Cinema – “O Ano da Morte de Ricardo Reis”

Realizador: João Botelho Intérpretes: Chico Diaz, Luís Lima Barreto, Catarina Wallenstein, Victoria Guerra, João Barbosa, Rui Morrison. (Portugal, 2020)

João Botelho é um cineasta amante da literatura que, inspirado nela, tem adaptado ao cinema diferentes livros de autores portugueses. Citemos alguns: A Corte do Norte (Agustina Bessa-Luís, 2008), Filme do Desassossego (Fernando Pessoa, 2010), Os Maias (Eça de Queiroz, 2014).

No presente filme escolheu o livro de José Saramago: O Ano da Morte de Ricardo Reis.

O poeta R. Reis, exilado no Brasil voluntariamente, decide regressar a Lisboa após a morte de F. Pessoa, e instala-se no Hotel Bragança.

A narrativa desenrola-se em 1936, «o ano de todos os perigos» (Saramago).

O filme, rodado a preto e branco, logo nas primeiras cenas mostra-nos a capital sob uma chuva diluviana que parece nunca acalmar, acentuando o negrume dum país sob a repressão, o medo, a perseguição da polícia política e subjugado por enorme pobreza.

Devido aos limites orçamentais, o realizador optou por centrar-se mais nas cenas de interior. Mas o enredo do romance está todo lá: os amores de Ricardo Reis com Lídia (C. Wallenstein numa interpretação notável) e Marcenda (Victoria Guerra), as notícias avassaladoras da ascensão dos fascismos italiano e alemão, e em Portugal onde Salazar instaura a ditadura.

Há ainda cenas mais grandiosas como as peregrinações a Fátima, onde não acontecem milagres, ou o comício estridente e ameaçador realizado em homenagem a Salazar.

Os diálogos entre R. Reis e o fantasma de Pessoa, que lhe aparece no quarto, são um misto de sonho e realidade sentindo as personagens que já estão fora do mundo que as rodeia.

Os actores que encarnam os respectivos papéis, o brasileiro Chico Diaz (Ricardo Reis) e Luís Lima Barreto (F. Pessoa) têm uma actuação adequada excelente.

Sublinhe-se neste filme dois aspectos importantes: a música suavíssima duma orquestra de violinos que acompanha cenas mais íntimas e emotivas e o respeito de João Botelho pela linguagem usada pelos escritores, transcrevendo-a directamente na versão cinematográfica.

Este é um filme para ver devagar, apreender o seu sentido profundo, pensar, saborear.

E porque formar um bom espectador de cinema leva muito tempo, o cineasta vai divulgar o seu filme, pelas escolas e pelas salas de teatro e cinema de várias regiões, para falar da sua obra e incitar o público à leitura ou releitura do romance de Saramago.