Nota de Leitura – “25 de Novembro – O Depois”

“O tema deste livro não é o 25 de novembro – é o Depois! “… avisa-nos o autor (Ribeiro Cardoso) logo no início e esclarece “o livro não é, no fundamental, o 25 de novembro – mas o que aconteceu de imediato, após essa data, prolongando-se ao longo de anos.

Temos, portanto, diversos acontecimentos políticos, que tiveram lugar â data de 25 de novembro de 1975 e constituem o material histórico que preenche a realidade político-militar, fixada e designada “o 25 de Novembro” que nas suas diversas configurações de poder, estabelece “um tempo histórico outro”, que se sobrepõe ao tempo inaugural do 25 de Abril.

Acontece, quer tenhamos ou não consciência dessa realidade, que um determinado tempo histórico é engendrado nas dinâmicas e conflitos de um processo polítrico anterior, sendo que o último acabará por prevalecer, dominando pela força e pelo exercício da violência, no mínimo necessário, para um novo tempo histórico se afirmar como vencedor. E, nesse jogo de forças, entre o status quo e o propósito de sua alteração (ou subversão) se exercita a matriz de resistência que arrasta o processo “ao longo de anos”.

Com toda a evidência não interessa, fundamentalmente, ao autor fixar-se e descrever os factos em que se materializou o “25 de Novembro”, – embora algumas das páginas do livro, como não podia deixar de ser, o tragam a primeiro plano; porém o objecto declarado do livro é uma outra realidade que lhe é consequente, ou seja, o “depois”, que sucede ao 25 de Novembro.

E o que sobressai, pois, dessa realidade imediata ao 25 de novembro? Puras manifestações de “violência”, física e psicológica, sobre aqueles que, no jogo de forças, entre a gesta inaugural do 25 de abril e o delinear de novas articulações do poder, definidas pelo 25 novembro, vieram a sair derrotados.

O livro em causa “25 de Novembro – o Depois” constitui assim um poderoso libelo acusatório contra os vencedores do “25 de novembro” e uma visão de conjunto, narrando com minúcia e talento os atropelos, perseguições, prepotências, vinganças mesquinhas, manifestações gratuitas de autoritarismo, invejas sem sentido, carreiras militares truncadas, julgamentos sumários, completamente ilegais, muitas vezes declinados na primeira pessoa, onde perpassa a revolta, face às perseguições conscientemente planeadas e executadas pelos “vencedores” do 25 de novembro.

Porém, onde “há poder, há resistência”!… e, assim, os vencidos do 25 de Novembro, apesar da desigualdade de meios, lutaram de forma determinada e frontal pelos seus direitos e pela legalidade ofendida, assumido os militares perseguidos a dignidade de seus actos e confrontando a hierarquia dos três ramos das Forças Armadas (Exército, Marinha e Força Aérea) com os atropelos e injustiças de que foram vítimas.

De forma que, o livro em referência é também um comovente repositório de convicções e dignidades feridas e ofendidas e uma longa luta para repor a legalidade e reconstituição das suas carreiras militares preteridas. De referir, a título de exemplo, um dos “vencidos” do 25 de Novembro (Coronel da Força Aérea, Nuno Santos Silva) que, em carta dirigida ao Chefe de Estado Maior da Força Aérea, escreve: “Leva sempre muito tempo, mas o tempo, ele próprio, se encarrega de evidenciar a nulidade do significado e das consequências dos actos de tirania e dos tiranos também, naturalmente. Esperei pacientemente quase 24 anos para lhe escrever esta carta – mas eu tinha a certeza de que lhe ia escrever…!”

Tenhamos, portanto, confiança nos tempos futuros. Agindo nós para antecipar a sua vinda…