Poesia – “Acre Lucidez de Cinza”

Nego-me à estética do Horrível

E à música de Wagner como se a cavalgada

Da Morte fosse enfeite a enquadrar o telejornal

Nauseabunda esteticização do Desastre

A celebrar o Espectáculo dos corpos e das casas

E as labaredas a lamber os impassíveis olhos

Não refeitos ainda da voragem do Pânico.

 

Nego-me ao microfone em riste

A invadir as bocas e colher a baba das palavras

E espremer o pormenor da Lágrima

E a dobra da Agonia como viver ou morrer fosse

Noção escorreita perante e iminência da Morte.

 

Nego-me a doutas opiniões e ao grande Debate

E ao arroto da Sabedoria ao serviço da Ganância

A desenhar manobras e as invisíveis rotas

Do Lucro e permanente encenação do Mesmo.

 

Nego-me ao leilão das alvas consciências

A pingar em fila da Banca e dos altos muros

Da Instituição. E nego-me aos caninos cibernantropos

A salivarem tweets e likes e rabinho electrónico

A dar a dar, a babarem-se sem ao menos saberem

Que nada representam – pálida imitação dos Donos.

 

Nego-me a esta impúdica exasperação dos lugares.

E da Dor, que sendo minha, é apenas Simulacro

Palavra que não (me) redime, nem me salva

E que, no entanto, teima – acre lucidez de cinza.