Algo está podre na República Portuguesa!

Algo está podre e mina, contamina, corrói!

A vergonha anda arredada de muito boa gente, de muito boa gente que afirmou honrar o seu país, o seu povo, servir a nobre causa pública! E a dignidade? A seriedade que devia enformar todos os seus actos?

A todo o momento um novo caso. A indemnização milionária de uma gestora a contrastar com os cortes salariais dos trabalhadores da TAP. Para a recepção ao Papa, que até se chama Francisco, projectou-se um palco de mais de 4 milhões acrescidos ainda de mais de um milhão para a cobertura! Isto para um evento em que o tema é a juventude. Que belo exemplo para uma formação ética e moralmente nobre dessa juventude!

E são eles que dizem que é mais fácil um elefante entrar pelo buraco de uma agulha que um rico no reino dos céus!!!

Portugal, a República Portuguesa, afasta-se assim de Abril, dos nobres e exultantes valores a que Abril escancarou as portas.

As portas que Abril abriu estão sob o fogo infeto do oportunismo, do negocismo, da demagogia, da ignomínia!

E tudo isto, o que vem acontecendo e parece não tender para o estancamento, vai ocorrendo à sombra de piedosas perorações de ética republicana!

E ainda, e outra vez, o nosso épico:

(…) Cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

De uma austera, apagada e vil tristeza.

Lusíadas, Canto X

E é de dignidade que falam os professores, os pensionistas e os idosos, a generalidade dos trabalhadores que não veem devidamente reconhecido e remunerado o valor do seu trabalho, muitas vezes ainda realizado em duras, mesmo desumanas condições e os jovens para quem o trabalho precário é o destino ao entrarem na vida laboral.

E por isso lutam, numa luta difícil e desigual, mas conscientes de que esse é o único caminho para conseguirem a vida digna a que têm direito.

E, ainda a poesia, porque embora pareça, o mundo não está perdido, fechemos com Jorge Luis Borges:

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.

O que agradece que na terra haja música.

O que descobre com prazer uma etimologia.

Dois empregados que num café do Sul jogam um xadrez silencioso.

O ceramista que premedita uma cor e uma forma.

O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.

Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.

O que acarinha um animal adormecido.

O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.

O que agradece que na terra haja Stevenson.

O que prefere que os outros tenham razão.

Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.