A mulher portuguesa e as conquistas de Abril
2024 é o ano das comemorações dos 50 anos da Revolução de 25 de Abril de 1974. A data tem sido tema de relevo na imprensa escrita, em peças de teatro, documentários e filmes, exposições e concertos onde se ouviram as canções de intervenção e foi inaugurada uma nova canção intitulada «Abril é sempre Primavera», com letra de José Luís Peixoto.
A «Revolução dos Cravos» é inspiradora porque foi uma lufada de ar fresco que varreu a opressão dum país amordaçado e trouxe a liberdade, a igualdade, a paz, a democracia.
Com a implementação da democracia são reconhecidos direitos e deveres iguais para homens e mulheres. Os direitos à educação, à saúde, à cultura são garantidos institucionalmente a todos os cidadãos sem discriminação do sexo, etnia ou religião.
Em curto período de tempo as mulheres conseguiram conquistas legislativas de grande alcance.
Três diplomas determinam o acesso da mulher a todos os cargos da carreira administrativa local[1], à carreira diplomática[2] e à magistratura[3].
A mulher passa a ter o direito de voto[4] que exerce de imediato nas eleições para a Assembleia Constituinte.
A «Constituição da República Portuguesa» (1976) garante a igualdade de oportunidades de tratamento no trabalho e no emprego[5] e afirma que na família o homem e a mulher têm os mesmos direitos e deveres quanto à capacidade civil e política, no respeitante à educação dos filhos.
Reconhecido o valor social da maternidade é aprovada uma licença de maternidade de 90 dias[6] que posteriormente tem vários alargamentos.
O novo Código Civil (1978) restabelece o direito ao divórcio, extensivo às uniões canónicas[7].
O Código Penal (1983) introduz alterações importantes no respeitante aos maus tratos entre cônjugues e contra menores.
Bastante mais tarde, entra em vigor a «Lei da Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez»[8] que contribuiu para a diminuição do aborto clandestino.
Consagradas na lei as reivindicações femininas, o estatuto da mulher foi mudando gradualmente para melhor e elas assumiram-se como cidadãs de pleno direito na construção duma sociedade mais justa e fraterna.
Vivência em democracia
Ao longo destes 50 anos é inegável que as portuguesas contribuíram, de modo inestimável, para o desenvolvimento e o progresso do país.
Activas em todos os sectores da sociedade: educação e ensino, saúde, cultura, ciência, economia, inclusive na política, elas exercem as mais diversas profissões e distinguem-se como autarcas.
Apesar destes sucessos, Abril ainda não foi cumprido. Não basta a consagração na lei, pois na prática existem desigualdades e discriminações. Nomeamos algumas:
- A diferenciação salarial para trabalho de igual valor, o homem recebe sempre mais do que a sua colega de trabalho;
- As dificuldades encontradas na ascensão da carreira, no acesso a lugares de topo;
- O desemprego feminino é em número superior ao do homem;
- O aumento do número de mulheres só aparece em postos de trabalho com níveis de qualificação mais baixos.
Note-se ainda a subida impressionante da violência doméstica contra as mulheres, com perda de vidas.
São problemas múltiplos e variados a exigirem solução sem todavia serem tomadas as decisões indispensáveis à sua efectivação.
Nos tempos turbulentos e difíceis que se vivem actualmente as mulheres actualizam as suas reivindicações e, organizadas em diferentes associações, continuam a sua luta pela igualdade de oportunidades (que após a Conferência de Pequim em 1995 passou a designar-se de “igualdade de género”).
Isto significa pôr ao serviço da sociedade as competências e talentos dos cidadãos e das cidadãs para a resolução dos problemas. Só desta forma a sociedade poderá progredir.
Mas há ainda outras lutas. As mulheres portuguesas querem o fim das guerras e reafirmam que só a Paz representa vida, progresso, diálogo e entendimento entre povos.
As mulheres enfrentam dificuldades com as subidas brutais do custo de vida, o aumento das rendas, da energia, das comunicações, e reagem.
As mulheres denunciam situações discriminatórias e defendem a sua dignidade.
As mulheres insurgem-se contra os despedimentos e o seu contínuo empobrecimento, que lhes faz perder direitos.
As mulheres exigem que os valores e os princípios de Abril sejam respeitados e prossigam o seu caminho em frente.
Notas: [1] Decreto-Lei nº 251/74, 12 de Junho [2] Decreto-Lei nº 308/74, 6 de Julho [3] Decreto-Lei nº 492/74, 27 de Setembro [4] Decreto-Lei nº 621/74, 15 de Novembro [5] Decreto-Lei nº 392/79, 20 de Setembro [6] Decreto-Lei nº 112/76, 7 de Fevereiro [7] A inovação introduzida é o direito ser extensivo ao casamento canónico. [8] A Lei 16/2007, 17 de Abril, despenaliza a IVG quando realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas de gravidez.
Nº 1768 - Outono 2024
