Países de Língua Oficial Portuguesa (o presente e o futuro)
A análise da situação dos povos e países africanos de língua oficial portuguesa não pode deixar de levar em consideração as consequências resultantes da globalização.
É que com a queda da bipolaridade, por efeito da implosão de um dos seus polos, no caso a ex-URSS, todos esses países passaram a adotar como modelo a economia de mercado e a realização de eleições multipartidárias.
Os que, após as independências, tiveram guerras civis de grande intensidade como Angola e Moçambique, procuraram realizar as primeiras eleições em simultâneo com a instauração da paz e da reconciliação.
A conceção política que antes da globalização existia, sustentada na planificação da economia e na concentração dos meios de produção no Estado, foi alterada sofrendo transformações profundas sob efeito do mundo novo, primitivamente unipolar e, posteriormente, multipolar que é aquele em que estamos.
Com a maioria da população afeta a uma economia de subsistência, e uma média etária muito baixa, na ordem dos vinte anos, a generalidade destes países não conseguiu dar o salto e superar o ciclo de pobreza.
Este quadro foi e é agravado pela existência de administrações públicas pouco eficientes, com carência de quadros em que a boa governação não tem sido regra.
Esta conclusão é, aliás, comum à grande maioria dos estados africanos, como reflectem os estudos credíveis que sobre eles se debruçam.
É sabido que a avaliação da boa governação tem sido, de forma reiterada, reconhecida apenas a Cabo Verde de entre todos os países de língua oficial portuguesa.
Singularmente é o mais carente de recursos naturais, sem commodities e com receitas orçamentais em parte significativa suportadas no turismo e na remessa de emigrantes.
A pandemia Corona vírus veio, porém, afetar de forma muito significativa a situação económica e financeira do país, pelos condicionalismos e limitações da utilização do espaço aéreo, essencial ao turismo, verificando-se mesmo que, durante vários meses, deixaram de ocorrer voos regulares de e para as ilhas.
Tendo Cabo Verde uma forte diáspora espalhada pelo mundo, da Europa aos Estados Unidos da América, a pandemia não deixou de afetar o emprego de parte dos trabalhadores emigrantes, repercutindo-se na diminuição das remessas.
Sendo, seguramente, Cabo Verde o país, de entre os de língua oficial portuguesa que, do ponto de vista relativo, mais impacto negativo sofreu, tal não evitou que tivesse realizado, com forte participação e em segurança, as eleições autárquicas previstas, tendo os eleitos tomado posse no passado dia 20 do mês de novembro.
As eleições legislativas e presidenciais terão lugar e realizar-se-ão já no próximo ano.
Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe são, aliás, os únicos desses países que realizam eleições autárquicas, sendo o caso de Moçambique sui generis por as ter concebido de forma gradual e não, desde logo, universal como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Angola projetara realizar as primeiras eleições autárquicas neste ano, 2020, sem, contudo, definir se seguia ou não o sistema adotado por Moçambique. Espera-se que as mesmas tenham lugar em 2021 e é muito desejável que tal ocorra.
Por outro lado, das projeções credíveis que existem para o ano em curso, e quanto ao PIB de todos os países de língua oficial portuguesa, apenas se espera que Moçambique apresente um muito ligeiro crescimento, sendo que os demais apresentarão diminuições significativas.
No caso de Moçambique, as questões mais sensíveis com que o país politicamente terá que lidar, para além dos processos em curso do desvio de dois mil milhões de dólares do erário público, alegadamente realizado no período em que o Presidente anterior, Armando Guebuza, exercia o cargo, será a grave destabilização causada por um ramo do Daesh, o Shaab que opera em Cabo Delgado, região riquíssima em gás natural.
O facto de grandes operadoras multinacionais beneficiarem de contratos já celebrados com o Estado moçambicano para a exploração de gás, e de todos os países da região recearem o crescimento da insurreição existente, permite perspetivar, com realismo para 2021, o controlo da situação pelo Estado, sob pena do crescimento dos riscos para o país.
Não creio que a ala da Renamo que persiste em pôr em causa a liderança de Ossufo Momade, que se seguiu ao líder carismático Afonso Dlakama, concorra para criar condições que afetem, no essencial, a estabilidade do país.
A Guiné-Bissau, que realizou eleições presidenciais e legislativas no período imediatamente anterior à pandemia, e viu as mesmas impugnadas pelo dirigente do PAIGC, Eng.º Domingos Simões Pereira, que fora já Secretário-geral da CPLP, também ele candidato a Presidente da República, constatou que a comunidade internacional, incluindo a UE e, com ela, Portugal, acabou por reconhecer a vitória do Presidente Umaru Sissoco Embaló que, aliás, visitou recentemente Portugal tendo sido recebido pelo Presidente da República e pelo Primeiro-ministro.
É de admitir que este reconhecimento contribua para o reforço da estabilização política do país, e que este encontre as vias adequadas para credibilização da ação do próprio Estado também, por vezes, criticado pela inoperância perante o narcotráfico.
O país tem condições excepcionais para desenvolver o setor primário e tem também regiões paradisíacas nos Bijagós que apresentam enormes potencialidades para atrair um turismo de eleição como poucos países, tal como São Tomé e Príncipe.
No que respeita a São Tomé e Príncipe as últimas eleições legislativas e presidenciais ocorridas em 2018 e 2016 respetivamente, conduziram no último caso a que o anterior Presidente, Patrice Trovoada, não renovasse o mandato sendo eleito Evaristo do Espírito Santo Carvalho, tendo as legislativas dado lugar a uma coligação de partidos, entre os quais o histórico MLSTP que indigitou o Primeiro-ministro.
A “geringonça” iniciada por António Costa em Portugal teve seguidores em São Tomé e Príncipe…
São Tomé e Príncipe que era dos poucos países do mundo que reconhecia Taiwan passou a reconhecer, no final da presidência de Patrice Trovoada, a República Popular da China, admitindo que o porto de águas profundas e o novo aeroporto pudessem vir a ter condições de financiamento para avançar.
A uma hora de voo de Angola, e a pouco mais de países do Golfo da Guiné, entre os quais o Gabão, bafejado por um clima que favorece a agricultura, com praias também paradisíacas nas duas ilhas, e um oceano rico em peixe, o país tem todas as condições para recriar a esperança no futuro superando a economia colonial que assentava na exploração de cacau.
Outro país africano de língua portuguesa que foi a jóia da coroa do império colonial português, Angola, vive presentemente uma encruzilhada.
As últimas eleições presidenciais deram lugar a uma transição pacífica de José Eduardo dos Santos para João Lourenço que era, até à candidatura de Presidente da República, Ministro da Defesa, e havia sido também Secretário-geral do MPLA, partido do poder.
Para que essa transição tivesse lugar não foi alheio o facto da comunidade internacional considerar que a longevidade no cargo do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, e sobretudo, a dimensão das críticas feitas à pouca transparência da governação, em especial após 2002, na decorrência dos acordos de paz com a UNITA, aconselhar uma mudança profunda a começar pelo mais alto responsável do Estado.
Não admira, por isso, que a campanha eleitoral de João Lourenço tivesse concentrado baterias na luta contra a corrupção e na diversificação da economia, propondo-se criar durante o seu mandato milhares de postos de trabalho.
A expectativa que gerou e a esperança recriada nos primeiros tempos do exercício do cargo, tornaram o novo Presidente uma personalidade interna e externamente muito bem aceite e acarinhada.
A realidade económica e financeira que encontrou após a posse, muito diferente da que, seguramente admitia existir, cedo o confrontou com instituições financeiras exauridas de divisas, comprometendo o conjunto das obrigações do Estado com o exterior, de par com a situação falimentar de muitos Bancos, e mesmo de empresas públicas estratégicas como a Sonangol, conduzindo ao agravamento do estado social, à carestia de vida e ao aumento do desemprego, com o investimento a cair.
João Lourenço não hesitou, perante a situação que se lhe deparou, em fazer um acordo de médio prazo com o FMI, procurando também, em contactos multilaterais internacionais diversificados, obter apoios que amortecessem o impacto das dificuldades.
A luta contra a corrupção inicialmente assumida com determinação tem tido avanços e recuos, sem muitas vezes se apresentar com uma metodologia coerente, suscitando, por isso, interrogações na opinião pública com repercussão nos media e nas ativas redes sociais.
A necessidade de levar por diante a luta contra a pandemia do Corona vírus fez evidenciar as muitas das fragilidades que vinham do passado, impondo a necessidade urgente da renegociação da dívida com os credores internacionais.
Esta renegociação ainda não foi plenamente alcançada, sendo nela prioritária a fixação de moratórias com prazos razoáveis de regularização e, nalguns casos, de perdões parciais para que as verbas assim disponíveis possam ser alocadas a objetivos económicos que foram fixados e, de entre eles, os da diversificação da economia.
Para essa diversificação é fundamental ter um olhar atento à auto-sustentabilidade do país, ou seja, atender ao setor primário e melhorar a eficiência do Estado.
É um quadro muito difícil o que o Presidente da República tem pela frente, tanto mais que há problemas políticos que se colocarão no curto prazo, nomeadamente a fixação das eleições autárquicas em 2021 e o início da preparação do calendário eleitoral para as próximas legislativas e presidenciais.
As enormes potencialidades que o país tem a todos os níveis legitima, porém, que se encare o futuro com optimismo.
Feitas estas notas sobre cada um dos países de língua oficial portuguesa, importa agora considerá-los no seu conjunto.
Esta análise implica, necessariamente termos presente o quadro mundial e a CPLP.
Na globalização que envolve a livre circulação de pessoas, bens e capitais, momentaneamente limitada pela pandemia, os países de língua oficial portuguesa, considerando, para além dos africanos, o Brasil e Timor, expressam-se, como é sabido, pela quarta língua mais falada do mundo, a primeira do Atlântico Sul e uma das mais utilizadas na internet.
Sendo a língua um instrumento económico, poderemos avaliar a dimensão que isso representa para todos, se aprofundarem, como podem e devem, as relações entre os respetivos povos que possuem, além do mais, culturas invulgares, resultantes de encontros multisseculares.
Acresce que todos os países fazem fronteira com o mar por onde se realizam mais de 90% das transações do comércio mundial existente, mar esse que esconde riquezas incalculáveis, seguramente nas zonas económicas exclusivas que, aliás, se perspetivam alargar.
A convergência de esforços com o objetivo de se concretizarem projetos empresariais que aproveitem as potencialidades existentes em todos os domínios é inadiável.
Esta preocupação impõe que a generalidade dos cidadãos desses países interiorize a existência de uma cidadania lusófona, o que conduz à necessidade de concretização de políticas graduais de mobilidade entre todos, desde logo na esfera empresarial, universitária e cultural que Cabo Verde, enquanto país que preside atualmente à CPLP, programou consensualizar, mas que a pandemia tem também condicionado.
Angola, que presidirá à CPLP a partir de 2021, tem a responsabilidade, que é histórica, de perante este mundo global, aprofundar, por isso, os desígnios da CPLP numa lógica triangular que responda à relação da Europa, de África e da América Latina, neste último caso pelo que representa o Brasil, país de língua oficial portuguesa.
Como dizem os angolanos, não podemos desconseguir perante tão desafiantes objetivos.

Vítor Ramalho
(1948)
Secretário-Geral da UCCLA - União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa
Nº 1753 - Inverno 2020