Cinquenta anos depois…

Esta edição da Seara Nova, comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, a Revolução dos Cravos, sai após a realização de eleições antecipadas para a Assembleia da República que ficaram marcadas pela perda significativa das forças de esquerda, com destaque para o PS e a CDU e pela já esperada subida expressiva da extrema-direita, que triplicou a votação em relação às anteriores.

Aconteceu no país de Abril, de Abril porque o povo, passado meio século sobre aquele dia maior da nossa história, continua a celebrar, mesmo os que a ele não assistiram, com profunda emoção aquele acontecimento que quase todos ligam ao mais precioso dos valores, a Liberdade!

Tal sentimento perpassa pelos diversos artigos inseridos neste nosso número em que celebramos e refletimos sobre os valores de Abril, as suas conquistas, os reveses e as lutas que, em liberdade, o povo em geral e os trabalhadores em particular vêm desenvolvendo ao longo destes cinquenta anos.

Face aos resultados destas eleições, embora como atrás afirmámos, não tenham sido inesperados, coloca-se a eterna questão: Porquê?

Em que reside a raiz desta evolução que se vem verificando há já bastante tempo em Portugal e no mundo?

Em 1974, ano da Revolução portuguesa, nas eleições para a presidência da República Francesa, Jean Marie Le Pen, da extrema-direita, alcançava 0,74% dos votos, em 1988 chegou aos 14%, e em 2002 aos 16,9%. Em 2022, para a Assembleia Nacional o partido de Marie Le Pen obteve 18% dos votos. Com que se parece isto? E isto numa França da Revolução, numa França desenvolvida economicamente, farol de cultura ocidental!

Portugal, país de Abril, com a Constituição mais avançada do mundo, não é imune às mudanças que, um pouco por todo o lado, vão ocorrendo. A esquerda portuguesa não está só nesta queda preocupante para quem se rege por valores civilizacionais, proclamados na já distante Revolução Francesa, Liberté, Égalité, Fraternité, hoje, um pouco por todo o mundo, desde o “terceiro” ao “primeiro”, o fenómeno manifesta-se.

Pensamos que o caminho, apesar da profunda preocupação que tal situação provoca, é o da reflexão, da reflexão sem abrandamento da ação. Refletir e agir é a resposta. Não é preciso inventar novos valores, o que é preciso, o que faz falta, citando o Zeca, é avisar a malta! É animar a malta!

Como escreve Susana de Sousa Dias no final do artigo que lhe pedimos para este número comemorativo:

«… A democracia permite que toda a gente tenha voz, inclusivamente as pessoas que a querem destruir. Esse é o paradoxo dos nossos tempos e, por isso, fazer viver o 25 de Abril não deixando que seja apenas uma data que se comemora, é imperioso. É preciso levantar os braços, não permitir que os gestos sejam tolhidos, e combater para que se mantenham abertas possibilidades de futuro diferentes das que se parecem anunciar.»