1921 - 2021

Percurso

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Fundada por um grupo de intelectuais republicanos, em que avultavam os nomes de Jaime Cortesão, Raul Proença, Aquilino Ribeiro, Raul Brandão, Ferreira de Macedo, Câmara Reis e Faria de Vasconcelos, a revista surgiu em plena crise das instituições liberais do republicanismo, desencadeada pelas consequências de vária ordem da participação de Portugal na Grande Guerra. O «grupo Seara Nova» adoptava uma atitude ética de desinteresse pelo exercício do poder em nome da prioridade da «reforma da mentalidade da elite portuguesa e consequente formação de uma «opinião pública nacional que exija e apoie as reformas necessárias», «opondo-se ao espírito de rapina das oligarquias dominantes e ao egoísmo dos grupos, classes e partidos» e condenando os constantes movimentos revolucionários em nome da verdadeira Revolução - a dos espíritos (nº 1, 15.10.1921). Dois anos depois, e coincidindo com a entrada de António Sérgio na direcção da revista, estes propósitos eram melhor precisados. Os seareiros definem-se como «republicanos de tendência socialista», demarcando-se quer do bolchevismo, quer do liberalismo económico, quer ainda do jacobinismo republicano sectário, e defendem a institucionalização de um «parlamento técnico» consultivo ao lado do parlamento político (nº 22, Abril 1923). Um pensamento filosófico de cunho racionalista-idealista crítico surgia ao mesmo tempo como alternativa ao desacreditado positivismo que inspirava a geração republicana no poder e como antídoto contra as novas correntes irracionalistas que seduziam as jovens gerações intelectuais.(…) No plano da estratégia política, duas preocupações dominaram a actuação da Seara Nova: a denúncia do perigo fascista e a desmontagem doutrinária das mistificações das correntes ideológicas de extrema-direita (do Integralismo Lusitano à Cruzada Nun`Álvares), sobretudo pela pena de Raul Proença, por um lado, e o apelo, por outro lado, à formação de um governo extrapartidário, dotado de «poderes excepcionais» mediante prévia autorização parlamentar, que executasse um «programa mínimo de salvação pública», cujas medidas essenciais se enumeravam em três documentos sucessivos, publicados em 1922 e 1923. Os acontecimentos vieram dar razão aos seareiros. E se a 30 de Maio de 1926 ainda admitiam a hipótese, embora já com muitas reservas, da possibilidade de se vir a formar o seu desejado «governo excepcional [...] composto de competências [...] a fim de preparar [...] um insofismado regime de instituições democráticas, adaptadas às necessidades do nosso tempo», não deixavam de manifestar a sua reprovação de um «governo com a tendência a firmar um regime antiliberal e o predomínio de classe, e a não respeitar a liberdade de consciência sob todas as suas formas». A 10 de Junho de 1926, porém, já Raul Proença denunciava a incompetência dos novos governantes e a 23 do mesmo mês acusava-se o programa apresentado por Gomes da Costa de não caber «de uma maneira geral dentro do regime republicano» e propunha-se o almirante Gago Coutinho para presidente do Governo. A censura não poupará a partir de então os textos da revista, que se vê obrigada a suspender a publicação entre 12 de Agosto de 1926 e Abril de 1927, depois de ter chegado a assegurar a periodicidade semanal entre 3.10.25 e 23.7.26. Inicia-se então o 2º ciclo da vida do grupo e da sua revista com os seus principais membros no exílio (Sérgio por ter assinado em nome da Seara um documento contra o empréstimo externo solicitado pelos militares, Proença pelos seus famosos «Panfletos» clandestinos e pela participação com Jaime Cortesão no movimento de 3-7 de Fevereiro de 1927) e integrando a Liga de Defesa da República. Limitados pela censura na capacidade de acompanhamento crítico dos acontecimentos políticos, os seareiros investem sobretudo na acção doutrinária, bem patente na célebre série de artigos de Raul Proença sob o título «Para um evangelho de uma acção idealista no mundo real» (1928) e nos artigos com que Sérgio, director-delegado da revista a partir de 7.6.1934, teoriza o racionalismo idealista, a democracia e o cooperativismo, numa óptica de valorização dos factores económico-sociais em relação aos factores políticos.(…) Em 1939 a saída de Sérgio causa uma grave crise no grupo e na revista que sobreviverá com dificuldades nas duas décadas seguintes. Com participação autónoma nos movimentos de unidade democrática, como o MUD em 1946, o grupo alimenta-se de um discurso antifascista e reivindicativo das liberdades cívicas e a revista na década de cinquenta vai pouco além dos mil exemplares de tiragem, não ultrapassando setecentos o número de assinantes efectivos. As dificuldades financeiras explicam, por outro lado, a crescente irregularidade da publicação. Câmara Reis apercebe-se da necessidade de lhe injectar sangue novo e reúne em 1957-1958 um novo grupo seareiro, em que avultam nomes como Manuel Sertório, entretanto nomeado director-adjunto, Rui Cabeçadas, Nikias Skapinakis, Augusto Abelaira e Lopes Cardoso. O grupo de Azevedo Gomes, defensor da linha republicana tradicional, acaba por se afastar.Em Janeiro de 1959 a Seara reaparece com nova orientação e renovado aspecto gráfico. De conteúdo mais variado, a revista propunha-se «desenvolver um amplo inquérito aos problemas actuais da gente portuguesa e proceder ao estudo e à articulação das soluções democráticas e socialistas ajustadas àqueles problemas». Morto Câmara Reis em 1961, sucede-lhe Augusto Casimiro. Rogério Fernandes, então director-adjunto, virá a ser director entre 1967 e 1969, sendo substituído por Abelaira em 1969. Por demissão deste, Rodrigues Lapa assumirá o cargo entre 1973 e 1975, vindo a demitir-se por desacordo com a nova orientação resultante da conquista da maioria do capital social por accionistas ligados ao PCP.A revista e a editora tinham entretanto conhecido, ao longo do período marcelista, uma acentuada subida das tiragens e do número de assinantes e de títulos editados. Assim, em 1972, a revista, de rigorosa periodicidade mensal, atingia os 26.500 exemplares de tiragem com 16.373 assinantes, com 70 por cento dos leitores nas camadas etárias até aos 34 anos. Em vésperas do 25 de Abril, a tiragem rondava já os 30.000 exemplares e o número de assinantes de cerca de 18 mil.(…) A ausência de outras publicações de carácter declaradamente oposicionista, a par de uma equilibrada colaboração de intelectuais ligados ao Partido Socialista, ao PCP e de outros independentes de esquerda, com assinaláveis melhorias na qualidade teórica dos textos e na apresentação gráfica, ajudam a explicar o êxito de uma revista que em 1971 comemorava o seu cinquentenário não apenas com um número especial, como já acontecera em 1946 por ocasião do 25.º aniversário, mas também com uma exposição itinerante, acompanhada de colóquios, que percorreu dezenas de colectividades por todo o país.(…) Assinale-se, por último, que a par da sua conhecida intervenção doutrinária e política, a Seara Nova foi igualmente um importante veículo difusor das artes e letras, que chegaram em muitos períodos a ocupar cerca de metade do espaço da revista. Grandes escritores deste século, como Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, José Rodrigues Miguéis, Manuel Teixeira-Gomes, Irene Lisboa, colaboraram regularmente nas suas páginas.

António ReisIn Dicionário de História do Estado Novo, volume IIDirecção de Fernando Rosas e de J.M. Brandão de Brito,Edição de Círculo de Leitores, 1996

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A FASE PÓS 25 DE Abril

José Saramago redige o 1º editorial da Seara pós 25 de Abril. As novas condições criadas com a revolução fizeram-se, naturalmente, sentir na vida e na razão de ser da Seara Nova. A Seara Nova deixava de ser um “lugar” de congregação de forças democráticas de oposição a um regime de ditadura o que implicava uma reorientação da sua linha editorial, da definição das suas prioridades, das suas posições que lhe permitissem sobreviver às naturais divergências ideológicas que se iriam fazer sentir, dada a instituição das liberdades políticas conquistadas com o 25 de Abril. Após algum período de indefinição quanto ao seu estatuto social que se reflete especialmente durante os anos de 1980 a 1984, em que unicamente para manter o título se publicaram 5 números que pouco mais continham que a capa. O seu diretor na altura e também detentor do “título” Seara Nova, Ulpiano Nascimento, propôs à então recém-criada Associação Intervenção Democrática - ID, a aquisição do referido título na condição de garantir a sua publicação regular mantendo-se como diretor. Assim aconteceu e Ulpiano Nascimento assegurou a direção da revista até ao fim da sua vida, ocorrido em 31 de Agosto de 2012, tendo-lhe sucedido, Levy Baptista (até ao número da Primavera de 2019) e até aos dias de hoje João Luiz Madeira Lopes, que têm mantido a linha editorial e o espírito seareiro que afinal se consubstanciam fundamentalmente na prossecução dos ideais e valores de Abril consagrados na nossa Constituição.

Conselho Redactorial, 2019