Análise da Proposta de Orçamento do Estado para 2021

A grave crise de saúde pública causada pelo “coronavírus” criou uma grande insegurança e uma elevada incerteza que torna qualquer previsão difícil correndo mesmo o risco de ter de ser corrigida poucas semanas ou meses depois. Por ex., a existência de uma vacina eficaz ou não pode alterar radicalmente a situação económica e social, assim como a capacidade de cada país para tornar acessível essa vacina à população (apenas a uma parte ou à maioria), bem como a reação desta (aceitar ou não devido ao risco de não ter sido testada durante o tempo que é habitual motivada pela urgência em atacar o vírus), tudo isto torna quaisquer previsões, incluindo, as económicas e as orçamentais muito incertas. Recorde-se o que tem acontecido com as previsões da contração da economia, que todos os meses mudam, e que cada entidade apresenta uma diferente.

Mesmo correndo todos estes riscos, é importante analisar e refletir sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2021 apresentada pelo governo PS, até porque ela permite identificar as opções políticas do atual governo. O quadro 1, com dados do Relatório do OE-2021, permite fazer essa análise.

Comecemos por analisar a evolução dos impostos e da carga fiscal com os governos PSD/CDS e PS, e depois a previsão de 2021, pois desta forma ficam claras as opções políticas de cada um deles.

Entre 2011 e 2015, portanto em 4 anos de governo PSD/CDS, as receitas que têm como origem impostos aumentaram em 14,1% (+4.820 milhões €), e entre 2015 e 2021, ou seja, em 6 anos de governo PS aumentarão em 12,5% (+ 4.866 milhões €). Em percentagem do PIB, e é desta forma que se mede a  carga fiscal, entre 2011 e 2015, o peso dos impostos aumentou de 18,2% para 21,3%, que é uma subida significativa, prevendo-se que em 2021 diminua para 20,8% do PIB, que é um valor próximo do verificado em 2020 (20,7% do PIB).Portanto a carga fiscal global diminuiu com o PS.

Mas uma análise mais fina revela politicas fiscais muito distintas no período 2011/2015 e 2015/2021, ou seja dos governos PSD/CDS e PS. Enquanto com o governo do PSD/CDS, o aumento enorme de impostos, para empregar as próprias palavras do ex-ministro das Finanças do governo PSD/CDS, Vítor Gaspar, agora diretor do FMI pelo “bom” trabalho realizado, isso foi conseguido fundamentalmente à custa de um aumento brutal do IRS, ou seja, de um imposto direto, pago por trabalhadores e pensionistas (cerca de 90,5% dos rendimentos declarados diretamente pelos contribuintes para efeitos de IRS são rendimentos do trabalho e pensões) como revelam os dados do quadro 1 (60,9% do aumento da receita fiscal tem como origem o IRS); pelo contrário, com o governo PS, 83,4% do aumento de receita fiscal (+4.866 milhões €) é conseguido através dos Impostos Indiretos, ou seja, do IVA, ISP, IV, IT, etc.,  enquanto a receita que tem como origem o IRS representa apenas 14,9%.

Embora a carga fiscal direta sobre os rendimentos do trabalho e sobre as pensões tenha diminuído com o governo PS, mas não o suficiente para anular o enorme aumento de Vítor Gaspar (a tabela de IRS continua a ser muito menos progressiva do que a que existia antes do governo PSD/CDS), no entanto, a política fiscal do governo PS agravou outras desigualdades.

Assim, o peso dos impostos indiretos, que são impostos mais injustos, porque não têm em conta o rendimento do contribuinte (seja pobre ou rico, quando se adquire o mesmo pacote de cigarros ou mesmo litro de gasolina paga-se o mesmo de imposto), que tinha diminuído, entre 2011 e 2015, de 56,6% das receitas fiscais para 53,2%, aumenta, em 2021, para 56,6% das receitas fiscais totais, enquanto o peso dos impostos diretos que são mais justos (quanto maior é o rendimento do contribuinte mais paga de imposto, embora os mais ricos conseguem fugir a isso) diminuiu, entre 2015 e 2021, de 46,8% para 43,4%, como mostram também os dados do quadro 1.

Uma análise comparativa dos dados referentes a receitas de impostos dos anos 2020 e 2021, mostra que o governo atual prevê um aumento na receita que tem como origem os impostos de 2.839 milhões €, sendo 1.393 milhões € em impostos diretos e de 1.446 milhões € em impostos indiretos. Mas o aumento da receita de impostos diretos, tem como origem fundamental o IRC (+1.167 milhões €), e a dos impostos indiretos o IVA (+ 1.228 milhões €). E a receita destes dois impostos depende muito do nível da atividade económica e do consumo, e estes dois itens estão dependentes da evolução da pandemia e dos seus efeitos a nível da economia e do fecho e falências de empresas e rendimentos da população, ou seja, o grau de incerteza é muito grande neste momento.

Um orçamento que não corresponde às necessidades para enfrentar a grave crise de saúde pública causada pelo “COVID19” nem é suficiente para reativar a economia

O quadro 2, retirado do Relatório que acompanha a proposta de OE-2021 (pág. 71), e referente a todas as Administrações Públicas (Central, Local e Regional) mostra, em contabilidade pública (recebimentos e pagamentos) a previsão de receitas e despesas para 2021, como também o registado em 2020 (estimativa) e em 2019 (executado).

A conclusão que imediatamente se tira do orçamento de despesa de todas as Administrações Públicas (Central, Local e Regional) é a sua clara insuficiência para enfrentar a grave crise de saúde pública resultante do COVID19, e para recuperar a economia que está mergulhada num autêntico “buraco” com os sucessivos confinamentos e fechos de empresas impostos pelo governo para reduzir o número diário de infetados e evitar o colapso dos hospitais, agravado pela fragilidade da economia, muito dependente do exterior e, nomeadamente, do turismo, e do SNS, que estava profundamente impreparado devido à suborçamentação crónica e à falta de investimento, quer em profissionais de saúde quer em equipamentos, levada a cabo pelos sucessivos governos, incluindo o atual apesar dos esforços que tem feito, fazendo engenharia com os dados, para ocultar a realidade.

Se comparamos a despesa total de todas as Administrações Públicas estimada para 2020 – 97.042 milhões €, e ainda não está completa pois este ano ainda não está encerrado – com a prevista para 2021 – 100.856 milhões € – o aumento é apenas de 3.814 milhões € para todas as Administrações Públicas, quando em 2020 foi de 7.354 milhões €, ou seja, praticamente o dobro do previsto para 2021.

Se se fizer uma análise mais fina, por ex., das despesas com pessoal conclui-se que, entre 2020 e 2021, prevê-se um aumento de apenas 1,8% quando, entre 2019 e 2020, a subida foi de 3,7%, mais do dobro. E em 2021, todos reconhecem que é necessário reforçar a Administração Pública, nomeadamente o SNS, porque os problemas que enfrenta o país são enormes e são grandes e graves as dificuldades que enfrentam os portugueses, e os desafios que se colocam e que se têm de vencer são também enormes. E o Estado tem um papel fundamental e insubstituível a desempenhar e sem um grande reforço do pessoal qualificado e de equipamentos ficará impossibilitado de ter esse importante papel. O quadro 3, retirado do Relatório da proposta do Orçamento do Estado para 2021 (pág. 261) confirma a insuficiência de fundos atribuídos ao SNS na proposta de OE-2021.

Segundo o Relatório do governo que acompanha o OE-2021, a transferência para o SNS em 2021 prevista na Proposta do Orçamento do Estado é praticamente igual à de 2020. Em 2020: 10.311,2 milhões €; em 2021: 10.315,2 milhões €. O governo fala tanto na necessidade de reforçar em pessoal, em equipamentos e em outros meios o SNS, mas a pergunta que imediatamente se coloca é a seguinte: Como será possível fazer isto quando na própria proposta de Orçamento do Estado de 2021 a transferência prevista para o SNS é praticamente igual à de 2020? Esperemos que os partidos da esquerda na Assembleia da República consigam aumentar este valor, pois sem meios, e a escassez era e é enorme em tudo e em toda a parte como os factos relatados todos os dias pelos media confirmam, o SNS será incapaz de responder às necessidades não só dos doentes do COVID mas também de outras doenças tão ou mais graves que as causadas pelo coronavírus (cancro, cardiovasculares, diabetes, etc.).

O aumento significativo da dívida pública já que as receitas do Estado, com a quebra brutal da atividade económica e a falência de muitas empresas, afundam-se.

Um aspeto importante a ter presente nas crescentes dificuldades que o país e o Estado enfrentam, que é subestimado por muitos, é o rápido aumento da dívida pública com consequências no futuro.

Entre dezembro de 2019 e agosto de 2020, a dívida das administrações aumentou de 310.466 milhões € para 327.313 milhões €, ou seja, em 16.849 milhões €. E a dívida do Estado na ótica de Maastricht cresceu, no mesmo período, de 249.985 milhões € para 267.114 milhões €, ou seja, em mais 17.129 milhões €. Em percentagem do PIB a dívida pública total aumentou, no mesmo período, de 145,6% do PIB para 155,7% do PIB, ou seja, em 10,1 pontos percentuais (a de Maastricht subiu de 117,2% do PIB para 126,1% do PIB). Em agosto de 2020, a dívida do Estado ao estrangeiro já atingia 134.305 milhões € segundo o Banco de Portugal. É preciso ter isto presente, tudo isto, nas decisões de despesa que se tomem. Mesmo com juros negativos ou próximos de zero a despesa prevista em 2021 para os pagar, só juros, é já 5.487 milhões €. É preciso investir quer economicamente quer socialmente de uma forma produtiva, pois não há almoços grátis neste campo.