A Propósito da Paz – Algumas notas breves
No âmbito da Iniciativa Faixa e Rota, que abrange uma população de 4,4 mil milhões de pessoas, Xi Jinping, presidente da República Popular da China, num fórum realizado em Pequim, afirmou: “O afastamento dará lugar às trocas”, “Os conflitos darão lugar a uma mútua aprendizagem e o sentimento de superioridade dará lugar à coexistência”, “promover o entendimento, o respeito e a confiança mútuos entre os diversos países”, “Devemos fomentar um novo género de relações internacionais em que conste uma cooperação benéfica para todos os envolvidos”, “devemos também forjar novas parcerias apontadas para um diálogo sem confrontos e para uma amizade entre países, ao invés de formar alianças”.¹
Entretanto: … De acordo com um alto funcionário (anónimo) do Departamento de Segurança Interna dos EUA, o caos instalado não é propriamente um indicador negativo, mas um elemento positivo. “A desestabilização permanente é vantajosa para a América” foram as palavras registadas por Jeffrey Goldberg, diretor da revista The Atlantic.²
A posição referida pelo presidente chinês corresponde, hoje, ao desejo geral de toda a humanidade (incluindo a população dos EUA e das nações com ele alinhadas) o que constitui um fator importante, mesmo decisivo, diríamos, para um futuro de Paz, tão ambicionado.
Apesar de alguns incidentes de percurso – alguns mesmo de caráter catastrófico, a situação atual caraterizada por uma relativa coexistência pacífica, é, apesar de tudo, bem diferente do que acontecia em passado histórico recente.
Enquanto que um discurso como o de Xi Jinping, naturalmente seguido por toda a hierarquia chinesa, se baseia numa posição político ideológica em que assenta todo o seu projeto de desenvolvimento económico, social e cultural, o discurso oficial dos EUA, quando refere o seu empenhamento em ações para a Paz, é um discurso forçado pelos sentimentos gerais quer das suas populações, quer da opinião pública mundial alinhadas com os propósitos de coexistência da política chinesa ao manifestar-se empenhada na criação de relações que visem “promover o entendimento, o respeito e a confiança mútuos entre os diversos países”. Não é, portanto, um discurso concordante com a sua filosofia ideológica demonstrada atrás pelas afirmações proferidas por um alto funcionário do Departamento de Estado.
E os Estados Unidos consideram que estando a assumir, incontestavelmente, a liderança do Mundo, têm que defender ou até impor ao Mundo este sonho que é do Mundo. Os norte-americanos estão hoje a renovar, com algum triunfalismo, a intenção de fazer reinar por todo o lado os princípios do sistema ocidental, à maneira dos jesuítas do século XVII que iam levar a toda a parte a palavra de Deus.³
Aliás, no não muito longínquo ano de 1995, Bill Clinton, afirmava mesmo: Da Bósnia ao Haiti, do Médio Oriente à Irlanda do Norte, os resultados que obtivemos provam uma vez mais que a liderança americana é indispensável e que, sem ela, os nossos valores, os nossos interesses e até a paz estariam ameaçados.⁴
Antes, em agosto de 1974, sobre os acordos de Helsínquia, assinados em agosto de 75, o então Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado Henry Kissinger terá mesmo dito para o Presidente Gerald Ford: “nós nunca quisemos isso, mas seguimos com os europeus […] Não tem sentido, é só sensacionalismo da esquerda. E estamos sendo coniventes com isso.”
Apesar de o ambiente geral não se caraterizar por um desanuviamento consolidado, de as despesas com o armamento e a manutenção das estruturas militares não seguirem uma rota de redução que faça a humanidade ganhar um sentimento de segurança quanto a futuros conflitos geradores dos sempre assustadores horrores da guerra, o sentimento geral das populações, a atitude antiguerra das novas gerações, o colocar a questão da Paz como fator formativo ao nível das escolas e outras instituições, desportivas, culturais, científicas, são sinais consistentes da criação de uma efetiva consciência da importância da paz para a construção de uma vida melhor, de uma sociedade mais tolerante, mais fraterna e solidária.
Ora a Guerra, ao longo da história, foi o meio com que, pela força, se conquistou, se impôs, se reconquistou, se libertou.
«… Os aliados venceram Napoleão, entraram em Paris, obrigaram-no a renunciar ao trono e enviaram-no para a ilha de Elba, sem o privarem do título de imperador e mostrando-lhe todo o respeito, apesar de cinco anos antes e um ano depois disso todos o considerariam um bandido fora da lei. E Luiz XVIII, de quem até ali tanto os franceses como os aliados só faziam troça, começou a reinar. Quanto a Napoleão, derramando lágrimas perante a velha guarda, renunciou ao trono e partiu para o exílio. Depois hábeis estadistas e diplomatas (em especial Talleyrand, que conseguiu sentar-se antes dos outros numa certa cadeira e alargou assim as fronteiras da França), conversaram em Viena, e com essas conversas faziam os povos felizes ou infelizes. De repente os diplomatas e os monarcas quase se zangaram; já estavam dispostos a enviar de novo as suas tropas para se matarem umas às outras, mas, nesse momento Napoleão desembarcou em França com um batalhão e os franceses, que o odiavam, logo se submeteram à sua vontade. Mas os monarcas aliados zangaram-se por causa disso e de novo foram para a guerra contra os franceses. Venceram o genial Napoleão e levaram-no para a ilha de Santa Helena, reconhecendo-o de repente como um bandido. E ali, o exilado, separado dos que eram queridos ao seu coração e da sua amada França, morreu de morte lenta sobre o rochedo e legou à posteridade os seus grandes feitos. E na Europa deu-se a reacção e todos os soberanos passaram outra vez a maltratar os seus povos.» (Leão Tolstoi, Guerra e Paz, pág. 615,6, edição da Relógio d’Água).
Entretanto, em 1945, outra aliança se conjugou para derrotar uma das maiores ameaças à paz, às liberdades e à dignidade humana: o nazismo personificado em Hitler.
Já neste século, em 19 de dezembro de 2016, a Assembleia Geral da ONU aprovou a “Declaração sobre o Direito à paz”, com 131 votos a favor, 34 contra, e 19 abstenções (UN, 2016), que considera este direito como um direito humano.
A redação final da declaração, relaciona o direito à paz com a promoção e proteção dos direitos humanos e declara, nos seus artigos 1º e 2º, que: “todos têm o direito de desfrutar da paz, de modo que todos os direitos humanos sejam promovidos e protegidos e o desenvolvimento seja totalmente realizado” e que os Estados devem “respeitar, implementar e promover, a igualdade e a não-discriminação, a justiça e o estado de direito e garantir a ausência de medo, como meio de construir a paz dentro e entre as sociedades”.
A sociedade de hoje é percorrida, nomeadamente nas camadas mais jovens, por um verdadeiro sentimento antiguerra. A conquista dum mundo de paz onde possam desenvolver os seus projetos de vida gera na juventude do nosso tempo um sentimento que, independentemente da região, da religião que professem, das convicções político-ideológicas que defendam, se identifica com as afirmações do presidente Xi transcritas no princípio deste texto. Mas há também quem ainda, dentro e fora dos EUA, comungue da perspetiva doutrinária defendida, embora não oficialmente, por dirigentes e estruturas políticas daquele país, como atrás referimos. Doutrina que, por contrária aos interesses fundamentais dos povos, por injusta e desumana como a que justificava a intolerância de carácter racial, acabará por ser derrotada.
O mundo caminhará inevitavelmente para a Paz. Difícil caminhada, algo armadilhada ainda, mas de êxito assegurado, pensamos nós, porque assim o impõe a natureza das coisas ou, talvez dizendo melhor, o que a leitura inteligente da história nos permite concluir.
São imensos ainda os fatores de ameaça à Paz, mas não são menos imensos os recursos e a vontade para a defender e consolidar e desenvolver.
Optimismo?
Notas: ¹ Peter Frankopan, As Novas Rotas da Seda, pág. 95, Relógio d’Água ² Peter Frankopan, As Novas Rotas da Seda, pág. 163-4, Relógio d’Água ³ Alain Minc. A Nova Idade Média, Linda-a-Velha, Difel, 1994, pág. 39 - António Ferraz Sachetti, Guerra e Paz na perspectiva do actual sistema de relações internacionais, 1995 ⁴ Clinton: Leadership Role Vital to U. S. Security, Prosperity, USA Documents, Embaixada dos EUA em Lisboa, 1/10/1995. Neste discurso, considerado pela Casa Branca como o lançamento da esperada campanha para a sua reeleição, BiII Clinton fala inúmeras vezes de valores e interesses americanos com algumas variações mas tendo sempre presentes a Democracia, a Prosperidade e a Segurança - António Ferraz Sachetti, Guerra e Paz na perspectiva do actual sistema de relações internacionais, 1995