Nota de Leitura – “A memória a que temos direito”
Ao longo dos últimos 40 anos, a União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), tem editado, no âmbito da Coleção Páginas de Memória, diversos livros sobre a luta e a resistência contra a ditadura fascista, pela democracia e a liberdade, nomeadamente sobre as cadeias de presos políticos de Tarrafal, Peniche, Angra do Heroísmo e, agora, Caxias.
Cadeia de Caxias – A repressão fascista e a luta pela liberdade foi publicado em março deste ano, e é uma obra coletiva com diversos contributos e colaborações e com uma introdução de Levy Baptista, advogado e presidente da Assembleia Geral da URAP.
Este livro é dedicado aos resistentes antifascistas, “a todos os que sofreram a brutalidade e o terror da PIDE, o isolamento, os dias e as noites infindáveis nesta temida cadeia do fascimo” e “a todos os que lutaram contra a ditadura fascista”, mas também, numa perspetiva de defesa da memória e da verdade, a todos os portugueses, “para conhecerem quanto custou a Liberdade”.
Cadeia de Caxias – A repressão fascista e a luta pela liberdade é um livro muito bem elaborado, pela quantidade e qualidade da informação reunida, pela inclusão de biografias e testemunhos de presos políticos, e, também, de fotografias, desenhos, recortes de jornais e outros documentos que o ilustram.
Trata-se de um volume com cerca de 800 páginas, metade das quais com a lista completa dos 10.048 homens, mulheres e crianças que estiveram no cárcere de Caxias, entre 1936 e 1974.
O livro contém diversos capítulos, numa sequência cronológica, que vai desde a história do Forte de Caxias, no final do século XIX, até à libertação dos presos políticos, em 27 de abril de 1974. E como a poesia também esteve presente na luta antifascista, cada capítulo tem, como epígrafe, um poema da resistência, da autoria de diversos poetas portugueses e de Agostinho Neto que também esteve preso na Cadeia de Caxias.
O Forte de Caxias foi construído no final do século XIX, como fortificação militar de defesa de Lisboa, e começou logo a ser utilizado como cadeia, de opositores republicanos, no final da monarquia, de conspiradores monárquicos, durante a I República e, a partir de 1936, como cadeia da PVDE (posteriormente PIDE e DGS), polícia política criada em 1933, pela ditadura fascista. Note-se que foi nesse período (meados dos anos 1930) que se verficou o alargamento da repressão social e política, com a utilização do Aljube, em Lisboa, dos Fortes de Angra do Heroísmo, Peniche e Caxias e a criação do campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde.
O livro destaca o papel das polícias políticas, como instrumento central da repressão durante os 48 anos do fascismo e a “farsa” dos tribunais políticos do fascismo (tribunais plenários), dando especial relevo à ação dos advogados democratas e antifascistas na defesa dos presos políticos.
Cadeia de Caxias – A repressão fascista e a luta pela liberdade relata a vida prisional dos homens, mulheres e crianças encarcerados, com histórias de violência e brutalidade policial, de sofrimento e tortura, mas também histórias de resistência organizada, audácia, coragem e valentia, em que, como diz a letra do Hino de Caxias, “cada fio de vontade são dois braços e cada braço uma alavanca”. De entre as diversas histórias da resistência, saliente-se a descrição pormenorizada das duas fugas coletivas, em 1939 e em 1961, esta última concretizada no carro blindado de Salazar.
No momento em que se comemoram 50 anos da Revolução de Abril, Cadeia de Caxias – A repressão fascista e a luta pela liberdade é um livro muito importante, quer como contributo para o combate ao branqueamento da opressão fascista e consequente omissão e desvalorização da resistência antifascista, quer como exercício de preservação de memória, de uma memória não usurpada, da memória a que temos direito, de um tempo de barbárie e de sofrimento a que não queremos voltar.

José Alberto Pitacas
(1958)
Economista; Dirigente do CIRIEC Internacional e do CIRIEC Portugal