TRIBUNA PÚBLICA – “Da mudança (necessária)”
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Muda-se o ser! Disse-o Camões. O ser muda-se a si? Sim, se houver vontade.
Mudar, transformar.
A necessidade de mudar, as forças da mudança, os interesses que impulsionam essas forças.
No início do séc. XIX para os ludistas as máquinas eram inimigas dos trabalhadores e daí incitarem à sua destruição.
As necessidades não são coisa sentida de igual maneira por todos nem no mais pequeno núcleo organizado da sociedade humana.
As necessidades aliadas à consciência da capacidade de gerar novas situações, novas formas, são o fator essencial do desenvolvimento da sociedade, desenvolvimento que, dada a diversidade dos entendimentos sobre a importância dessas necessidades geram os mais diversos conflitos aos mais diversos níveis da sociedade.
Hoje, dois séculos passados, se ainda existem reações de tipo ludista elas não provocam qualquer efeito significativo no desenvolvimento do processo sociopolítico.
Assiste-se hoje a novas necessidades. Novas necessidades resultantes de combater as consequências produzidas por processos de satisfação de necessidades que entretanto se tornaram em fatores geradores de outras necessidades, a necessidade de criar novas ferramentas, novos meios, para eliminar os seus efeitos nefastos e novos produtos que substituam os que se tornaram numa necessidade, mas numa necessidade em os tornar desnecessários.
Se não é novo tal fenómeno na história da humanidade desde o momento em que o homem começou a transformar o meio em que vivia partindo da utilização dos recursos que a natureza lhe oferecia por via da sua capacidade intelectual em proceder à sua transformação, acontece que hoje, dada a rapidez com que se processa o desenvolvimento de novos produtos (desde produtos tidos como bens essenciais, de primeira necessidade, a produtos que, não sendo de primeira necessidade, são cada vez mais procurados e consumidos (cultura e recreio).
Mas o ser, a que Camões se referia, continua basicamente o mesmo! Um ser com sentimentos (haverá sentimentos novos?) com ambições, com sonhos, com desejos, que ontem como hoje os nossos 86 biliões de neurónios processam a partir dos estímulos cada vez mais diversos que vão chegando até eles.
Tanto que mudar, que transformar! Porque, segundo Lavoisier…
Tanto conflito por eclodir, tanto sonho por tornar realidade e, sobretudo, tanta luta a levar por diante para que calamidades evitáveis como a que hoje a todos ameaça derivada do insuficiente combate á degradação do meio ambiente essencial ao prosseguimento da vida em qualquer lugar do planeta em segurança e em condições de dignidade que o conhecimento humano se racionalmente aplicado pode a todos proporcionar, não venham a ocorrer.
Agir, lutar pela construção duma consciência coletiva que permita abrir o caminho para a grande mudança, a grande transformação do ser. Transformação no sentido da cooperação em vez da competição. Transformação que não é só possível como necessária. Pois que o que a competitividade pode ter de positivo é largamente superado pelo que gera de destrutivo. A destruição necessária à máquina capitalista, à ambição de promoção individualista.
Tal consciência parece já não ser só uma questão respeitante a uma classe, a classe explorada, ela expande-se já por setores fora dessa classe. Setores que não comprometidos com a “máquina” já a questionam, já questionam as suas grandes virtudes (a sua dinâmica criativa, geradora de inovação constante, novos produtos, novos serviços) que, face aos desastres que têm provocado exigem a sua reponderação e substituição por um modelo mais sujeito ao controlo efetivo da sociedade, um modelo assente na ideia de casa comum, onde o exercício dos direitos, o exercício das diferenças – os diferentes modos de ver, de estar – se processe sem conflitos, em diálogo, amistosamente, fraternalmente. O, «proletários de todos os países uni-vos», de Marx e Engels, poderá dar lugar hoje a «defensores do bem comum de todo o mundo uni-vos». Afinal nada mais que concretizar, materializando-os, os valores proclamados pelos revolucionários franceses de 1789: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
E, porque estamos no ano Camões (500 anos):
Amor, que o gesto humano n’ alma escreve,
vivas faíscas me mostrou um dia,
donde um puro cristal se derretia
por entre vivas rosas e alva neve.
A vista, que em si mesma não se atreve,
por se certificar do que ali via,
foi convertida em fonte, que fazia
a dor ao sofrimento doce e leve.
Jura Amor que brandura de vontade
causa o primeiro efeito; o pensamento
endoudece, se cuida que é verdade.
Olhai como amor gera num momento,
de lágrimas de honesta piedade
lágrimas de imortal contentamento.
Rimas, Soneto 42
Nº 1767 - Verão 2024
