A emigração trava-se baixando impostos?

A emigração dos jovens foi um dos temas que o novo governo (PSD-CDS) elegeu como prioritário. As primeiras medidas aprovadas incluem um conjunto de reduções de impostos sobre o rendimento e sobre a compra de casa para os jovens até aos 35 anos, que foi descrito pelo governo como um plano para travar a emigração das gerações mais novas. A ideia subjacente é a de que a fiscalidade é um dos principais fatores que motiva a saída de pessoas – sobretudo jovens – do país. Há pelo menos dois argumentos relacionados com a fiscalidade: (1) os impostos sobre o trabalho (IRS) são demasiado elevados, o que explica a procura de outros destinos, e (2) o custo por trabalhador para as empresas é excessivo, o que impede o pagamento de melhores salários. No entanto, há bons motivos para pôr em causa esta tese.

Nunca tivemos tanta emigração?

Se olharmos para os números da emigração permanente, percebe-se que houve um aumento expressivo entre 2011 e 2014 – durante o programa de ajustamento da troika, no último governo PSD-CDS. Com a crise em que o país mergulhou e as medidas de austeridade que a acentuaram, o número de pessoas a procurar melhores condições de vida no estrangeiro mais do que duplicou. No caso da emigração jovem, o aumento foi ainda mais pronunciado em alguns grupos etários. Passado esse período, a emigração diminuiu de forma considerável, tanto em termos totais como entre os jovens. Ainda assim, é hoje mais elevada do que em 2008. Ou seja, Portugal não atravessa um pico de emigração, mas há bons motivos para analisar o fenómeno com mais detalhe.

São os impostos que motivam a emigração?

Começando pela carga fiscal – ou seja, a relação entre a receita total de impostos e contribuições para a Segurança Social e o PIB –, os dados do Eurostat mostram que, em 2022, a carga fiscal da economia portuguesa (35,8%) se encontrava bastante abaixo da média da União Europeia (39,9%) e da Zona Euro (40,5%), sendo inferior à da maioria dos destinos da emigração portuguesa – França (45,9%), Bélgica (42,6%), Alemanha (40,5%), Luxemburgo (38%), Países Baixos (38%) e Espanha (37,4%) – e ficando apenas acima da Suíça (26,9%).

Se recorrermos aos dados da OCDE, que não são exatamente iguais mas permitem comparações com os restantes países, o que vemos é que a carga fiscal em Portugal (36,4%) continua a ser inferior à dos países referidos e é quase a mesma que a do Reino Unido (35,3%), sendo superior à dos EUA.

Passando ao nível de tributação sobre o trabalho, a OCDE publica as estatísticas das taxas efetivas sobre o rendimento do trabalho, que incluem o imposto cobrado aos trabalhadores e as contribuições pagas pelos trabalhadores e pelas empresas para a Segurança Social.

Em Portugal, o peso dos impostos e contribuições sobre um salário médio continua a ser inferior a alguns dos principais destinos da nossa emigração (França, Alemanha ou Bélgica) e muito próximo de outros (Luxemburgo e Espanha). Embora este indicador seja superior ao dos Países Baixos, por exemplo, isso não se deve aos impostos: a taxa efetiva de imposto sobre o salário médio é de 17,1% em Portugal e 16,1% nos Países Baixos. A diferença está nas contribuições para a Segurança Social (que não são impostos, mas sim o valor que descontamos para ter direito a pensão de reforma).

O que diferencia verdadeiramente Portugal da maioria dos países para onde os jovens emigram são os salários pagos. O salário médio ajustado em Portugal é bastante inferior à média da União Europeia e, apesar de ser superior ao de vários países do Leste europeu e também ao da Grécia, é significativamente mais baixo do que o de Espanha (país vizinho) e o da generalidade dos países do Norte.

Porque persistem os baixos salários?

A estrutura salarial está associada às características da economia portuguesa: ao longo das últimas duas décadas, o país especializou-se em serviços de baixo valor acrescentado (primeiro, a construção e o imobiliário; depois, o turismo e a restauração). Esta tendência não é alheia ao processo de integração europeia: com a adesão a uma moeda sobrevalorizada e a concorrência de países com salários bem mais baixos (China e Leste europeu), as indústrias exportadoras em Portugal perderam terreno e o mercado favoreceu o investimento em setores com maiores perspetivas de retorno a curto prazo. No entanto, estes são setores tipicamente caracterizados por baixo potencial produtivo e por baixos salários.

Além disso, a evolução dos salários em Portugal foi afetada pela generalização da precariedade no mundo do trabalho. Portugal tornou-se um dos países da União Europeia onde o recurso a contratos a termo é maior, sobretudo entre os jovens, que, quando acabam os estudos, enfrentam frequentemente vários anos de estágios e contratos de curta duração. Há estudos¹ que demonstram que a precariedade tem um efeito de compressão dos salários.

Quando olhamos para os fluxos migratórios na União Europeia, é possível identificar um padrão²: os países das periferias do Sul e de Leste têm perdido população nos últimos anos, ao passo que os países do Norte têm ganho. O principal destino da migração intra-UE é a Alemanha. O mercado único e, no caso da Zona Euro, a moeda única, ajudam a explicar este processo, como foi explicado pelo nobel da Economia Joseph Stiglitz, no seu livro O Euro – Como uma moeda comum ameaça o futuro da Europa: numa área que assegurou a mobilidade do fator trabalho, mas não a convergência económica entre os países e as suas economias, a tendência é que exista um fluxo de trabalhadores, sobretudo entre os mais qualificados, para as regiões mais desenvolvidas. A perda de jovens qualificados, por sua vez, atrasa o desenvolvimento dos países de origem e acentua a dinâmica de divergência.

O que propõe o governo?

A principal medida é o alargamento do IRS Jovem, com a redução em dois terços de todas as taxas marginais (exceto no último escalão) para os trabalhadores até aos 35 anos. O problema desta medida não é apenas o facto de ser pouco eficaz para travar a emigração. É que beneficia desproporcionalmente quem recebe mais. Numa economia marcada pela prevalência de salários baixos, mais de metade dos jovens ganha menos de €1.000 por mês, o que significa que ganharia muito pouco (ou mesmo nada) com esta medida. Em contraste, a pequena franja dos mais ricos tem muito a ganhar.

Além disso, é difícil sustentar a ideia de que a redução dos impostos vai atrair os jovens que emigraram. Os benefícios fiscais que já existem com o Programa Regressar, criado em 2019, têm como objetivo atrair quem tenha estado fora do país pelo menos 5 anos. No entanto, o sucesso parece ser bastante limitado: terão regressado cerca de 4 mil emigrantes com este benefício, de acordo com um estudo³ do Ministério das Finanças, o que contrasta com os mais de 235 mil jovens até aos 35 anos que saíram do país desde 2011, segundo os dados⁴ do INE. Não é a redução de impostos que vai inverter a tendência de emigração porque não são os impostos que impedem os jovens de construir o seu projeto de vida no país.

Na área da habitação, as medidas do governo também passam pela fiscalidade: mais especificamente, a isenção de IMT e de imposto de selo para compra de habitação própria e permanente por jovens até aos 35 anos. Casas que custem até 316 mil euros ficam totalmente isentas e, para as que custem até 633 mil euros, isenta-se metade do valor. Mais uma vez, estamos a falar de uma medida dirigida a uma parte muito pequena dos jovens: os que já têm ou estão próximos de ter condições para comprar casas aos preços exorbitantes que hoje se enfrentam no mercado.

Essa não é a realidade da maioria dos jovens, que tem dificuldade até para arrendar e dificilmente consegue poupar o suficiente para conseguir financiar a entrada de uma casa. Isso deve-se ao facto de os salários terem crescido muito abaixo dos preços das casas nos últimos anos. O mercado imobiliário encontra-se inflacionado pela intensificação do turismo e pelos fundos imobiliários e não-residentes endinheirados que não procuram casas para viver, mas sim como ativos para especular e gerar mais-valias. O preço pago por compradores com domicílio fiscal no estrangeiro (ou seja, por não-residentes no país) é 43% superior ao dos compradores nacionais. Neste contexto, a redução do IMT não resolve as dificuldades da maioria dos jovens.

O problema não está nos impostos, mas no que proporcionam

Os impostos são o preço que pagamos para viver numa sociedade decente. O problema está, sobretudo, no que proporcionam. Em Portugal, os últimos dez anos têm sido marcados por uma política de sub-investimento sistemático que degrada os serviços públicos, como demonstram os casos da saúde e dos transportes. A quase ausência de oferta pública de habitação a preços acessíveis também reflete o sub-investimento. Não surpreende que Portugal seja um dos países da UE onde os jovens saem mais tarde de casa dos pais.

Nenhum destes problemas se resolve por via dos impostos. A redução de impostos baseia-se numa perspetiva individualista que acaba por beneficiar desproporcionalmente quem já tem mais. Pelo contrário, as receitas do Estado são o que permite financiar o investimento público que tem faltado. Investir no SNS para reduzir os entraves ao acesso e as listas de espera, reforçar os transportes públicos para facilitar a mobilidade (e combater alterações climáticas), ou investir numa rede de creches públicas onde os casais possam deixar os filhos são exemplos de medidas que permitem dar condições para que todos – sejam mais ou menos jovens – possam construir a sua vida em Portugal.

Notas:
¹ https://ec.europa.eu/economy_finance/publications/economic_paper/2015/pdf/ecp544_en.pdf
² https://www.cor.europa.eu/en/engage/studies/Documents/addressing-brain-drain/addressing-brain-drain.pdf
³ https://www.gpeari.gov.pt/documents/35086/393218/Artigo+1-2024-Impacto+do+Programa+Regressar.pdf/13388442-c97d-8fb4-b616-0721e792f32f?t=1705085342238
⁴ https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0007303&contexto=bd&selTab=tab2

Vicente Ferreira

(1998)
Economista e doutorando na Universidade La Sapienza (Roma)

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