Cuidados de saúde em fim de vida

Cuidados em fim de vida

O envelhecimento populacional é um fenómeno sociodemográfico que veio para ficar, com implicações aos mais diversos níveis. Na área da saúde, uma longevidade aumentada pode ter aspetos positivos e negativos. A nível positivo são referidos, entre outros, a possibilidade de aproveitar melhor a vida com saúde, realizar objetivos, trabalhar mais, manter-se socialmente ativo e integrado, e continuar a poupar de forma a garantir a existência de um pecúlio adequado que permita suportar uma vida melhor no futuro. A nível negativo, porém, são apontados aspetos como um aumento da morbilidade (número de doenças), cronicidade e mortalidade, maior dependência, maior número de recursos aos serviços de saúde e de internamentos hospitalares, mais gastos em saúde.

Não são, porém, apenas os mais velhos que sofrem de doenças incuráveis e progressivas. Estas existem em todos os grupos etários, e afetam igualmente toda a população. O período de evolução de cada doença é muito variável, de meses a anos, mas mais cedo ou mais tarde – a menos que tenham um curso agudo – as doenças tornam-se crónicas e progressivas. Os cuidados de saúde têm a função de estabilizar o paciente e permitir-lhe ter o máximo de tempo possível de vida, com o mínimo de sintomas. Quando pelo curso natural destas doenças crónicas a vida inevitavelmente se aproxima do fim, devem ser ajustados objetivos e plano terapêutico que impliquem as intervenções mais adequadas para apoiar as pessoas na fase mais final da vida, permitindo-lhes viver com dignidade até ao fim. Para apoiar este processo existem múltiplas ferramentas científicas e jurídicas, recomendações nacionais e internacionais. A estes cuidados, prestados nos últimos meses, semanas ou dias de vida chamamos cuidados em fim de vida.

A situação em Portugal

Portugal tem um dos mais elevados índices de envelhecimento a nível europeu e mundial, e uma expectativa de que o número de idosos continue, nas próximas décadas, a aumentar face à população mais jovem. À fragilidade e à doença crónica em fim de vida, relacionadas com o envelhecimento, acrescem todas as situações de doença crónica, incurável e progressiva em todos os outros grupos etários. Não é assim de estranhar que o número de doentes frágeis e em final de vida esteja em constante aumento, nem que a sociedade (famílias, comunidade, recursos de saúde e sociais), tenha com frequência dificuldade em prestar o apoio mais adequado em tempo útil.

As famílias enfrentam dificuldades quando são chamadas a prestar cuidados. Se a inexistência de laços afetivos sólidos leva à indisponibilidade para cuidar, noutras situações é a dispersão geográfica (devida a migrações internas e externas), ou a necessidade de trabalhar para prover ao seu próprio sustento que torna impossível a prestação de cuidados no momento em que o doente mais o necessita. A inexistência de cuidadores formais (profissionais) treinados e apoiados para responder às necessidades de cuidados de cada doente, bem como os custos que os cuidados acarretam, tornam também difícil a manutenção destes doentes no domicílio, ainda que possa ser essa a sua vontade ou dos seus familiares. As habitações não dispõem de condições que permitam a estas pessoas progressivamente mais dependentes permanecer no seu domicílio (barreiras arquitetónicas, ausência de isolamento térmico e de aquecimento adequado, exiguidade das divisões que impede a colocação de camas articuladas ou a utilização de cadeira de rodas).

O apoio domiciliário, quando existe, não responde às solicitações não programadas (mudança de fralda, queda da cama) 24 horas por dia. Os centros de saúde têm um horário fixo de funcionamento, deixando a descoberto o período noturno e, em particular em meio rural, o fim de semana. Os cuidados médicos e de enfermagem a domicílio não são garantidos 24 horas por dia, deixando como único recurso, em caso de agudização, o recurso aos serviços de urgência hospitalares, vocacionados para o tratamento de doentes agudos. Nestes serviços o enfâse é posto em tratamentos curativos, desadequados porque deles não haverá benefício em doentes em final de vida, resultando em cuidados fúteis, que não melhorando a qualidade de vida nem a condição clínica, agravam o sofrimento.

A inexistência de estruturas de apoio social intermédias leva a que o único recurso destes doentes seja a admissão em lar (ERPI). Estes, porém, encontram-se frequentemente lotados e com longas listas de espera, não conseguindo dar resposta a novos pedidos. Por outro lado, o apoio médico nestas instituições é de apenas algumas horas por semana, e o apoio de enfermagem não abarca, na maior parte dos casos, as 24 horas, ficando a descoberto quase sempre o período da tarde (16-24h) e o período noturno (0-9h). Em caso de agudização sintomática, os cuidadores das instituições não têm outro recurso que não seja o de encaminhar doentes em fim de vida para os serviços de urgência, onde não encontram a resposta mais adequada para a sua situação.

O número de unidades de cuidados paliativos é escasso face às necessidades, o acesso é difícil, lento e burocrático, e nem todas têm o apoio de profissionais com formação e competência nesta área. A dificuldade na alta para domicílio ou para outras estruturas (unidades de longa duração ou ERPI) leva a prolongamento dos internamentos com a consequente dificuldade na existência de vagas para novos doentes.

Abordar questões relacionadas com o aproximar do final da vida continua a ser tabú na sociedade portuguesa, o que torna difícil corresponder às vontades dos doentes. O pedido para não informar o doente sobre a sua situação é comum em muitas famílias, e os profissionais de saúde manifestam frequentemente incómodo em abordar questões relacionadas com o fim de vida (diagnóstico, prognóstico, opções terapêuticas, lugar onde quer ser cuidado, como quer ser cuidado, terapêuticas invasivas).

Os possíveis caminhos

Perante este panorama, a prestação de cuidados em fim de vida parece carecer de uma intervenção a vários níveis que permita uma melhoria do acompanhamento destes doentes e um maior apoio aos seus cuidadores.

Ao nível dos cuidados de saúde há urgentemente que apostar em cuidados de proximidade, que deem resposta às necessidades dos doentes no seu local de residência (domicílio, ERPI), 24 horas por dia, seja pessoalmente seja por via telefónica. Os cuidadores em domicílio deverão ter garantido no mínimo apoio telefónico 24 horas por dia. Os profissionais de saúde que atendem telefone devem ter não só acesso aos processos clínicos dos doentes e à sua medicação atual, como capacidade e competência para fazer na hora os ajustes terapêuticos necessários, promovendo os cuidados no domicílio, apoiando os cuidadores nas suas dúvidas e ansiedades e evitando recursos desnecessários ao serviço de urgência. A existência de novas tecnologias permite atualmente a visualização e o contacto direto com doentes e cuidadores, garantindo uma melhor qualidade dos cuidados. Deverá ser possível a deslocação de um ou mais profissionais ao domicílio, em casos em que tal seja considerado necessário, garantindo para tal não só o transporte como as condições de segurança. Para tal, haverá não só que apetrechar os serviços e os profissionais com os recursos tecnológicos e a segurança de que necessitam, como providenciar o adequado pagamento aos profissionais que a ele se dedicam.

O apoio dos profissionais especialistas na área dos cuidados em fim de vida, nomeadamente as equipas locais de cuidados paliativos, deverá ser garantido. Para tal há que apostar na criação de equipas de cuidados paliativos (inexistentes ainda em muitas zonas do país ou com baixa capacidade de resposta), com recursos adequados para as áreas geográficas que servem (profissionais treinados e em número adequado, acesso a fármacos e a transporte).

Os centros de saúde deverão reorganizar-se para a prestação de cuidados domiciliários, médicos, de enfermagem e de outras áreas clínicas, em tempo útil (no próprio dia quando necessário), respondendo a situações de baixa complexidade, permitindo às equipas de cuidados paliativos responder a situações de maior complexidade.

O treino básico em cuidados paliativos deverá ser obrigatório para todos os profissionais de saúde (nomeadamente médicos e de enfermagem), bem como garantido o apoio permanente a profissionais na comunidade ou hospitais, pelo menos por via telefónica, 24 horas por dia. Deverão ser também garantidos a formação e apoio permanente aos profissionais que trabalham em lares, assim como às equipas de emergência médica e bombeiros que acorrem a chamadas de emergência. Os cuidados a estes doentes em fim de vida deverão basear-se no planeamento antecipado de cuidados, sempre que possível com o doente, estendendo-o aos seus cuidadores, permitindo o respeito pelas escolhas do doente e evitando a tomada de decisão em situações de crise, que agrava o sofrimento.

A nível social, é urgente a reorganização dos serviços de apoio domiciliário de modo a permitir a resposta no domicílio a situações de crise que aí possam ser resolvidas, respondendo no local às necessidades do doente e do cuidador. A criação de estruturas intermédias entre o domicílio e as ERPI poderá beneficiar doentes ainda com algum grau de autonomia, deixando estas vagas para os doentes mais dependentes. O desenvolvimento de competências em cuidar em fim de vida deverá ser comum a todos os profissionais de ERPI, e o apoio a estes profissionais garantido 24 horas por dia. O alargamento da rede de unidades de cuidados paliativos é uma necessidade urgente, permitindo assim cuidados de maior proximidade, agilização dos cuidados e resposta em tempo útil.

Melhorar a prestação de cuidados em fim de vida em Portugal é não só necessário como possível. Para isso há que contar com uma mudança de política de cuidados de saúde e sociais, na qual o governo, as estruturas locais e os cidadãos se devem empenhar. Haja vontade para o fazer.

Referências bibliográficas:
- Atkinson, A. B., & Marlier, E. (2010). Income and living conditions in Europe. In Income and living conditions in Europe. http://ec.europa.eu/eurostat/documents/3217494/5722557/KS-31-10-555-EN.PDF/e8c0a679-be01-461c-a08b-7eb08a272767
- Froggatt, K. A., Reitinger, E., Heimerl, K., Hockley, J., & Brazil, K. (2013). Palliative Care in LongTerm Care Settings for Older People: EAPC Taskforce 2010-2012 (Issue January).
- Teixeira, A., Figueiredo, E., Melo, J., Martins, I., Dias, C., Carneiro, A., Carvalho, A. S., & Granja, C. (2012). Medical Futility and End-of-Life Decisions in Critically ill Patients: Perception of Physicians and Nurses on Central Region of Portugal. Journal of Palliative Care & Medicine, 02(04). https://doi.org/10.4172/2165-7386.1000110