Nota de Leitura – “O desbravar dos caminhos”
O livro em referência é, conforme o próprio autor esclarece, a continuação de “O Despertar das Montanhas”, também apresentado na SEARA NOVA. Num e noutro, o mesmo tema, “as lutas e a organização dos agricultores, a norte do Tejo”. Ambos tratam da mesma matéria, porém, à luz de tempos políticos diferentes. De antes do 25 de Abril, “O Despertar das Montanhas”, enquanto que este, continuando o anterior, lhe procura “dar seguimento”, ou seja, continuar a descrição e avaliação da organização das lutas dos agricultores “desde o 25 de Abril até aos finais dos anos setenta do século passado”, abordando a mesma realidade sócio profissional (dos agricultores a norte do Tejo), porém filtrada por tempos políticos distintos, ou até mesmo antagónicos. Tal circunstância, para além de conferir especificidade própria a cada uma das publicações, permite uma visão de conjunto da realidade estudada, permitindo “leituras” cruzadas da realidade camponesa e, consequentemente, fornece um “mapeamento” mais completo dessas organizações e dessas lutas, antes e depois do “25 de Abril”.
Este livro abre com um notável prefácio do professor Fernando Oliveira Batista que, numa síntese rigorosa, visa despertar o leitor para a sua leitura.
Oliveira Batista reconhece que o livro em referência “abre para um horizonte ainda oculto e quase desconhecido sobre as lutas que os movimentos e as organizações das famílias de agricultores a norte do Tejo…” salientando que “o empenho do autor no trabalho com a agricultura familiar era já anterior a Abril de 1974, tendo, ainda nos anos do Estado Novo, acompanhado, na clandestinidade, as lutas que acorreram na região da bacia do Rio Vouga”.
Quanto à organização do livro, é de salientar – seguindo o prefácio – que se consideram “dois grandes grupos de associações de agricultores; por um lado, associações de carácter económico, ou seja, as cooperativas e os baldios e, por outro lado, as associações de natureza sócio profissional,” onde, por sua vez se distinguem aquelas que se dedicam a “objetivos específicos” como sejam: lutas pela Terra, extinção dos foros, arrendamento rural, extinção do regime de colonia na Madeira e a recuperação dos direitos sobre os baldios e ainda aquelas associações que visam uma representação genérica dos interesses dos agricultores, nomeadamente, nas questões relacionadas com o mercado e com o acesso às políticas públicas e ao crédito.
De notar, que esta pluralidade como método, assenta em critérios políticos e em razões práticas, pois é pressuposto que as organizações dos agricultores que lutam por aqueles “objetivos específicos” tenham também interesses específicos a conquistar ou a defender e, por isso, uma mais aguda consciência social do que aquelas associações de caráter económico ou até mesmo das associações de representatividade.
Ressalta ainda da leitura deste livro, o facto de que, quer no tipo e natureza das organizações, quer na movimentação da luta, esteve sempre presente a ideia central da autonomia dos agricultores. Uma praxis política que revela o primado dos movimentos sociais, isto é, partir da realidade concreta e não de outro tipo de razões ou sugestões introduzidas “de fora”, praxis que permitiu uma grande vitalidade ao movimento dos agricultores e constituiu um dos principais elementos de participação e sucesso de muitas das suas lutas, designadamente, no período que corresponde aos anos 1974/78.
Voltando ao Prefácio: “de facto relativamente a camponeses e agricultores familiares, a tentação de instrumentalizar as suas lutas, tem-se revelado inviável no imediato e devastador a médio e longo prazo, ao gerar uma desconfiança e uma retração que muito dificultam qualquer actividade com o movimento de agricultores. Não faltam, desde o início do Séc. XX, situações e acontecimentos que o confirmam”.
Concluindo, “O Desbravar dos Caminhos”, é um livro informado e escrito, numa linguagem expressiva e rigorosa, que nos permite “mergulhar” e compreender melhor alguns acontecimentos que ficam a marcar a História do País, no contexto da Revolução de Abril.