Que futuro para a Cultura em Portugal?

Não posso deixar de me centrar nos resultados do Concurso de Apoio a Projetos, sob a alçada da Direção Geral das Artes (DGArtes) / Ministério da Cultura (MC), ao iniciar uma reflexão sobre a Cultura em Portugal. Foi no último dia de julho que foram finalmente divulgados, com um inexplicável atraso, os últimos resultados provisórios (os de criação) de um concurso para o qual estava previsto o início das atividades em junho (Programa de Apoio a Projetos). Atraso este, que significará no decorrer da silly season, que nenhum projeto terá financiamento antes de outubro, com tudo a correr bem. Como se executam projetos previstos para ter início em junho, cujo financiamento entrará 4 meses depois, num prazo em que muitos deles já terão até concluído? Como se já não tivesse bastado o facto de o período de candidaturas, uma vez mais, tivesse sido adiado de outubro (em conformidade com a Declaração Anual da DGArtes de 2022) para o final de dezembro. A ausência de resposta é recorrente e sistemática. Esta situação origina, indiscutível e constantemente, que projetos com atividade já iniciada sejam forçados a refazer todo o plano de produção e de execução orçamental, “cortando” onde e como podem, o que leva a que o objeto artístico proposto em sede de candidatura, se transforme num outro com menos meios e seguramente muito mais pobre e distante do projeto inicial. Sem financiamento da DGArtes, artistas e estruturas vêem-se obrigados a repensar programações, a cancelar atividades, a remodelar projetos, a cancelar contratos, a cortar postos de trabalho, a reduzir honorários. E isto não é de agora, tornou-se hábito…

A política seguida por Pedro Adão e Silva, Ministro da Cultura, que no Programa de Apoio Sustentado 2023-2026 procedeu a um reforço orçamental apenas nas candidaturas com Programa Quadrienal, resultou, tal como todas as estruturas representativas do sector alertaram atempadamente, numa razia no Programa de Bienais, que se viram forçados a transitar as suas candidaturas assumidamente de cariz bienal (estruturas solidificadas, com atividade continuada e comprovada) para este Programa de Apoio a Projetos, estrangulando-o e desvirtuando até o teor deste mesmo programa, destinado, maioritariamente, a criações pontuais assumidas por muitas estruturas e artistas emergentes e em início de carreira, ou outras que não têm atividade continuada. Acresce o facto de muitas das estruturas candidatas a Apoio Bienal, até tinham estrutura para se candidatar a Apoio Quadrienal, contudo não o fizeram face à dotação orçamental divulgada em Aviso de Abertura.

Os resultados conhecidos no final de julho são devastadores, nada que não fosse expectável, dada a verba insuficiente e completamente alheada da realidade do tecido artístico português. A título de exemplo, os resultados provisórios na área da Criação, nos que três quartos dos candidatos (623 dos 833) não está proposto para a atribuição de apoio. Como se entende a discrepância entre a qualidade artística dos projetos candidatos, com pontuação acima dos 89,50%, que viram o seu projeto não proposto para apoio, apenas pela constante falta de verba?

Ainda que se registe o aumento de financiamento na dotação dos vários Programas de Apoio às Artes, da DGArtes, o mesmo continua a não corrigir o sub-financiamento crónico, tal como não acompanha o crescimento evidente do tecido artístico que conta cada vez com mais profissionais, cada vez mais capacitados, mais projetos de indiscutível qualidade artística e que desempenham um papel fundamental na coesão territorial de fruição e acesso à cultura e que contribuem para a garantia dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Será legítimo questionar se o que o Governo e o MC pretendem é criar uma cisão no sector artístico: de um lado estruturas com Apoio Quadrienal, com a possibilidade (novidade neste ciclo de apoio) de renovar o seu apoio por mais quatro anos, mediante parecer positivo das Comissões de Acompanhamento da DGArtes; por outro a criação artística projeto a projeto, absolutamente dominado pela precariedade.

Será a metodologia de Concurso para as Artes a melhor política a seguir? As artes são um serviço público, tal como a educação ou a saúde e que deve ser financiado como tal. Porque não se celebram contratos programa, como acontece em tantas outras áreas? A modalidade de apoio quadrienal com possibilidade de renovação é um primeiro passo, mas não chega, não se podem ignorar todos os novos criativos que a cada ano engrossam e enriquecem o tecido artístico, ou todos aqueles com percurso consolidado, mas que têm assumidamente um carácter de atividade pontual. Esta renovação do sector é essencial, mas carece de uma verdadeira política pública que garanta continuidade, que reconheça toda a complementaridade do sector e que apoie efetivamente as estruturas independentes que prestam um verdadeiro serviço público em nome do Estado.

A não revisão de toda esta situação por parte da DGARtes e MC origina, de forma consciente, o encerramento de muitas estruturas artísticas por todo o território nacional, deixando centenas de profissionais em situação de desemprego.

O estado atual da Cultura não é tolerável. Falta uma verdadeira política cultural, uma dotação orçamental para os vários programas de apoio que reflita verdadeiramente o tecido artístico português. As opções que os sucessivos governos têm tomado, estão a comprometer a diversidade de todo o tecido artístico, provocam o abandono, cada vez mais frequente, de muitos artistas e demais trabalhadores da Cultura, promovendo a precariedade laboral e desproteção social. O recentemente criado Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura, não veio resolver os problemas de precariedade do sector, mas sim agudizá-lo, com a criação de novos encargos e burocracias, tanto para as entidades empregadoras como para os trabalhadores da Cultura.

O que ainda falta mais? O reconhecimento cabal do papel fundamental, insubstituível e enriquecedor da Cultura na construção da sociedade; o verdadeiro acesso à fruição e criação culturais em todo o território nacional, sem assimetrias sociais, económicas e geográficas; um investimento financeiro eficaz; acabar com a desregulação na prática de salários baixos, sem proteção social e da insegurança.