Meio Século de oposições antifascistas

Durante os 48 anos de ditadura, a luta das oposições antifascistas atravessou diferentes conjunturas, foi legal e ilegal, activa e passiva, passou por diferentes reconfigurações, esteve unida e desunida, teve diferentes cadências, características distintas, mas nunca se conformou nem se rendeu, apesar das prisões, das torturas e dos assassinatos. O combate permanente de gerações de antifascistas pelo derrube da ditadura desembocou no 25 de Abril.

A 28 de Maio de 1926, as tropas do general Gomes da Costa instituíram sem resistência uma ditadura militar. Os seus apoios eram muito diversos, desde fascistas a sectores da esquerda republicana, mas que defendiam soluções desde uma “ditadura temporária” à destruição completa do sistema liberal; unia-os apenas o desejo de derrubar o Partido Democrático, herdeiro do velho Partido Republicano, que havia blindado e gangrenado o sistema político.

Só PCP, partido jovem e ainda insipiente, que a 29 de Maio reunia o seu 2º Congresso, declarou que se tratava de um golpe fascista e enviou delegados junto de outras organizações, para conjugar forças contra o movimento militar. As respostas, quer da Confederação Geral do Trabalho quer da Esquerda Democrática, com quem fora aliado às eleições de 1925, foram decepcionantes.

Mas a Ditadura mostrou cedo ao que vinha – dissolução do Parlamento, cerceamento das liberdades, repressão contra os que se lhe opunham. Rapidamente se constitui então um Comité de Defesa Proletária, com a CGT, as Juventudes Sindicalistas e o PCP. Realizam a 9 de Junho um comício em Lisboa. Defendem a greve geral revolucionária, cujos preparativos serão impedidos pelos militares.

No campo republicano, a partir de Julho de 1926, começa a configurar-se um bloco contra a Ditadura, composto por republicanos de esquerda, seareiros, grupos moderados e o que restava do Partido Democrático. É este bloco que vai conspirar, enveredar pela via do golpe militar, marcando o período até 1931-32. É o tempo do “reviralhismo”.

Em Fevereiro de 1927, Julho de 1928 e Fevereiro e Agosto de 1931, ocorrem movimentos militares que contam com a participação de Comités Revolucionários civis, onde se incluíam a título individual, anarquistas e comunistas, cujos directórios, mesmo muito débeis, sempre se recusaram a apoiar formalmente.

Tratou-se, na expressão de Fernando Rosas, de uma guerra civil intermitente, mobilizando contingentes e meios militares significativos em aguerridos combates de rua, com muitas centenas de prisões e deportações sumárias. A cada movimento militar jugulado, a Ditadura robustecia-se – saneando a Função Pública e o Exército, proibindo os partidos e preparando uma nova ordem inspirada nos fascismos da Europa de entre guerras.

Mas, entre a juventude, há uma nova geração que apoia os movimentos militares, mas não se envolve partidariamente; influenciada pela proclamação da República em Espanha, quer “republicanizar a República”, funda jornais, está nos centros republicanos e na Maçonaria, participa activamente nas lutas estudantis de Abril-Maio de 1931, onde despontam sectores que se aproximam das ideias comunistas.

Em 1929, o PCP, muito enfraquecido, realiza uma Conferência de reorganização. É incentivada uma primeira bolchevização. Bento Gonçalves, torneiro mecânico no Arsenal da Marinha, torna-se secretário-geral. Ainda nesse ano é fundada a Federação das Juventudes Comunistas, em 1930 é constituída a CIS, em torno de que se organiza uma corrente sindical própria. O Avante! começa a publicar-se em 1931. A influência partidária cresce.

No início dos anos 30, com Salazar, decorre o processo de institucionalização do Estado Novo, como um regime de inspiração fascista – é restruturada a polícia política, criados Tribunais Militares Especiais, fundado o Partido único – a União Nacional e a milícia, a Legião Portuguesa, plebiscitado um arremedo de Constituição, montado um sistema corporativo fundado na conciliação entre Capital Trabalho e na negação da luta de classes.

Apesar da forte disputa entre anarquistas e comunistas, contra a fascização sindical e a tutela governamental sobre os novos sindicatos nacionais, é organizada uma greve geral revolucionária, unindo todas as correntes sindicais, que, apesar de derrotada com centenas de prisões e o desmantelamento das principais organizações operárias, teve expressão em várias localidades.

Com a nova política antifascista da União Soviética e da Internacional Comunista, traduzida na formação de Frentes Populares, também em Portugal se constitui uma Frente deste tipo, juntando o PCP às pequenas formações republicanas que subsistiam. Desenvolveu a solidariedade com a Espanha Republicana durante o período da guerra civil, incluindo acções de sabotagem, desenvolvidas em unidade com os anarquistas, onde se inclui o atentado frustrado contra Salazar, em Julho de 1937. Todavia, a aplicação mecânica dos princípios da Frente Popular impediu que se desenvolvesse num país sob ditadura, que assassinava, torturava e prendia os antifascistas, desterrando-os nas masmorras do Aljube, Caxias e Peniche ou no sinistro campo de concentração do Tarrafal.

Depois de anos difíceis, o PCP é como que refundado, no que ficou conhecido como a reorganização de 1940-41 e que corresponde a uma eficaz bolchevização e adaptação às condições de clandestinidade, dirigindo as grandes greves de Julho-Agosto de 1943 e Maio de 1944, adquirindo dimensão nacional e promovendo e hegemonizando em novas bases a política de unidade antifascista que, sob diversas designações, marcaria as décadas seguintes – o MUNAF, que uniu praticamente todos os sectores oposicionistas de esquerda, designadamente os novos agrupamentos socialistas, em 1943 e nos anos seguintes; o MUD, em 1945-48, cujo arranque suscitou enormes expectativas num regime que atravessava a sua primeira grande crise; mas que sobreviveria à derrota internacional do nazi-fascismo, graças ao apoio das potências ocidentais.

Depois, já em conjunturas mais adversas, sob o impacto do clima internacional de guerra fria, o MND e o MUD Juvenil, em 1949-57, tentaram manter essa unidade num tempo de oposições divididas. Foram, no entanto, particularmente galvanizantes as campanhas presidenciais de Norton de Matos, em 1949 e de Humberto Delgado em 1958. Neste ano, com o país a mudar do ponto de vista económico e social, mas com a ditadura a manter-se, o regime atravessaria a sua segunda grande crise, mas sobrevivendo. A base operária e popular das oposições radicalizava-se, adquiria força a ideia de que o regime só poderia ser derrubado pela violência, mas no PCP prevaleceram as ideias do XX Congresso do PC da União Soviética, de 1956, disseminando ilusões sobre a viabilidade da transição pacífica.

Este “desvio de direita”, como ficou conhecido, seria rectificado por Álvaro Cunhal, depois da fuga espectacular do forte de Peniche, numa conjuntura em que o movimento operário e popular readquiria vitalidade. Foram os anos das eleições de 1961, da eclosão da guerra colonial, da crise estudantil de 1962, das jornadas de 1 e 8 de Maio desse ano ou das grandes lutas dos assalariados do sul pelas 8 horas. Novas tendências emergem no seio da oposição marcadas por uma maior radicalidade com o desvio do paquete Santa Maria ou a tentativa de assalto ao quartel de Beja.

O dissídio sino-soviético reflecte-se no PCP através de uma cisão que assinala o despontar duma esquerda mais radical, que recebe também os efeitos da revolução cubana. Velhos e novos grupos vão-se encontrar na Frente Patriótica de Libertação Nacional, fundada em 1962 e instalada em Argel. No interior do país formam-se as Juntas de Acção Patriótica. A luta contra a guerra colonial adquire uma importância progressiva.

Em 1968, quando Salazar cai da cadeira e fica incapacitado, as oposições iniciam a preparação da sua intervenção nas eleições de 1969, onde, apesar dos esforços do 2º Congresso Republicano de Aveiro (o primeiro fora em 1957), vão divididas – socialistas na CEUD, comunistas, católicos e antifascistas independentes nas CDE. Vão a votos, mas obtêm modesta votação a mostrar, mais uma vez, que não era com eleições, completamente condicionadas e sempre acompanhadas de intimidação e repressão policiais, que se derrubaria a ditadura.

Mas a partir de 1969 as oposições entram numa nova fase. A substituição de Salazar por Marcelo Caetano espalha ilusões quanto à possibilidade de liberalização do regime, contudo a obstinação face à questão colonial e a pressão dos seus sectores mais duros, mostram como eram ilusórias essas espectativas.

Na crise académica de 1969, sente-se o efeito do Maio de 1968 em França, que, com a invasão das Checoslováquia pelas forças do Pacto de Varsóvia ou a evolução da guerra colonial radicalizam as oposições em Portugal. Formam-se novos grupos de esquerda radical, particularmente activos em meio estudantil. As oposições clandestinas enveredam por acções de sabotagem, sobretudo contra aparelhos de sustentação da guerra colonial, que constituía efectivamente o nó górdio do regime. A ARA, apoiada pelo PCP, as Brigadas Revolucionárias e a LUAR fazem explodir o casco de navios de transporte de equipamento militar, rebentam com instalações da NATO, fazem explodir helicópteros destinados à guerra colonial.

Sob a égide do governo da Frente Comum em França, o PCP e o recém-constituído Partido Socialista subscrevem um acordo que suporta a campanha de unidade antifascista da CDE às eleições de 1973 e que, ao contrário de 1969, recusam ir às urnas. Uma nova vaga de greves ocorre nas cinturas industriais de Lisboa e Setúbal.

Entretanto, no seio do Exército, capitães e majores, erodidos pelo carácter prolongado e irresolúvel da guerra colonial, evoluindo rapidamente para a compreensão que a origem dos seus problemas estava no regime que a mantinha, organizam um golpe militar que, a 25 de Abril de 1974, vai derrubar o fascismo, transformando-se desde cedo num processo revolucionário.