa dos Municípios com Centro Histórico e coordenador do Grupo “Mais Saramago”, assumiu a tarefa de investigar, durante seis anos, a figura de Bernardo Santareno, dramaturgo de grande valor, investigação a que podemos aceder na obra “Bernardo Santareno, da nascente até ao mar”, entretanto publicada pela prestigiada editora Âncora.
Tinha respeito pela Mãe, em sintonia com a sua espiritualidade cristã, mas também reconhecimento pelo comportamento resistente do Pai, assumindo “inequívoca autonomia espiritual”, e “…fortíssima personalidade, pautada pela coragem, pelo altruísmo e pelo amor à cultura.”, pois, ”nunca cedeu…nunca se vergou”.
A vida de António Martinho do Rosário foi, por si próprio, assim resumida:
“Infância traumatizada. Adolescência dolorosa. Filho único. Liceu em Santarém. Solidão. Faculdade em Lisboa. Crise mística profunda: Interrupção dos estudos – Faculdade em Coimbra. Melhor, menos solidão. E poemas. Quando tive dinheiro para editá-los, editei-os. Poemas maus. Um primeiro livro de Teatro, já formado em Medicina: “A promessa, O bailarino e A excomungada.” Edição do autor, paga com o dinheiro que ia ganhando como médico da frota bacalhoeira, nos mares da Terra Nova e da Gronelândia. A bordo, escrevi um livro de narrativas, “Nos mares do fim do mundo” e uma peça de Teatro “O lugre”. Representação de “A promessa”, depois de “O lugre”, depois de “O crime na aldeia velha”, etc. A descoberta do Teatro condicionou toda a minha vida futura. Por exemplo, para poder escrever, deixei a Medicina. Fiz mal. Talvez. O Teatro, dadas as condições em que um escritor tem de viver neste país, sobretudo se é dramaturgo, vai pouco a pouco transformando-se num desgosto, numa frustração. Mais uma. Valeu a pena ter escrito “O Judeu” e o “Inferno”? Parece-me que não. Sinceramente. Hoje não sinto alegria, nem paz. Antes uma coisa azeda e amarga, cada vez mais amarga e azeda…”
Mais uma vez, palavra a Santareno:
“A única coisa de que verdadeiramente gosto é de escrever. Todas as outras actividades me conduzem a essa, que é fundamental para mim.”
Como lembra bem o autor:…”seja qual for o ângulo de abordagem, a obra de Bernardo Santareno é de valor incomensurável, herança que a Europa, mais cedo que tarde, quererá resgatar como um dos melhores legados de cultura popular, entendida como acto de justiça, visão modernista, contra snobismos artificiais, contra o rotineiro, contra a resignação e a hipocrisia, em prol de um futuro ousado, onde o inconformismo rasgue, sempre, o véu do direito à diferença e da afirmação plena da liberdade.”